Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
* Por: GABRIELA BLASI DE ANDRADE
Resumo
O Mercado Comum do Sul
(Mercosul) foi constituído em 26 de março de 1991 pelo Tratado de Assunção,
assinado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Seu surgimento reflete o
desejo da Argentina e do Brasil em reafirmar seus processos de redemocratização
após um período de vigência de ditaduras e crises econômicas. No âmbito
internacional, o fim da bipolaridade, as evoluções do Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT ) e o avanço de políticas econômicas de cunho neoliberal incitaram
a liberalização dos mercados da América Latina. Nesse contexto, o Mercosul
surge como uma plataforma de inserção internacional para os Estados Partes.
Este artigo tem como objetivo analisar o processo constitutivo do Mercosul à
luz do conceito de regimes internacionais desenvolvido por Stephen Krasner em International Regimes. Em um segundo
momento, pretende analisar o processo histórico de integração do bloco regional
e seu atual status.
CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS
Stephen Krasner define o conceito de regimes
internacionais como “grupo de princípios implícitos ou explícitos, normas,
regras, tomadas de decisões de determinada área das relações internacionais em
torno dos quais convergem as expectativas dos atores”. Os princípios que regem
os regimes qualificam-se como o conjunto de crenças em fatos e questões morais.
Em outras palavras, os princípios são os propósitos que os membros de um regime
compartilham. As normas norteiam o comportamento dos membros de um regime a fim
de produzir resultados que estejam de acordo com os princípios. As regras
caracterizam-se como prescrições mais detalhadas do comportamento dos membros
de um regime, podendo ter caráter norteador ou obrigatório. Por fim,
procedimentos de tomada de decisões são práticas que visam aplicar de maneira
efetiva os princípios, ou seja, a vontade geral dos membros.
Princípios e normas são as características fundamentais
dos regimes; mudanças em suas orientações representariam mudanças do próprio
regime (changes of the regime itself) e
poderiam levar ao desaparecimento deste, ou à criação de um novo regime. Por
sua vez, alterações em regras e tomadas de decisões constituem-se como mudanças
dentro dos regimes (changes within
regimes), desde que os princípios e as normas permaneçam inalterados. Em
outras palavras, alterações em regras e tomadas de decisões são fatos internos,
e não representam mudanças de orientação dos regimes. Há, ainda, uma terceira
possibilidade: quando os princípios, normas, regras e tomadas de decisões
apresentam incoerências entre si ou não há convergência entre as práticas dos
membros e os componentes do regime, tem-se um regime enfraquecido.
Susan Krasner procura entender a importância dos regimes
internacionais tomando como base três diferentes concepções sobre o tema: visão
estruturalista convencional, perspectiva estruturalista modificada e visão
grociana. A autora considera o poder e os interesses como as causas
fundamentais do comportamento dos Estados, reduzindo os regimes internacionais
a simples epifenômenos facilmente perturbados. Seus impactos nos resultados e
comportamentos dos Estados seriam triviais, senão nulos. Esse entendimento dos
regimes representa a visão estruturalista convencional.
A visão estruturalista modificada sobre regimes
internacionais é apresentada por Keohane e Stein. Os autores compartilham com o
estruturalismo convencional o entendimento de que o sistema internacional é
composto por Estados soberanos que buscam maximizar seu poder e interesses.
Entretanto, compreendem que os regimes podem ter impacto significativo em um sistema
cada vez mais complexo. Em outras palavras, os regimes tornam-se importantes na
medida em que garantem vantagens que não seriam tão certas caso fossem guiadas
pelos interesses individuais dos Estados. Por essa razão, os autores entendem os
regimes internacionais como significativos.
Finalmente, a perspectiva grociana vê os regimes
disseminados no sistema internacional. Puchala e Hopkins argumentam que o
entendimento realista do conceito de regimes internacionais é insuficiente para
compreender as dinâmicas de um mundo cada vez mais interdependente e complexo.
Dessa maneira, os autores defendem que estadistas sentiriam-se restringidos por
princípios, normas e regras, mesmo em áreas temáticas marcadas por rivalidades
e tidas como conflitantes. Young amplia o entendimento de regimes ao
estabelecer que um certo comportamento entendido como padrão gera normas
reconhecidas. Assim, o comportamento dos Estados estaria invariavelmente
atrelado aos regimes internacionais.
ANÁLISE CRÍTICA
O Mercado Comum do Sul (Mercosul)
foi constituído em 26 de março de 1991 pelo Tratado de Assunção, assinado por
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Este tratado estabelece as bases
institucionais provisórias do bloco, que só viria a contar com uma estrutura
definitiva a partir da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, datado de 17 de
dezembro de 1994.
A criação do bloco regional expressa
a vontade dos Estados Parte em inserir-se no mercado internacional através da
integração. Tal intenção pode ser verificada no preâmbulo do Tratado de
Assunção, o qual reintera as disposições dos Estados em ampliar seus mercados e
inserir-se nos “grandes espaços econômicos” através da integração regional. À
luz do conceito estabelecido por Krasner, estes seriam os propósitos –
princípios – compartilhados pelos Estados Parte.
De acordo com o artigo primeiro
do Tratado de Assunção, os signatários têm como objetivo o aprofundamento
progressivo da integração a partir de uma Zona de Livre Comércio (ZLC), chegando
a um Mercado Comum. Uma ZLC implica a eliminação de barreiras alfandegárias e
restrições não tarifárias ao livre comércio entre os países membros. O
estabelecimento de uma Taxa Externa Comum (TEC) – taxa comum para a importação de
bens de países de fora do grupo e livre circulação de mercadorias oriundas dos
países associados – denominada união aduaneira, representaria um passo adiante
no processo de integração. O Mercado Comum, objetivo dos países membros, requer
a livre circulação de pessoas, serviços e capitais, além da ZLC e a TEC. Esse
projeto de construção de um Mercado Comum orienta as ações dos Estados Parte a
fim de produzir resultados compatíveis aos princípios do bloco – a inserção
internacional através da integração. Assim sendo, podemos entendê-lo como norma
do Mercosul.
