Jacarta, capital da Indonésia com mais de 10 milhões de habitantes, está afundando de forma alarmante, mais aceleradamente do que qualquer outra cidade no mundo há alguns anos, chegando a 25 centímetros por ano no norte da cidade, banhado pelo Mar de Java, onde algumas regiões sofreram afundamentos de aproximadamente quatro metros desde 1970. Especialistas apontam que Jacarta corre o risco de ficar inteiramente submersa a partir de 2050.
Apesar da megacidade estar localizada em um terreno pantanoso de zona costeira baixa e ser cortada por treze rios, transformando inundações em situações corriqueiras e o reparo de casas e móveis em atividades rotineiras, o principal motivo para o afundamento de Jacarta é a escassez de água encanada para a população.
Os rios da capital, que deveriam fornecer fontes de água doce, estão em grande parte inutilizáveis devido ao despejo de resíduos, desde dejetos humanos e do descarte irregular de lixo até produtos químicos industriais, podendo levar anos apenas para interromper a poluição contínua, revelando um cenário de bastante dificuldade para seus habitantes. Enquanto isso, a cidade precisa expandir seu uso de coleta de água pluvial e recorrer a outras fontes alternativas de coleta e purificação de água.
Assim como em muitas outras metrópoles, além de enfrentar as mudanças climáticas que elevam o nível do mar, grande parte da população (cerca de 60% dos habitantes de Jacarta) não tem acesso a água encanada. Para amenizar o problema, residentes e empresas abriram furos nos aquíferos abaixo da cidade. Porém, a desigual distribuição do recurso obrigou a população a utilizar exclusivamente as águas subterrâneas de maneira excessiva para sobreviver.
Essas circunstâncias culminaram no cedimento da superfície do solo, uma vez que quanto mais água é extraída, menor é a pressão, ocasionando um processo de desmoronamento do solo e afundamento da superfície. Além disso, o rápido crescimento de Jacarta nos anos 70 e a falta de espaço disponível impossibilitam a absorção de água proveniente de chuvas pelo solo, o que reabasteceria os aquíferos naturalmente, revelando inundações que parecem ser cada vez mais graves, já que são formados bolsões d’água que impedem o escoamento de volta ao mar.
O cenário observado em Jacarta tem raízes históricas, desde a época da colonização do país pelos holandeses e sua Companhia das Índias Orientais que se estabeleceram na região durante o século XVII. Os holandeses assumiram o controle da cidade portuária e a transformaram em seu novo quartel-general, batizando a região de Batávia, construída desde o princípio para melhor representar a identidade holandesa de civilização. Foram construídas casas estreitas ao longo de uma rede de canais, modelo muito semelhante à Amsterdã e outras cidades holandesas, com o principal intuito de adaptar os novos moradores, além de questões de defesa e comércio.
Analisando o mapa da rede de canais em Batávia, é perceptível que os colonizadores holandeses projetaram a nova cidade de uma maneira que segregasse a população local, composta por indonésios, indianos, árabes, chineses e os recém-chegados europeus. Poucas pontes foram construídas para conectar a parte leste e oeste da cidade e entre os bairros, dividindo toda a população de forma estratégica para obterem maior controle sobre o território. Com o passar do tempo, após um século de controle holandês, os canais da cidade começaram a se deteriorar por falta de manutenção adequada, inutilizando os canais e, consequentemente, promovendo a proliferação de doenças como o tifo e a malária.
A situação motivou os holandeses a se mudarem para o sul da cidade, onde construíram um novo centro econômico, preferivelmente com um sistema de abastecimento de água encanada, abandonando a situação no norte de Batávia. Assim, a segregação causada pelos europeus levou a um sistema de abastecimento desigual que excluiu a maioria dos povos nativos, forçando-os a encontrar outras maneiras de obtenção de água, refletindo na situação atual dos moradores da capital indonésia, rebatizada como Jacarta.
A preocupação com o futuro da megacidade é tamanha que o governo nacional está considerando alterar a localização da capital do país, mesmo com planejamentos emergenciais de bombeamento de águas para os aquíferos em Jacarta. A Indonésia se prepara para construir sua nova capital que seria instalada na ilha de Bornéu, região mais central do arquipélago.
O projeto de 34 bilhões de dólares é extremamente ambicioso, visando uma cidade costeira compacta com cinco cidades satélites, construídas sobre plantações de dendê restauradas e cercada por pântanos e florestas tropicais, um dos lugares de maior biodiversidade do mundo. O governo indonésio promete que a nova capital será um exemplo de cidade sustentável que o planeta jamais viu, seguindo as lições aprendidas em Jacarta para evitar erros antigos, certamente despertando interesse e curiosidade na sociedade internacional, porém não ajudando efetivamente as famílias que continuarão afundando com Jacarta cada vez mais, ano após ano.
Referências
GUEST, P. The impossible fight to save Jakarta, the sinking megacity. WIRED, 2019. Disponível em: <https://www.wired.co.uk/article/jakarta-sinking>. Acesso em: 18 Março 2021.
HIDAYAT, M. M. L. E. R. A megacidade que está afundando e pode ficar submersa em três décadas. BBC News, 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-45168320>. Acesso em: 18 Março 2021.
THORNELL, C. Why Jakarta is sinking. Vox, 2021. Disponível em: <https://www.vox.com/22295302/why-jakarta-sinking-flooding-colonialism>. Acesso em: 15 Março 2021.
UTAMA, R. H. A. A. When your capital is sinking. Start again? BBC, 2020. Disponivel em: <https://www.bbc.co.uk/news/extra/xsyGF2fhsL/Indonesia_new_capital>. Acesso em: 17 Março 2021.
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