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segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Seção Relações Internacionais em Destaque: O MERCOSUL SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DOS REGIMES INTERNACIONAIS

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.


* Por: GABRIELA BLASI DE ANDRADE

Resumo

O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi constituído em 26 de março de 1991 pelo Tratado de Assunção, assinado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Seu surgimento reflete o desejo da Argentina e do Brasil em reafirmar seus processos de redemocratização após um período de vigência de ditaduras e crises econômicas. No âmbito internacional, o fim da bipolaridade, as evoluções do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT ) e o avanço de políticas econômicas de cunho neoliberal incitaram a liberalização dos mercados da América Latina. Nesse contexto, o Mercosul surge como uma plataforma de inserção internacional para os Estados Partes. Este artigo tem como objetivo analisar o processo constitutivo do Mercosul à luz do conceito de regimes internacionais desenvolvido por Stephen Krasner em International Regimes. Em um segundo momento, pretende analisar o processo histórico de integração do bloco regional e seu atual status.

CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

Stephen Krasner define o conceito de regimes internacionais como “grupo de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras, tomadas de decisões de determinada área das relações internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores”. Os princípios que regem os regimes qualificam-se como o conjunto de crenças em fatos e questões morais. Em outras palavras, os princípios são os propósitos que os membros de um regime compartilham. As normas norteiam o comportamento dos membros de um regime a fim de produzir resultados que estejam de acordo com os princípios. As regras caracterizam-se como prescrições mais detalhadas do comportamento dos membros de um regime, podendo ter caráter norteador ou obrigatório. Por fim, procedimentos de tomada de decisões são práticas que visam aplicar de maneira efetiva os princípios, ou seja, a vontade geral dos membros.
Princípios e normas são as características fundamentais dos regimes; mudanças em suas orientações representariam mudanças do próprio regime (changes of the regime itself) e poderiam levar ao desaparecimento deste, ou à criação de um novo regime. Por sua vez, alterações em regras e tomadas de decisões constituem-se como mudanças dentro dos regimes (changes within regimes), desde que os princípios e as normas permaneçam inalterados. Em outras palavras, alterações em regras e tomadas de decisões são fatos internos, e não representam mudanças de orientação dos regimes. Há, ainda, uma terceira possibilidade: quando os princípios, normas, regras e tomadas de decisões apresentam incoerências entre si ou não há convergência entre as práticas dos membros e os componentes do regime, tem-se um regime enfraquecido.
Susan Krasner procura entender a importância dos regimes internacionais tomando como base três diferentes concepções sobre o tema: visão estruturalista convencional, perspectiva estruturalista modificada e visão grociana. A autora considera o poder e os interesses como as causas fundamentais do comportamento dos Estados, reduzindo os regimes internacionais a simples epifenômenos facilmente perturbados. Seus impactos nos resultados e comportamentos dos Estados seriam triviais, senão nulos. Esse entendimento dos regimes representa a visão estruturalista convencional.
A visão estruturalista modificada sobre regimes internacionais é apresentada por Keohane e Stein. Os autores compartilham com o estruturalismo convencional o entendimento de que o sistema internacional é composto por Estados soberanos que buscam maximizar seu poder e interesses. Entretanto, compreendem que os regimes podem ter impacto significativo em um sistema cada vez mais complexo. Em outras palavras, os regimes tornam-se importantes na medida em que garantem vantagens que não seriam tão certas caso fossem guiadas pelos interesses individuais dos Estados. Por essa razão, os autores entendem os regimes internacionais como significativos.
Finalmente, a perspectiva grociana vê os regimes disseminados no sistema internacional. Puchala e Hopkins argumentam que o entendimento realista do conceito de regimes internacionais é insuficiente para compreender as dinâmicas de um mundo cada vez mais interdependente e complexo. Dessa maneira, os autores defendem que estadistas sentiriam-se restringidos por princípios, normas e regras, mesmo em áreas temáticas marcadas por rivalidades e tidas como conflitantes. Young amplia o entendimento de regimes ao estabelecer que um certo comportamento entendido como padrão gera normas reconhecidas. Assim, o comportamento dos Estados estaria invariavelmente atrelado aos regimes internacionais.
ANÁLISE CRÍTICA
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi constituído em 26 de março de 1991 pelo Tratado de Assunção, assinado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Este tratado estabelece as bases institucionais provisórias do bloco, que só viria a contar com uma estrutura definitiva a partir da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, datado de 17 de dezembro de 1994.
A criação do bloco regional expressa a vontade dos Estados Parte em inserir-se no mercado internacional através da integração. Tal intenção pode ser verificada no preâmbulo do Tratado de Assunção, o qual reintera as disposições dos Estados em ampliar seus mercados e inserir-se nos “grandes espaços econômicos” através da integração regional. À luz do conceito estabelecido por Krasner, estes seriam os propósitos – princípios – compartilhados pelos Estados Parte.
