A seção Direito Internacional em foco é produzida por alunos do 3° Período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter e a supervisão do monitor da Disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
O Abatimento de Aviões Russos pela Turquia e a Invasão
do Espaço Aéreo
Bruna Motta, Gustavo Andretta Ferreira e Laura Ziegler
Drescher
No dia 24 de novembro de
2015, terça-feira, a notícia de que um caça SU-24 russo foi abatido pelas
forças militares da Turquia gerou certa apreensão no cenário internacional. A
ação turca levantou intenso debate sobre a legitimidade do ocorrido por parte dos
dois países e de seus aliados, bem como acionou políticas reativas entre Rússia
e Turquia.
As
opiniões sobre o incidente são divergentes e as declarações também, não havendo
consenso sequer sobre os fatos do caso. Segundo a Turquia, sua defesa militar notou a aproximação de dois
caças russos a seu território, vindo da Síria, e então avisou tais naves cerca
de dez vezes em cinco minutos por um canal de emergência para não atravessar a
fronteira turca, e que caso isso acontecesse, seriam abatidas. Os aviões teriam
ignorado tais advertências e adentrado o espaço aéreo turco. Em resposta, a
Turquia teria enviado sua força aérea, mantendo as advertências; um dos aviões deixou
o espaço turco imediatamente, enquanto o outro, SU-24, seguiu, sendo alvejado
por caças F-16 turcos e caindo no lado sírio da fronteira. Imagens de satélite
divulgadas pela Turquia corroboram esta visão, mostrando que o SU-24 sobrevoou
mais ou menos 3 km dentro do território turco. Oficiais dos Estados Unidos
parecem concordar, havendo afirmado que a aeronave russa teria permanecido 17
segundos no território turco.
Já
a Rússia, bem como o Governo Sírio, aliados, garantem que o avião nunca teria
chego a adentrar o território turco, prova disso sendo o fato de que a aeronave
caiu no território sírio. Os países negaram a validade da suposta imagem de satélite
divulgada pela Turquia. Ademais, ainda alegam que, em todos os casos, a defesa
turca não deveria ter abatido o avião.
De
fato existem divergências em relação às supostas provas de que a Rússia teria adentrado
o espaço aéreo. Alguns jornais noticiaram que, na realidade, teria sido a
Turquia a adentrar o espaço aéreo da Síria, sem permissão, e que essa não seria
a primeira vez. Em 2014, autoridades militares noticiaram 2.244 violações
turcas no espaço aéreo da Grécia. Em outubro de 2015, foram reportadas
repetidas invasões turcas na Armênia. No entanto, nenhum avião turco foi
abatido. É importante notar que os caças russos encontravam-se em missão na
Síria, com a devida autorização de tal Estado.
Quanto
ao abatimento, a Turquia informa que o procedimento para casos como esse é
enviar advertências por meio do canal de emergência sempre que uma aeronave
entra em um raio de 12 milhas de seu território. Quando o avião chega a um raio
de 5 milhas, Ancara envia jatos F-16, os mesmos jatos que tanto Rússia quanto
Turquia afirmam ter abatido o caça russo, para interceptar o invasor, e ainda
assim continuam enviando advertências. Se algum avião vindo da Síria entrar no
território, ignorando as advertências e não apresentando respostas, então ele é
abatido.
Certo
é que tal caso deve ser analisado à luz da normativa do direito internacional.
Segundo o primeiro-ministro da Turquia, Ahmet Davutoglu,
colocar a culpa na Turquia pelo abatimento é ilegal e inválido, principalmente
levando em consideração as normas estabelecidas para território e espaço aéreo
dos Estados no direito internacional. Segundo estas, o conceito de passagem
inocente inexiste no espaço aéreo, estando as naves invasoras sujeitas a
abatimento, diferentemente do que ocorre no mar territorial, onde o simples ato
de passar pelas águas pertencentes a determinado país é permitido. Assim, a
Turquia seria possuidora absoluta e soberana do seu espaço aéreo e qualquer
passagem não autorizada pelo Estado seria considerada um ato ilícito sujeito a reações.
