terça-feira, 2 de agosto de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: A Notoriedade e Estrutura do Boko Haram


A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

A Notoriedade e Estrutura do Boko Haram

Matheus Henrique Souza*


Não é possível estabelecer um paralelo comparativo moral entre as ações do Boko Haram e as ações do ISIS pra determinar qual grupo terrorista comete as maiores atrocidades, porém é evidente que este recebe mais atenção do que aquele. Os extremistas islâmicos agem na região mais central da África (Nigéria, Camarões e Chade), ou seja, as vítimas da organização acabam buscando refúgio em países vizinhos e não em países Europeus, em função da distância geográfica. Diferente do Estado Islâmico, seus atentados ocorrem em países menos desenvolvidos, portanto, também sem receber a devida importância da mídia. 

Fundado em 2002 por Muhammed Yusuf, o grupo surge originalmente com forte cunho religioso e cresce com o passar dos anos para ser conhecido hoje como Boko Haram, apelido popular dado por autoridades locais para explicar o seu discurso. Traduzido do Hausa, a língua mais falada no norte da Nigéria, significa "a educação ocidental é pecaminosa”, e já era usado na região antes de ser adotado como indicativo para o grupo.

Suas ações já causaram o fechamento de 1.800 escolas, mais de 20.000 mortes, 2 mil mulheres sequestradas e 2 milhões de refugiados. Sua periculosidade se deve ao fato de não ser apenas um grupo extremista, mas por acreditar possuir o dever político de associar à Charia, o sistema jurídico relacionado à tradição religiosa do Islã, ao sistema político Nigeriano, que tem sua população dividida em cristãos (55% concentrados ao sul) e muçulmanos (45% concentrados ao norte). Ganha notoriedade em 2014, ao raptar 276 meninas em Chibok, gerando comoção por parte de grandes figuras de influência que lançam a tag #BringBackOurGirls. A maioria das garotas permanecem desaparecidas até hoje.




Após o grupo jurar lealdade ao ISIS, os países afetados pela facção iniciam processo de cooperação para lançar em 2015 uma ofensiva armada que causa a retração do grupo para regiões remotas ao norte. Embora seja possível afirmar que houve um aparente enfraquecimento, teve início um processo brutal de guerrilha, no qual pôde-se ver, por exemplo, mulheres e crianças enviadas para ataques suicidas. A dificuldade de combater os extremistas se deve muitas vezes à complexidade da sua estrutura descentralizada e amorfa.

Oferece-se uma recompensa no valor de US$ 7 milhões por informações que levem à captura do atual líder da organização: Abubakar Shekau. Apesar de legitimado como sucessor de Muhammed Yusuf (executado por tropas nigerianas em 2009), outros dois grandes líderes divergem da opinião ideológica de Shekau e agem clandestinamente: Mamman Nur e Khalid al-Barnawi. Existem evidências que a trindade tem agido em conjunto e cooperado com outros grupos como a Al-Qaeda. Seus membros se organizam dentro de uma hierarquia onde abaixo do líder se encontra o Conselho Consultivo (Shura) composto por 30 membros, que coordena a ação de células de suporte, incluindo desde simpatizantes à membros infiltrados no governo, sendo assim difícil calcular o número de integrantes. Operando de forma independente umas das outras e com pouca comunicação, as células são divididas em departamentos, como por exemplo: apoio as famílias de homens-bomba, publicidade, aquisição de fundos, entre outros.


Não é clara a origem do financiamento do Boko Haram. Especula-se que parte de seus lucros é obtido por atividades criminosas e por doações voluntárias de pessoas que acreditam na causa. A União Africana, organização que reúne os países do continente, tem buscado impedir ou minimizar a interferência da comunidade internacional na luta contra o Boko Haram, priorizando articulações entre países do continente. A entidade acredita que a intervenção de países desenvolvidos poderia causar favorecimentos desiguais, ao mesmo tempo que busca reconhecimento internacional. De acordo com levantamentos feitos no ano de 2015, pode-se atribuir um número maior de mortes ao Boko Haram do que ao ISIS, sem contar as inúmeras violações aos Direitos Humanos que tem acontecido na região.

Como é o caso com relação a diversos atentados ocorridos recentemente no Ocidente, o Boko Haram utiliza-se da religião para cometer atos de violência. Como é possível perceber em diversos locais ao redor do grupo, o extremismo religioso têm ganho força ao mesmo tempo em que coloca em posição desfavorável todos os seguidores destas mesmas religiões. É necessário, portanto, buscar entender que estes atos não representam as opiniões das pessoas que seguem as religiões, e sim de um grupo específico que utiliza-se da retórica religiosa para cometer violência.



* Matheus Henrique Souza é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional.

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