De acordo com o artigo primeiro do Tratado de Assunção, os signatários têm como objetivo o aprofundamento progressivo da integração a partir de uma Zona de Livre Comércio (ZLC), chegando a um Mercado Comum. Uma ZLC implica a eliminação de barreiras alfandegárias e restrições não tarifárias ao livre comércio entre os países membros. O estabelecimento de uma Taxa Externa Comum (TEC) – taxa comum para a importação de bens de países de fora do grupo e livre circulação de mercadorias oriundas dos países associados – denominada união aduaneira, representaria um passo adiante no processo de integração. O Mercado Comum, objetivo dos países membros, requer a livre circulação de pessoas, serviços e capitais, além da ZLC e a TEC. Esse projeto de construção de um Mercado Comum orienta as ações dos Estados Parte a fim de produzir resultados compatíveis aos princípios do bloco – a inserção internacional através da integração. Assim sendo, podemos entendê-lo como norma do Mercosul.
A carta constitutiva do bloco regional – Tratado de Assunção – prescreve de maneira mais detalhada as ações que os países signatários devem tomar a fim de que os princípios e a norma sejam respeitados. Por esse motivo, são as regras deste regime internacional. O tratado também estabelece a criação de órgãos com diferentes incumbências; os principais órgãos são o Conselho do Mercado Comum (CMC) e o Grupo do Mercado Comum (GMC). O primeiro é composto por Ministros das Relações Exteriores e de Economia dos países membros; constitui-se como um órgão superior aos demais e manifesta-se através de Decisões. O GMC é composto por representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, da Economia e dos Bancos Centrais dos países membros; sua função é garantir os mecanismos necessários para que as decisões do CMC sejam cumpridas. Embora o CMC seja o único órgão competente para produzir decisões no bloco, entende-se que o GMC, por ter a incumbência de executar tais decisões através de Resoluções, é o responsável por procedimentos de tomadas de decisões no âmbito do Mercosul.
O projeto de liberalização dos mercados previsto no Tratado de Assunção é um reflexo do avanço de políticas econômicas neoliberais na América Latina no início dos anos 90. Esse projeto teve como objetivo a criação de uma zona de comércio preferencial entre os Estados Parte, bem como o aumento da interdependência entre os países. De fato, entre anos de 1991 e 1994 – período de transição entre as bases institucionais provisórias para estruturas definitivas – registrou-se um aumento significativo do comércio intra-regional, além do aumento da participação desse comércio nos respectivos PIBs. Outro fator responsável pelos avanços obtidos nesta fase é a convergência de interesses entre os países membros, fato que motivou o cumprimento da agenda de integração.
A partir de 1995 o Mercosul passa a contar com uma estrutura definitiva delineada pelo Protocolo de Ouro Preto. Também entra em vigor a união aduaneira, que, mesmo incompleta – foi permitida a criação de listas de exceção nacionais – foi responsável pela intensificação do comércio entre os países membros. Divergências começaram a surgir no tocante às barreiras não-tarifárias e à coordenação de políticas macroeconômicas.
O início da crise do bloco é datado de 1999, quando o Brasil mudou seu regime cambial sem consultar previamente os demais membros do bloco; consequentemente, a Argentina passou a adotar medidas protecionistas a fim de evitar uma enxurrada de produtos brasileiros em seu mercado. Essas duas medidas de caráter unilateral trouxeram à tona a insuficiência institucional do Mercosul frente aos interesses nacionais dos seus membros. Além disso, uma série de temas carecia de acordos e outros tantos compromissos foram descumpridos, o que aumentou a lista de assuntos pendentes do bloco.
Nesse contexto de crise interna, líderes dos países membros reuniram-se em 2000 na cidade de Buenos Aires para discutir um “Relançamento do Mercosul”. Várias medidas foram acordadas, porém apenas uma surtiu um efeito prático: o lançamento das bases para o surgimento de um Tribunal Permanente de Revisão, criado então a partir da assinatura do Protocolo de Olivos, em 2002.
O início promissor do Mercosul – aumento expressivo do comércio intra-regional e da interdependência – não resultou em um aprofundamento da integração e a diversificação da agenda do bloco. Isso pode ser explicado pela sua fragilidade institucional. O Mercosul conta com uma estrutura intergovernamental com decisões baseadas no consenso, o que transfere aos seus membros a responsabilidade por internalizar as normas estabelecidas no seu âmbito. Não existe, contudo, um mecanismo que fiscalize e cobre dos países esse processo de internalização. Nesse sentido, é importante destacar que a Argentina e principalmente o Brasil – os dois maiores parceiros do bloco – não demonstraram esforço no sentido de fortalecer institucionalmente o bloco, chegando inclusive a adotar medidas unilaterais que iam de encontro à agenda do bloco, como exposto acima.
Ao longo da primeira década dos anos 2000, esforços foram feitos para que agenda do bloco se diversificasse. Embora o bloco ainda conte com uma união aduaneira imperfeita e uma estrutura institucional que apresenta falhas, deve-se considerar sua relevância dentro da América do Sul. Atualmente todos os países sul-americanos participam do Mercosul, seja como Estado Parte, seja como Estado Associado. A soma dos PIBs dos cinco Estados Parte – Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, admitida em 2012 -, na ordem de US$ 3 trilhões, corresponderam a 83% do PIB da América do Sul no ano de 2014. Além do fator do comércio intra-zona, cabe destacar a preocupação social e o compromisso que bloco mantém com o desenvolvimento socioeconômico, preocupações não muito usuais em acordos internacionais.
Conforme apresentado, são dois os obstáculos que impedem que o Mercosul avance no seu projeto de inserção internacional através da integração: a existência de uma união aduaneira imperfeita e certa vulnerabilidade de suas instituições, representada pela ausência de um poder supranacional capaz de cobrar dos Estados a internalização de suas decisões e resoluções. Cabe aos Estados membros a sensibilização sobre essas questões e a tomada de iniciativas que fomentem a continuidade deste projeto nas próximas décadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SARFATI, Gilberto. Teorias de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
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*GABRIELA BLASI DE ANDRADE é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 

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