Foi
estabelecido, de fato, pela Corte Internacional de Justiça no caso Nicaragua
que “o voo não autorizado sobre o território de um Estado por aeronave
pertencente a ou sob controle do governo de outro Estado infringe diretamente a
soberania territorial do Estado sobrevoado”, podendo ser escusado apenas por erro
de navegação ou condições climáticas ruins, o que não foi o caso. Apenas frente
aeronaves civis, em caso de entrada não autorizada, como estabelecido pela
Convenção de Chicago, é que os Estados devem abster-se absolutamente de usar armas.
Também não foi o caso. À luz de tal normativa, aplicada aos fatos providos pela
Turquia, a ação turca não constituiria ilícito, mas sim uma resposta legítima à
violação russa, esta constituindo uma ameaça a sua soberania e engendrando
resposta de defesa.
Por
outro lado, se tomarmos como verdadeiros os fatos alegados pela Rússia de que
os caças russos nunca teriam cruzado a fronteira, a Turquia perde sua razão. A
derrubada de aeronaves militares pertencentes a outro Estado, fora de seu
território, certamente configura o uso de força contra tal Estado, proibido
pelo Art. 2(4) da Carta da ONU, portanto ilegal, posto que não constituía as exceções
de auto-defesa ou autorização do Conselho de Segurança.
Enquanto
houver disputa dos fatos por parte dos países, no entanto, é improvável que se
possa chegar a alguma conclusão, embora alguns defendam que a ação turca foi
ilegal sob quaisquer circunstâncias, por exceder os limites da necessidade e da
proporcionalidade que acompanham o uso internacional da força, aplicando-se
mesmo em caso de invasão o direito internacional, e não o turco.
Uma
conclusão prévia que se pode tirar de tudo isso é a de que os aviões russos
foram negligentes em relação a sua missão, já que essa não foi a primeira
indisposição entre Turquia e Rússia envolvendo espaço aéreo no flanco sul da
OTAN. Em outubro de 2015 um caça russo foi interceptado na fronteira com a
Turquia e Moscou já foi seriamente advertida contra novas violações do espaço
aéreo. Na mesma época, um drone russo também foi abatido perto da fronteira,
assim reforçando ainda mais as advertências.
De
toda forma, Vladimir Putin ainda nega que seu avião tenha atravessado a
fronteira, considerando o abatimento “uma punhalada pelas costas”. A Rússia
alega não ter sido apresentada nenhuma prova conclusiva de que seu avião
realmente tenha adentrado o território turco, e que somente houve um único incidente
com invasão de espaço aéreo turco por um avião russo, que foi o ocorrido em
outubro de 2015. A OTAN, por outro lado, demonstrou total apoio à Turquia, seu Estado-membro.
A
fronteira onde o incidente aconteceu também contribuiu para acirrar ainda mais
as relações entre os dois países. A região é ocupada por rebeldes turcomanos
que combatem o governo de Bashar al Assad, aliado da Rússia, e ao mesmo tempo cooperam
com a coalizão internacional comandada pelos EUA contra o Estado Islâmico.
Ativistas disseram que a Rússia vinha atacando esses grupos rebeldes e afirmam
que não há quase nenhuma atividade do EI na região, desmentindo pronunciamentos
russos que diziam só atacar militantes jihadistas.
Após
todo o ocorrido e como reação à ação turca, o presidente Vladimir Putin assinou
uma série de sanções econômicas e comerciais contra a Turquia. Esta última
considerou tais sanções “inaceitáveis”. Entre elas, figuram a proibição de
empregar turcos em empresas russas e o corte de vistos entre os dois países.
Um
fato interessante é que os investimentos europeus sofreram uma grande queda
após o incidente, por conta das tensões geopolíticas na região. As ações
relacionadas a turismo foram as que mais sofreram queda. Apesar de empresários
de ambos os países afirmarem não pretender deixar que a crise política afete
seus negócios internacionais, em janeiro de 2016 as exportações turcas para a
Rússia caíram em três vezes.
FONTES CONSULTADAS:
http://www.ejiltalk.org/was-the-downing-of-the-russian-jet-by-turkey-illegal/
FONTE DA IMAGEM:
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