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terça-feira, 12 de julho de 2016

Seção Relações Internacionais em Destaque: CULTURA E SOFT POWER NO JAPÃO: Perspectivas de um império da cultura popular e do entretenimento

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.




Por: * Daniel Gualberto da Silva


No mês de Agosto de 1945, o Japão sofreu dois ataques nucleares, os primeiros da história, e viu a União Soviética declarar guerra a ele. Em 14 daquele mês, cinco dias depois da segunda bomba, o governo japonês declarou rendição incondicional. Isso sinalizou o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da ocupação norte-americana do Japão.
            O presidente estadunidense à época, Harry Truman, delegou o general Douglas MacArthur para supervisionar a ocupação, a qual tinha como objetivos principais uma ocidentalização do Japão e a eliminação do poderio de guerra japonês. Através de auxílios monetários, de adoção de práticas liberais, da quebra dos monopólios conhecidos como Zaibatsu e da venda dos latifúndios em porções menores de terra, os EUA passaram a focar no crescimento e na estabilidade econômica. A educação também sofreu reformas, adotando um modelo similar ao utilizado pelos norte-americanos.
            Nessa época foi, também, redigida uma nova Constituição Japonesa que, como uma de suas mais marcantes características, abdicava da guerra e proibia que fossem mantidas forças armadas. Em décadas seguintes, driblou esse dispositivo através da Força de Defesa Nacional, fundada como uma extensão da polícia. Todavia, a ideia de evitar grandes investimentos no poderio militar ainda perdura, mesmo com críticas de parte da população.
            A ocupação acabou oficialmente em 1952 e as décadas seguintes, até a de 1990, presenciaram o “Milagre Econômico Japonês”. Dentre as inúmeras decisões e características que tornaram esse período possível, destacam-se a criação do Ministério do Comércio Internacional e da Indústria, a diminuição da taxa de importação de tecnologias, o ressurgimento de grandes conglomerados industriais e uma política governamental de expressivos empréstimos para bancos comerciais. O inicial protecionismo e um posterior foco em exportação foram outros fatores com importantes contribuições ao desenvolvimento econômico da época.
            O PIB japonês cresceu perto dos 10% anualmente de 1956 até a crise do petróleo em 1973, quando passou a crescer em uma média de 4% anuais; em 1968 a economia do Japão já era a segunda maior do mundo.
            O período de impressionante crescimento econômico acaba no início da década de 1990, quando estoura a bolha de ativos financeiros. Neste período, chamado inicialmente de Década Perdida, mas, depois rebatizado de 20 Anos Perdidos, para incluir a década até 2010, o PIB caiu quase 18% e o salário em torno de 5%.


Joseph Nye, a Interdependência Complexa e o Soft Power

Inserido no paradigma neoliberal, Joseph Nye desenvolve, acompanhado de Robert Keohane, a teoria da Interdependência Complexa, tida como um dos meios de evitar conflitos armados entre estados. Ela é vista como uma intensificação da Interdependência Econômica, na qual há uma dependência mútua entre os atores internacionais, comumente Estados. Esses atores se encontram em situações em que suas decisões políticas e econômicas afetam mutuamente a todos os envolvidos de determinado sistema. Ela pode trazer ganhos absolutos, ganhos relativos ou perdas.
Na Interdependência Complexa há aumento do número de atores envolvidos, com a inclusão de empresas transnacionais e OIs, do número de canais pelos quais eles se relacionam e do número de temas sobre os quais discutem. Nela, a força militar não é o instrumento de força dominante, sendo a manipulação econômica e o uso de instituições internacionais tão importante quanto o poderio bélico, se não mais.
            Ainda sobre as formas de poder no contexto da Interdependência Complexa, Nye conceitua o hard power e soft power. O primeiro diz respeito à capacidade econômica ou militar de um país; são os métodos clássicos de coerção ou ameaça, podendo recorrer ao uso da força ou de sanções. Já o segundo conceito, normalmente traduzido ao português como “Poder de Convencimento”, refere-se à capacidade atrativa de uma nação, seja através de sua cultura, ideais, instituições ou educação. Como o próprio autor define, o soft power é um “meio de fazer com que os outros queiram o que você quer” e acredita Nye que ele seja uma opção melhor, no longo prazo, que o hard power, até porque tem capacidade de mudar a opinião de uma nação, e não só cooptá-la a fazer algo contra a própria vontade (tal qual faz o hard power). Além disso, o Poder de Convencimento é mais barato que o hard power e não oferece muitos riscos ao Governo caso seja rejeitado pelos seus alvos e pelos próprios governados do Estado que a usa. O smart power seria um equilíbrio entre esses dois outros poderes, sendo o mais recomendado aos Estados-Nação.

