Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Por: * Daniel Gualberto da Silva
No mês de Agosto de 1945, o Japão sofreu dois ataques nucleares, os
primeiros da história, e viu a União Soviética declarar guerra a ele. Em 14
daquele mês, cinco dias depois da segunda bomba, o governo japonês declarou
rendição incondicional. Isso sinalizou o fim da Segunda Guerra Mundial e o
início da ocupação norte-americana do Japão.
O presidente estadunidense à época,
Harry Truman, delegou o general Douglas MacArthur para supervisionar a
ocupação, a qual tinha como objetivos principais uma ocidentalização do Japão e
a eliminação do poderio de guerra japonês. Através de auxílios monetários, de
adoção de práticas liberais, da quebra dos monopólios conhecidos como Zaibatsu e da venda dos latifúndios em porções menores de terra, os EUA
passaram a focar no crescimento e na estabilidade econômica. A educação também
sofreu reformas, adotando um modelo similar ao utilizado pelos
norte-americanos.
Nessa época foi, também, redigida
uma nova Constituição Japonesa que, como uma de suas mais marcantes
características, abdicava da guerra e proibia que fossem mantidas forças
armadas. Em décadas seguintes, driblou esse dispositivo através da Força de
Defesa Nacional, fundada como uma extensão da polícia. Todavia, a ideia de
evitar grandes investimentos no poderio militar ainda perdura, mesmo com
críticas de parte da população.
A ocupação acabou oficialmente em
1952 e as décadas seguintes, até a de 1990, presenciaram o “Milagre Econômico
Japonês”. Dentre as inúmeras decisões e características que tornaram esse
período possível, destacam-se a criação do Ministério do Comércio Internacional
e da Indústria, a diminuição da taxa de importação de tecnologias, o
ressurgimento de grandes conglomerados industriais e uma política governamental
de expressivos empréstimos para bancos comerciais. O inicial protecionismo e um
posterior foco em exportação foram outros fatores com importantes contribuições
ao desenvolvimento econômico da época.
O PIB japonês cresceu perto dos 10%
anualmente de 1956 até a crise do petróleo em 1973, quando passou a crescer em
uma média de 4% anuais; em 1968 a economia do Japão já era a segunda maior do
mundo.
O período de impressionante
crescimento econômico acaba no início da década de 1990, quando estoura a bolha
de ativos financeiros. Neste período, chamado inicialmente de Década Perdida,
mas, depois rebatizado de 20 Anos Perdidos, para incluir a década até 2010, o
PIB caiu quase 18% e o salário em torno de 5%.
Joseph Nye, a Interdependência Complexa e o Soft Power
Inserido no paradigma neoliberal, Joseph Nye desenvolve, acompanhado de
Robert Keohane, a teoria da Interdependência Complexa, tida como um dos meios
de evitar conflitos armados entre estados. Ela é vista como uma intensificação
da Interdependência Econômica, na qual há uma dependência mútua entre os atores
internacionais, comumente Estados. Esses atores se encontram em situações em
que suas decisões políticas e econômicas afetam mutuamente a todos os
envolvidos de determinado sistema. Ela pode trazer ganhos absolutos, ganhos
relativos ou perdas.
Na Interdependência Complexa há aumento do número de atores envolvidos,
com a inclusão de empresas transnacionais e OIs, do número de canais pelos
quais eles se relacionam e do número de temas sobre os quais discutem. Nela, a
força militar não é o instrumento de força dominante, sendo a manipulação
econômica e o uso de instituições internacionais tão importante quanto o
poderio bélico, se não mais.
Ainda sobre as formas
de poder no contexto da Interdependência Complexa, Nye conceitua o hard power e soft power. O primeiro diz respeito à capacidade econômica ou
militar de um país; são os métodos clássicos de coerção ou ameaça, podendo
recorrer ao uso da força ou de sanções. Já o segundo conceito, normalmente
traduzido ao português como “Poder de Convencimento”, refere-se à capacidade
atrativa de uma nação, seja através de sua cultura, ideais, instituições ou
educação. Como o próprio autor define, o soft
power é um “meio de fazer com que os outros queiram o que você quer” e
acredita Nye que ele seja uma opção melhor, no longo prazo, que o hard power, até porque tem capacidade de
mudar a opinião de uma nação, e não só cooptá-la a fazer algo contra a própria
vontade (tal qual faz o hard power).
Além disso, o Poder de Convencimento é mais barato que o hard power e não oferece muitos riscos ao Governo caso seja
rejeitado pelos seus alvos e pelos próprios governados do Estado que a usa. O smart power seria um equilíbrio entre
esses dois outros poderes, sendo o mais recomendado aos Estados-Nação.
Soft Power através da cultura japonesa
nas últimas décadas
Enquanto a economia japonesa pulsava e crescia em ritmo acelerado, com
inovações na linha produtiva, como o “just in time” e o maior envolvimento de
operários, livros sobre os modos de produção japoneses eram procurados por
empresários do todo o mundo. Buscava-se o método japonês e, não, uma ideologia
japonesa. Essa influência, no exterior, de conhecimento produtivo perdeu muito
de sua força com a chegada da década perdida. O Japão ainda exerce influência
técnica no mundo, sendo que, em 2005, era o país com o maior número de patentes
registradas e ocupava o terceiro lugar mundial de investimento em pesquisa e
desenvolvimento, comparativamente ao PIB. Isso mostra que a nação japonesa
ainda é referência em conhecimento técnico, mas não mais na mesma intensidade
com que foi na época de seu milagre econômico.
