A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
O Reatamento Diplomático entre
Estados Unidos e Cuba e o Embargo Estadunidense
Alessandra Sanches, Grasiele Andrade e Vinícius
Prado
A notícia, já ao
fim de 2014, da progressiva reaproximação, pacífica e de via diplomática, entre
os Estados Unidos e Cuba, surpreendeu muitos. Sua oficialização pública,
anunciada pelo Secretário de Estado estadunidense John Kerry em 01 de julho de
2015, trouxe a alegria de uns e o medo de outros. Toda a comoção em torno do
assunto se deve à conturbada história diplomática entre os dois países.
É possível dizer,
antes de tudo, que o restabelecimento das relações da maneira como tem sido
feita é uma grande conquista – econômica, política e até mesmo cultural – respeitando
a dinâmica do sistema internacional e usando como instrumento a diplomacia, promovendo
a cooperação a fim de almejar e manter relações pacíficas e solucionar
divergências de forma civilizada.
Aproximações e
rompimentos foram características que constituíram as relações dos dois países
ao longo da história. Tudo começou no processo de independência cubana: buscando
seus direitos de independência da Espanha, Cuba teve o apoio dos Estados Unidos
em sua Guerra de Independência, em 1898.
As relações
comerciais entre os países, à época, já eram fortes, motivo pelo qual os EUA
achavam vantajoso o afastamento da Espanha da região; o que não ocorreu anos
antes, quando os estadunidenses não prestaram qualquer apoio a Cuba em suas
primeiras tentativas de libertação. Frente ao êxito, os Estados Unidos passam a
exercer forte influência política, econômica e cultural sobre o novo país,
influência por muitos considerada imperialista. Em 1901, foi assinada a Emenda
Platt, dispositivo legal inserido na Constituição Cubana que concedia aos
Estados Unidos o direito de intervir diretamente nos assuntos políticos de
Cuba, negando, na prática, a soberania estatal cubana e tornando-a virtualmente
um protetorado estadunidense.
Em 1940, foi
eleito em Cuba Fulgêncio Batista, apoiado pelos EUA, permanecendo no governo
até 1944. Depois disso, foi viver nos Estados Unidos, retornando em 1952 para
concorrer novamente à presidência. Frente à inevitável derrota eleitoral,
liderou com o apoio dos Estados Unidos (em claro desrespeito ao direito
internacional) um golpe de Estado. Em seus novos anos, promoveu uma política
ditatorial e de descaso que levou a alto índice de desemprego e desigualdade.
Recebeu, em todo o processo, apoio direto financeiro e militar estadunidense. Foi,
por fim, derrubado em 1959 pelo golpe das forças dos irmãos Castro e de Che
Guevara, que tomaram o poder.
Fidel Castro
torna-se o presidente e advoga uma pauta nacionalista e anti-imperialista. Passa
a nacionalizar terras e empresas de proprietários estadunidenses. Com esses
feitos, que evidenciaram a característica do novo regime, o presidente estadunidense
Eisenhower impõe, em 19 de outubro de 1960, o primeiro embargo. Este reduziu a
1/3 a importação do açúcar cubano. John Kennedy logo assume a presidência: ocorre
a invasão à Baía dos Porcos em 1961, tentativa estadunidense mal sucedida de
tomar controle da ilha.
1961 é o ano que
marca o início da mais intensa oposição entre as duas nações, depois que Cuba
se alia à URSS no contexto da Guerra Fria. Cuba oficializa a transição para o regime
socialista de propriedade estatal dos meios de produção. Ocorre, nesse ano, o
tenso episódio da Crise dos Mísseis, que abala o mundo. Em 1962, é imposto o
atual embargo econômico, comercial e financeiro contra a ilha, que permanece até
hoje.
Diversas
oscilações na posição estadunidense frente a Cuba ocorrem nos governos
posteriores, ao longo da segunda metade do século XX. De toda forma, permanece o embargo. Promove-se
ainda o isolamento de Cuba da Cúpula das Américas e da Organização dos Estados
Americanos, órgão que tem como principais pilares a democracia, os direitos
humanos, a segurança e o desenvolvimento. Ao fim do século, ainda cresciam as
restrições: em 1992, é assinada a Emenda Torricelli, sobre sanções contra a comercialização
com Cuba; em 1996, a similar lei do Liberty Act.
