sexta-feira, 1 de abril de 2016

Direito Internacional em Foco: O Abatimento de Aviões Russos pela Turquia e a Invasão do Espaço Aéreo


A seção Direito Internacional em foco é produzida por alunos do 3° Período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter e a supervisão do monitor da Disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.



O Abatimento de Aviões Russos pela Turquia e a Invasão do Espaço Aéreo
Bruna Motta, Gustavo Andretta Ferreira e Laura Ziegler Drescher

 

No dia 24 de novembro de 2015, terça-feira, a notícia de que um caça SU-24 russo foi abatido pelas forças militares da Turquia gerou certa apreensão no cenário internacional. A ação turca levantou intenso debate sobre a legitimidade do ocorrido por parte dos dois países e de seus aliados, bem como acionou políticas reativas entre Rússia e Turquia. 

            As opiniões sobre o incidente são divergentes e as declarações também, não havendo consenso sequer sobre os fatos do caso. Segundo a Turquia,  sua defesa militar notou a aproximação de dois caças russos a seu território, vindo da Síria, e então avisou tais naves cerca de dez vezes em cinco minutos por um canal de emergência para não atravessar a fronteira turca, e que caso isso acontecesse, seriam abatidas. Os aviões teriam ignorado tais advertências e adentrado o espaço aéreo turco. Em resposta, a Turquia teria enviado sua força aérea, mantendo as advertências; um dos aviões deixou o espaço turco imediatamente, enquanto o outro, SU-24, seguiu, sendo alvejado por caças F-16 turcos e caindo no lado sírio da fronteira. Imagens de satélite divulgadas pela Turquia corroboram esta visão, mostrando que o SU-24 sobrevoou mais ou menos 3 km dentro do território turco. Oficiais dos Estados Unidos parecem concordar, havendo afirmado que a aeronave russa teria permanecido 17 segundos no território turco.

            Já a Rússia, bem como o Governo Sírio, aliados, garantem que o avião nunca teria chego a adentrar o território turco, prova disso sendo o fato de que a aeronave caiu no território sírio. Os países negaram a validade da suposta imagem de satélite divulgada pela Turquia. Ademais, ainda alegam que, em todos os casos, a defesa turca não deveria ter abatido o avião. 

            De fato existem divergências em relação às supostas provas de que a Rússia teria adentrado o espaço aéreo. Alguns jornais noticiaram que, na realidade, teria sido a Turquia a adentrar o espaço aéreo da Síria, sem permissão, e que essa não seria a primeira vez. Em 2014, autoridades militares noticiaram 2.244 violações turcas no espaço aéreo da Grécia. Em outubro de 2015, foram reportadas repetidas invasões turcas na Armênia. No entanto, nenhum avião turco foi abatido. É importante notar que os caças russos encontravam-se em missão na Síria, com a devida autorização de tal Estado.

            Quanto ao abatimento, a Turquia informa que o procedimento para casos como esse é enviar advertências por meio do canal de emergência sempre que uma aeronave entra em um raio de 12 milhas de seu território. Quando o avião chega a um raio de 5 milhas, Ancara envia jatos F-16, os mesmos jatos que tanto Rússia quanto Turquia afirmam ter abatido o caça russo, para interceptar o invasor, e ainda assim continuam enviando advertências. Se algum avião vindo da Síria entrar no território, ignorando as advertências e não apresentando respostas, então ele é abatido.

            Certo é que tal caso deve ser analisado à luz da normativa do direito internacional.

Segundo o primeiro-ministro da Turquia, Ahmet Davutoglu, colocar a culpa na Turquia pelo abatimento é ilegal e inválido, principalmente levando em consideração as normas estabelecidas para território e espaço aéreo dos Estados no direito internacional. Segundo estas, o conceito de passagem inocente inexiste no espaço aéreo, estando as naves invasoras sujeitas a abatimento, diferentemente do que ocorre no mar territorial, onde o simples ato de passar pelas águas pertencentes a determinado país é permitido. Assim, a Turquia seria possuidora absoluta e soberana do seu espaço aéreo e qualquer passagem não autorizada pelo Estado seria considerada um ato ilícito sujeito a reações.