Por outro lado, durante o período de
recessão econômica, a influência da cultura popular japonesa no mundo cresceu
aceleradamente. A série de desenho animado “Pokémon”, por exemplo, é dublada em
mais de 30 línguas e transmitida para mais de 60 países; o filme “A Viagem de
Chihiro” ganhou o Oscar de melhor animação e o Urso de Ouro, no Festival de
Berlin, de melhor filme; as japonesas Sony e Nintendo contabilizam mais da
metade das vendas de consoles de jogos eletrônicos, mercado de entretenimento
que, em 2013, movimentou mais dinheiro que a indústria cinematográfica.
A influência cultural nipônica difere da norte-americana pois seus
produtos não refletem, na mesma intensidade, uma série de valores comuns (como
seriam a democracia, o capitalismo e heroísmo americanos nos produtos
estadunidenses). Há uma peculiaridade da produção cultural japonesa que é a boa
vontade para se moldar ao mercado que almeja. Um grande exemplo disso é a
personagem da Hello Kitty, que, quando criada, possuía um design diferente para
o mercado estadunidense e outro para o japonês. Além disso, hoje há entre 12 e
15 mil produtos licenciados da personagem e a indústria que se formou em torno
dela rende quase um bilhão de dólares anuais em venda.
Nesse sentido, visto que os produtos exportados ao mundo não são
representações completamente fieis da cultura nacional, pode-se afirmar que
existe um Japão para os japoneses e um Japão para o resto do mundo. E o
conhecimento da verdadeira vida nipônica é difícil de ser alcançando, por ter
sua língua pouco difundida e por ser ela muito difícil de aprender para boa
parte, se não para o todo, do mundo ocidental. Mesmo com essas características
citadas, é importante ressaltar que os produtos culturais nipônicos não são
completamente artificiais ou superficiais; eles representam, sim, valores e
visões de mundo próprias dos nacionais de lá, apenas de uma maneira menos óbvia
e mais flexível que a americana.
No final de 2004, o primeiro
ministro japonês, Junichiro Koizumi, instituiu o Conselho de Promoção de
Diplomacia Cultural. No ano seguinte à sua criação, o conselho recomendou que o
Japão fizesse proveito do interesse internacional na língua japonesa e na
cultura pop para fazer crescer o interesse em outros aspectos da cultura
japonesa.
(Aqui é importante dizer que há quem
acredita que o governo japonês tem interesse no soft power por não poder ter um exército oficial. Esse pensamento
faz sentido, mas não explica a demora dos governantes em tentar investir no
Poder de Convencimento.)
Entretanto, essa influência cultural
que possui não se traduz completamente em soft
power por alguns motivos históricos e sociais. Na Ásia, por exemplo, existe
uma visão dual do Japão: ele é admirado, por um lado, pela sua indústria do
entretenimento, mas, por outro, ainda é muito mal visto por não reconhecer
atrocidades históricas cometidas antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Além disso, a apreciação da cultura
em massa japonesa deveria servir para atrair talento estrangeiro para as
universidades, empresas e laboratórios. Todavia, em uma pesquisa de opinião
realizada pela Ásia no final da década de 1990, descobriu-se que consumidores
de produtos japoneses e admiradores da cultura nipônica não apresentavam muito
interesse em estudar ou trabalhar no Japão, menos ainda em se mudar
definitivamente para lá. A sociedade japonesa também não é muito receptiva a
imigrantes.
Quando Joseph Nye começou a escrever
sobre soft power, ele acreditava que
o desinteresse japonês pela cultura e pensamento estrangeiros era o que o
impedia de tirar proveito do soft power
que seu progresso econômico proporcionava. Hoje se vê que o governo tem
ambições de utilizar a cultura na diplomacia, mas é impedido de alcançar
plenamente seus objetivos por outros obstáculos.
REFERÊNCIAS
BELFER CENTER FOR SCIENCE AND
INTERNATIONAL AFFAIRS. Soft power matters in asia. Disponível em:
<http://belfercenter.hks.harvard.edu/publication/1486/soft_power_matters_in_asia.html>Acesso
em: 08 jun. 2016.
E-INTERNATIONAL RELATIONS
STUDENTS. Joseph Nye on soft
power. Disponível em:
<http://www.e-ir.info/2013/03/08/joseph-nye-on-soft-power/>. Acesso em:
08 jun. 2016.
FOREIGN POLICY. Japan’s gross national cool. Disponível em:
<http://foreignpolicy.com/2009/11/11/japans-gross-national-cool/>. Acesso
em: 08 jun. 2016.
QUORA. Who makes more money: Hollywood or
the video game industry?. Disponível
em:
<https://www.quora.com/who-makes-more-money-hollywood-or-the-video-game-industry>.
Acesso em: 08 jun. 2016.
*Daniel Gualberto da Silva é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba).
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