Com o fim da URSS
e de sua parceria com Cuba, a economia da ilha encontra-se bastante fragilizada.
Além das diversas restrições e dificuldades, no início do século XXI, agressões
simbólicas como as medidas de espionagem por Bush, com auxílio de exilados
cubanos, comprometia as boas relações entre os países.
É importante
notar que a conformidade do embargo com o direito internacional é bastante
disputada, sendo a visão mais comum a de que o ato constitui ilícito – tendo em
vista o direito dos Estados ao comércio internacional. Em 2014, pelo vigésimo
terceiro ano consecutivo, a Assembleia Geral adotou outra, depois de muitas,
resolução pedindo pelo fim do embargo. Bastante expressivos foram os números:
188 Estados votaram a favor e, bem como nos anteriores, somente dois contra,
Estados Unidos e Israel.
Mais de 50 anos
já se foram desde o rompimento absoluto de relações diplomáticas entre os dois países.
Ainda que um dos países, durante todo esse tempo, tivesse desejado a
normalização das relações, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de
1961, explicita em seu Art. 2º: "O estabelecimento de relações
diplomáticas entre Estados e o envio de Missões diplomáticas permanentes
efetua-se por consentimento mútuo."
Em 2009, é eleito
Barack Obama. Em 2013, depois de tanto tempo, a relação entre os Estados Unidos
e Cuba passam a ser negociada sob os auspícios do Papa Francisco, representante
da Santa Sé. O primeiro indício popular de uma superação de inimizade se deu no
funeral de Nelson Mandela, em 2013, com o aperto de mãos entre Obama e Raúl
Castro.
É em 01 de julho
de 2015, finalmente, que é oficializada a tentativa de normalização das relações.
Em 20 de julho de 2015, momento histórico, as embaixadas foram reabertas em
Washington e Havana 54 anos após o rompimento diplomático; as bandeiras sendo
hasteadas pelo Secretário de Estado estadunidense John Kerry e o chanceler
cubano Bruno Rodríguez. A visita de Kerry a Cuba foi a primeira de um alto
oficial dos EUA em 70 anos.
Além das
embaixadas, estava em discussão a abertura dos aeroportos e linhas aéreas
diretas entre os países, conquistas de grande avanço. As operadoras de
telefonia Verizon e Etecsa realizaram um acordo que facilitaria a comunicação
entre os dois países.
São vários,
aliás, os pontos de discussão em pauta no processo de normalização das
relações. O mais delicado, provavelmente, é o que diz respeito aos direitos humanos.
Os Estados Unidos pedem por uma maior liberdade de expressão e de participação
política na ilha, bem como pela liberação dos que consideram prisioneiros
políticos. Cuba, por sua vez, é categórica ao exigir o fechamento da prisão de
Guantánamo.
A prisão foi arrendada
pelo Estados Unidos em 1903 em território cubano a um pagamento anual de 4.085
dólares, hoje utilizada para a detenção de indivíduos considerados suspeitos de
terrorismo pelos EUA. Observados pela comunidade internacional, ocorrem ali
corriqueiramente atos de tortura e graves violações de direitos humanos. Além
do mais, a própria existência de tal prisão, de jurisdição estadunidense em
território cubano, é considerada um “vácuo” inexplicável no Direito
Internacional.
Obama afirma buscar
o fechamento de Guantánamo, embora seja contrariado pela oposição. Castro, por
sua vez, afirma não haver em Cuba prisioneiros políticos, mas sim detidos por
crimes comuns.
Segundo o
professor de Relações Internacionais da PUC-SP Paulo Pereira “[só] Quando o
embargo for retirado, a gente vai começar a ver, aí sim, uma maior
transformação política e econômica e vai poder dizer que esse anacronismo da
Guerra Fria foi colocado de lado pelos EUA”. Afirma ser o ponto mais
fundamental desse processo a gradual abertura de comercialização entre os dois
países, sendo o fim do embargo o grande teste do reatamento diplomático; até
lá, diz, as mudanças serão ainda muito tímidas.