A carta constitutiva do bloco
regional – Tratado de Assunção – prescreve de maneira mais detalhada as ações
que os países signatários devem tomar a fim de que os princípios e a norma
sejam respeitados. Por esse motivo, são as regras deste regime internacional. O
tratado também estabelece a criação de órgãos com diferentes incumbências; os
principais órgãos são o Conselho do Mercado Comum (CMC) e o Grupo do Mercado
Comum (GMC). O primeiro é composto por Ministros das Relações Exteriores e de
Economia dos países membros; constitui-se como um órgão superior aos demais e
manifesta-se através de Decisões. O GMC é composto por representantes dos
Ministérios das Relações Exteriores, da Economia e dos Bancos Centrais dos
países membros; sua função é garantir os mecanismos necessários para que as
decisões do CMC sejam cumpridas. Embora o CMC seja o único órgão competente para
produzir decisões no bloco, entende-se que o GMC, por ter a incumbência de
executar tais decisões através de Resoluções, é o responsável por procedimentos
de tomadas de decisões no âmbito do Mercosul.
O projeto de liberalização dos
mercados previsto no Tratado de Assunção é um reflexo do avanço de políticas
econômicas neoliberais na América Latina no início dos anos 90. Esse projeto
teve como objetivo a criação de uma zona de comércio preferencial entre os
Estados Parte, bem como o aumento da interdependência entre os países. De fato,
entre anos de 1991 e 1994 – período de transição entre as bases institucionais
provisórias para estruturas definitivas – registrou-se um aumento significativo
do comércio intra-regional, além do aumento da participação desse comércio nos
respectivos PIBs. Outro fator responsável pelos avanços obtidos nesta fase é a
convergência de interesses entre os países membros, fato que motivou o
cumprimento da agenda de integração.
A partir de 1995 o Mercosul
passa a contar com uma estrutura definitiva delineada pelo Protocolo de Ouro
Preto. Também entra em vigor a união aduaneira, que, mesmo incompleta – foi
permitida a criação de listas de exceção nacionais – foi responsável pela
intensificação do comércio entre os países membros. Divergências começaram a
surgir no tocante às barreiras não-tarifárias e à coordenação de políticas
macroeconômicas.
O início da crise do bloco é
datado de 1999, quando o Brasil mudou seu regime cambial sem consultar previamente
os demais membros do bloco; consequentemente, a Argentina passou a adotar
medidas protecionistas a fim de evitar uma enxurrada de produtos brasileiros em
seu mercado. Essas duas medidas de caráter unilateral trouxeram à tona a
insuficiência institucional do Mercosul frente aos interesses nacionais dos
seus membros. Além disso, uma série de temas carecia de acordos e outros tantos
compromissos foram descumpridos, o que aumentou a lista de assuntos pendentes
do bloco.
Nesse contexto de crise interna,
líderes dos países membros reuniram-se em 2000 na cidade de Buenos Aires para
discutir um “Relançamento do Mercosul”. Várias medidas foram acordadas, porém
apenas uma surtiu um efeito prático: o lançamento das bases para o surgimento
de um Tribunal Permanente de Revisão, criado então a partir da assinatura do
Protocolo de Olivos, em 2002.
O início promissor do Mercosul
– aumento expressivo do comércio intra-regional e da interdependência – não
resultou em um aprofundamento da integração e a diversificação da agenda do
bloco. Isso pode ser explicado pela sua fragilidade institucional. O Mercosul
conta com uma estrutura intergovernamental com decisões baseadas no consenso, o
que transfere aos seus membros a responsabilidade por internalizar as normas
estabelecidas no seu âmbito. Não existe, contudo, um mecanismo que fiscalize e
cobre dos países esse processo de internalização. Nesse sentido, é importante
destacar que a Argentina e principalmente o Brasil – os dois maiores parceiros
do bloco – não demonstraram esforço no sentido de fortalecer institucionalmente
o bloco, chegando inclusive a adotar medidas unilaterais que iam de encontro à
agenda do bloco, como exposto acima.
Ao longo da primeira década dos
anos 2000, esforços foram feitos para que agenda do bloco se diversificasse.
Embora o bloco ainda conte com uma união aduaneira imperfeita e uma estrutura
institucional que apresenta falhas, deve-se considerar sua relevância dentro da
América do Sul. Atualmente todos os países sul-americanos participam do
Mercosul, seja como Estado Parte, seja como Estado Associado. A soma dos PIBs
dos cinco Estados Parte – Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela,
admitida em 2012 -, na ordem de US$ 3 trilhões, corresponderam a 83% do PIB da
América do Sul no ano de 2014. Além do fator do comércio intra-zona, cabe
destacar a preocupação social e o compromisso que bloco mantém com o desenvolvimento
socioeconômico, preocupações não muito usuais em acordos internacionais.
Conforme apresentado, são dois
os obstáculos que impedem que o Mercosul avance no seu projeto de inserção internacional
através da integração: a existência de uma união aduaneira imperfeita e certa
vulnerabilidade de suas instituições, representada pela ausência de um poder
supranacional capaz de cobrar dos Estados a internalização de suas decisões e
resoluções. Cabe aos Estados membros a sensibilização sobre essas questões e a
tomada de iniciativas que fomentem a continuidade deste projeto nas próximas
décadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Acesso em: 28/05/2016 às 17:09.
*GABRIELA
BLASI DE ANDRADE é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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