Soft Power através da cultura japonesa nas últimas décadas
            Enquanto a economia japonesa pulsava e crescia em ritmo acelerado, com inovações na linha produtiva, como o “just in time” e o maior envolvimento de operários, livros sobre os modos de produção japoneses eram procurados por empresários do todo o mundo. Buscava-se o método japonês e, não, uma ideologia japonesa. Essa influência, no exterior, de conhecimento produtivo perdeu muito de sua força com a chegada da década perdida. O Japão ainda exerce influência técnica no mundo, sendo que, em 2005, era o país com o maior número de patentes registradas e ocupava o terceiro lugar mundial de investimento em pesquisa e desenvolvimento, comparativamente ao PIB. Isso mostra que a nação japonesa ainda é referência em conhecimento técnico, mas não mais na mesma intensidade com que foi na época de seu milagre econômico.
            Por outro lado, durante o período de recessão econômica, a influência da cultura popular japonesa no mundo cresceu aceleradamente. A série de desenho animado “Pokémon”, por exemplo, é dublada em mais de 30 línguas e transmitida para mais de 60 países; o filme “A Viagem de Chihiro” ganhou o Oscar de melhor animação e o Urso de Ouro, no Festival de Berlin, de melhor filme; as japonesas Sony e Nintendo contabilizam mais da metade das vendas de consoles de jogos eletrônicos, mercado de entretenimento que, em 2013, movimentou mais dinheiro que a indústria cinematográfica.
A influência cultural nipônica difere da norte-americana pois seus produtos não refletem, na mesma intensidade, uma série de valores comuns (como seriam a democracia, o capitalismo e heroísmo americanos nos produtos estadunidenses). Há uma peculiaridade da produção cultural japonesa que é a boa vontade para se moldar ao mercado que almeja. Um grande exemplo disso é a personagem da Hello Kitty, que, quando criada, possuía um design diferente para o mercado estadunidense e outro para o japonês. Além disso, hoje há entre 12 e 15 mil produtos licenciados da personagem e a indústria que se formou em torno dela rende quase um bilhão de dólares anuais em venda.
Nesse sentido, visto que os produtos exportados ao mundo não são representações completamente fieis da cultura nacional, pode-se afirmar que existe um Japão para os japoneses e um Japão para o resto do mundo. E o conhecimento da verdadeira vida nipônica é difícil de ser alcançando, por ter sua língua pouco difundida e por ser ela muito difícil de aprender para boa parte, se não para o todo, do mundo ocidental. Mesmo com essas características citadas, é importante ressaltar que os produtos culturais nipônicos não são completamente artificiais ou superficiais; eles representam, sim, valores e visões de mundo próprias dos nacionais de lá, apenas de uma maneira menos óbvia e mais flexível que a americana.
            No final de 2004, o primeiro ministro japonês, Junichiro Koizumi, instituiu o Conselho de Promoção de Diplomacia Cultural. No ano seguinte à sua criação, o conselho recomendou que o Japão fizesse proveito do interesse internacional na língua japonesa e na cultura pop para fazer crescer o interesse em outros aspectos da cultura japonesa.
            (Aqui é importante dizer que há quem acredita que o governo japonês tem interesse no soft power por não poder ter um exército oficial. Esse pensamento faz sentido, mas não explica a demora dos governantes em tentar investir no Poder de Convencimento.)
            Entretanto, essa influência cultural que possui não se traduz completamente em soft power por alguns motivos históricos e sociais. Na Ásia, por exemplo, existe uma visão dual do Japão: ele é admirado, por um lado, pela sua indústria do entretenimento, mas, por outro, ainda é muito mal visto por não reconhecer atrocidades históricas cometidas antes e durante a Segunda Guerra Mundial. 
            Além disso, a apreciação da cultura em massa japonesa deveria servir para atrair talento estrangeiro para as universidades, empresas e laboratórios. Todavia, em uma pesquisa de opinião realizada pela Ásia no final da década de 1990, descobriu-se que consumidores de produtos japoneses e admiradores da cultura nipônica não apresentavam muito interesse em estudar ou trabalhar no Japão, menos ainda em se mudar definitivamente para lá. A sociedade japonesa também não é muito receptiva a imigrantes.
            Quando Joseph Nye começou a escrever sobre soft power, ele acreditava que o desinteresse japonês pela cultura e pensamento estrangeiros era o que o impedia de tirar proveito do soft power que seu progresso econômico proporcionava. Hoje se vê que o governo tem ambições de utilizar a cultura na diplomacia, mas é impedido de alcançar plenamente seus objetivos por outros obstáculos.

REFERÊNCIAS
BELFER CENTER FOR SCIENCE AND INTERNATIONAL AFFAIRS. Soft power matters in asia. Disponível em: <http://belfercenter.hks.harvard.edu/publication/1486/soft_power_matters_in_asia.html>Acesso em: 08 jun. 2016.        
E-INTERNATIONAL RELATIONS STUDENTS. Joseph Nye on soft power. Disponível em: <http://www.e-ir.info/2013/03/08/joseph-nye-on-soft-power/>. Acesso em: 08 jun. 2016.
FOREIGN POLICY. Japan’s gross national cool. Disponível em: <http://foreignpolicy.com/2009/11/11/japans-gross-national-cool/>. Acesso em: 08 jun. 2016.
QUORA. Who makes more money: Hollywood or the video game industry?. Disponível em: <https://www.quora.com/who-makes-more-money-hollywood-or-the-video-game-industry>. Acesso em: 08 jun. 2016.


*Daniel Gualberto da Silva é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba).

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