Cuba, é
importante notar, além de recursos e mercado consumidor, tem grande potencial
turístico, quesito a ser almejado pela economia estadunidense e ainda
representando a oportunidade de conceder aos cidadãos cubanos a liberdade de
conhecer outras culturas.
Obama, em 20 de
março de 2016, realizou histórica visita
a Havana, sendo o primeiro presidente estadunidense a pisar em Cuba em 88 anos.
Lá, com sua família, permaneceu três dias. Em discurso, reafirmou o desejo de
pôr fim ao embargo. É importante notar, porém, que desde o Helms Burton Act, de
1994, o Executivo não tem poder de retirar o embargo, somente podendo ser feito
pelo Congresso. As promessas do presidente, democrata, assim, não são tão
simples de serem cumpridas, posto que os congressistas atuais são em sua
maioria republicanos, conservadores e de oposição. No momento atual, ainda, de
disputa eleitoral nos EUA e seu clássico embate entre democratas e
republicanos, qualquer passo é considerado arriscado. Questiona-se se a eleição
de um presidente republicano não colocaria todo o esforço da gestão Obama por
água abaixo.
Em seu discurso, o
presidente ainda reiterou o pedido de concessão de maior liberdade ao povo
cubano. Em suas palavras: "Eu acredito, mas não posso obrigar vocês a
acreditar, mas acho que deveriam. Acredito que todos devem ser iguais perante a
lei e que não devem ter medo de falar o que pensam. Que todos devem ter
liberdade para praticar a fé que acreditam e que devem votar em eleições
democráticas. Os direitos humanos são universais, para americanos, cubanos e
todo o mundo." Críticos, no entanto, lembraram: os EUA mantêm relações
muito próximas com países muito mais insensíveis aos “direitos humanos para
todo o mundo”, tal como a Arábia Saudita.
É importante notar,
por fim, que a visita não agradou a todos: em nenhum momento durante sua visita
Obama encontrou-se com ou sequer mencionou Fidel Castro, o ex-presidente que
permaneceu no poder até 2008; mas apenas com Raul, seu irmão mais novo,
sucessor e atual presidente. Fidel divulgou, pouco depois, uma carta aberta
intitulada “El Hermano Obama”, em que comenta com muita veemência a visita do
estadunidense e, especialmente, sua retórica.
Fidel classificou
os discursos de Obama como “cheios de mel” e disse poderem os cubanos ter uma
parada cardíaca ouvindo certas coisas vindo do presidente dos EUA. O
estadunidense propôs que se deixasse a história dos países para trás e se
olhasse para frente. Fidel escreveu: “[...] está pedindo para esqueçamos um
bloqueio impiedoso de quase 60 anos, mais de meio século de agressão
estadunidense contra Cuba, um embargo de décadas, a tentativa de invasão de
1961 e o bombardeio do avião cubano em 1976 que matou 73 pessoas.” O
ex-presidente diz, entretanto, reconhecer as boas intenções de Obama, citando
sua inteligência e origens humildes. Conclui categoricamente: “não precisamos
que o império nos dê presentes.”
De toda forma, o
restabelecimento de relações entre os países é o ganho de mais uma relação colaborativa
no sistema internacional, embora não se tenha a garantia de uma transição
democrática cubana, o que não deve deixar de ser almejado. Em 11 de março de
2016, ainda, Cuba assinou um acordo para melhorar as relações com a União
Europeia, outro avanço significativo, embora também deixe em aberto a questão
democrática e o fim do embargo, que trariam uma Cuba integrada à Nova Ordem
Mundial.
FONTES CONSULTADAS:
http://www.un.org/press/en/2014/ga11574.doc.htm
http://www.dn.pt/globo/interior/obama-retoma-relacoes-com-cuba-o-embargo-nao-teve-os-efeitos-desejados-4301087.html
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/em-cuba-barack-obama-diz-que-vai-trabalhar-pelo-fim-do-embargo.html
Fonte da imagem:
http://laopcion.com.mx/noticia/117209
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