Foi estabelecido, de fato, pela Corte Internacional de Justiça no caso Nicaragua que “o voo não autorizado sobre o território de um Estado por aeronave pertencente a ou sob controle do governo de outro Estado infringe diretamente a soberania territorial do Estado sobrevoado”, podendo ser escusado apenas por erro de navegação ou condições climáticas ruins, o que não foi o caso. Apenas frente aeronaves civis, em caso de entrada não autorizada, como estabelecido pela Convenção de Chicago, é que os Estados devem abster-se absolutamente de usar armas. Também não foi o caso. À luz de tal normativa, aplicada aos fatos providos pela Turquia, a ação turca não constituiria ilícito, mas sim uma resposta legítima à violação russa, esta constituindo uma ameaça a sua soberania e engendrando resposta de defesa.

Por outro lado, se tomarmos como verdadeiros os fatos alegados pela Rússia de que os caças russos nunca teriam cruzado a fronteira, a Turquia perde sua razão. A derrubada de aeronaves militares pertencentes a outro Estado, fora de seu território, certamente configura o uso de força contra tal Estado, proibido pelo Art. 2(4) da Carta da ONU, portanto ilegal, posto que não constituía as exceções de auto-defesa ou autorização do Conselho de Segurança. 

Enquanto houver disputa dos fatos por parte dos países, no entanto, é improvável que se possa chegar a alguma conclusão, embora alguns defendam que a ação turca foi ilegal sob quaisquer circunstâncias, por exceder os limites da necessidade e da proporcionalidade que acompanham o uso internacional da força, aplicando-se mesmo em caso de invasão o direito internacional, e não o turco.

            Uma conclusão prévia que se pode tirar de tudo isso é a de que os aviões russos foram negligentes em relação a sua missão, já que essa não foi a primeira indisposição entre Turquia e Rússia envolvendo espaço aéreo no flanco sul da OTAN. Em outubro de 2015 um caça russo foi interceptado na fronteira com a Turquia e Moscou já foi seriamente advertida contra novas violações do espaço aéreo. Na mesma época, um drone russo também foi abatido perto da fronteira, assim reforçando ainda mais as advertências. 

            De toda forma, Vladimir Putin ainda nega que seu avião tenha atravessado a fronteira, considerando o abatimento “uma punhalada pelas costas”. A Rússia alega não ter sido apresentada nenhuma prova conclusiva de que seu avião realmente tenha adentrado o território turco, e que somente houve um único incidente com invasão de espaço aéreo turco por um avião russo, que foi o ocorrido em outubro de 2015. A OTAN, por outro lado, demonstrou total apoio à Turquia, seu Estado-membro.

            A fronteira onde o incidente aconteceu também contribuiu para acirrar ainda mais as relações entre os dois países. A região é ocupada por rebeldes turcomanos que combatem o governo de Bashar al Assad, aliado da Rússia, e ao mesmo tempo cooperam com a coalizão internacional comandada pelos EUA contra o Estado Islâmico. Ativistas disseram que a Rússia vinha atacando esses grupos rebeldes e afirmam que não há quase nenhuma atividade do EI na região, desmentindo pronunciamentos russos que diziam só atacar militantes jihadistas. 

            Após todo o ocorrido e como reação à ação turca, o presidente Vladimir Putin assinou uma série de sanções econômicas e comerciais contra a Turquia. Esta última considerou tais sanções “inaceitáveis”. Entre elas, figuram a proibição de empregar turcos em empresas russas e o corte de vistos entre os dois países. 

            Um fato interessante é que os investimentos europeus sofreram uma grande queda após o incidente, por conta das tensões geopolíticas na região. As ações relacionadas a turismo foram as que mais sofreram queda. Apesar de empresários de ambos os países afirmarem não pretender deixar que a crise política afete seus negócios internacionais, em janeiro de 2016 as exportações turcas para a Rússia caíram em três vezes.

FONTES CONSULTADAS:
http://www.ejiltalk.org/was-the-downing-of-the-russian-jet-by-turkey-illegal/

FONTE DA IMAGEM:

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