Michele Hastreiter e Gustavo Glodes Blum
Professores do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA e membros da equipe organizadora do Orange Day na Instituição.
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 1945, na cidade de São Francisco, na Califórnia, onde foi assinado o seu tratado fundador (a Carta de São Francisco, ou Carta da ONU). Originalmente com 51 Estados Membros, passou a abarcar de forma crescente e progressiva quase todos os Estados independentes do mundo, com propósitos como a promoção da paz e dos direitos humanos internacionalmente[1]. Desde o seu inídio, destaca-se a promoção dos direitos das mulheres como um de seus objetivos específicos. O Preâmbulo da Carta, inclusive, afirma que a união das nações do mundo ao redor desta organização se daria em prol de
“preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla” (grifo nosso)
Nota-se, portanto, que desde sua fundação a ONU tem como um de seus objetivos e finalidades a promoção da igualdade de gênero. Diversas atividades relacionadas ao tema já foram realizadas pela organização – desde pesquisas voltadas à compreensão da extensão da desigualdade de gênero ao redor do mundo, até ações desenvolvidas pela organização, em parceria com governos, ONGs e empresas visando mitigar o problema. É bem verdade, porém, que apenas recentemente o tema tem ganhado mais destaque na Agenda da Organização.
Em julho de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou a ONU Mulheres, uma entidade especializada na luta pela igualdade de gênero e pelo empoderamento feminino, com o objetivo de acelerar os objetivos da Organização nesta área. Na época da sua fundação, a ONU Mulheres teve como sua Diretora Executiva a Presidente do Chile, Michelle Bachelet, buscando abrir espaços para demonstrar o poder das mulheres na política internacional.
Na sequência, em julho de 2012, Ban Ki-Moon, o Secretário-Geral das Nações Unidas, em meio à campanha “UNA-se pelo fim da violência contra a mulher”, proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja. Seguindo a lógica de atribuir-se uma cor a um movimento político ou social, em todo o mundo, as agências das Nações Unidas utilizam esses Dias Laranjas para dar maior visibilidade a ações de prevenção e eliminação da violência contra a mulher. A campanha ganhou uma importância ainda maior com a adoção, em setembro de 2015, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a serem alcançados pelos países da ONU até 2030. Dentre os 17 objetivos gerais e as 169 metas, a agenda reconhece a importância de se promover uma maior igualdade de gênero. Trata-se, precisamente, do ODS de número cinco, que é “atingir a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.
Nota-se, portanto, que a eliminação da violência contra as mulheres e a promoção da igualdade de gênero são objetivos prioritários da ONU desde sua fundação – e fazem parte do centro das preocupações da Organização na atualidade. Porém, apesar dos mais de 70 anos que nos separam da criação das Nações Unidas, há ainda muito o que avançar nesta temática. Alguns dados disponibilizados pela própria ONU são bastante alarmantes: estima-se que 35% das mulheres ao redor do mundo sejam vítimas de violência física ou sexual em algum momento de suas vidas – sendo que em alguns países este número pode chegar a 70%. Cerca de metade das mulheres vítimas de homicídio foram mortas por seus parceiros ou por membros da sua família (enquanto apenas 6% dos homens são mortos nesta situação). Ao redor do mundo, mais de 250 milhões de mulheres se casaram quando ainda eram crianças (com menos de 15 anos). 200 milhões de mulheres no mundo, em trinta diferentes países, passaram por mutilação genital. Mulheres e meninas representam 70% das vítimas do tráfico internacional de pessoas no mundo.
A violência contra a mulher também se manifesta de maneiras mais sutis, desde os abusos psicológicos até a discriminação de gênero pela imposição de padrões de comportamento e na desigualdade no mercado de trabalho. Neste sentido, os números também são expressivos: 43% das mulheres na União Europeia já sofreram alguma forma de violência psicológica e 01 em cada 10 mulheres no continente europeu também já sofreram alguma forma de assédio online. De acordo com o Relatório Global de Desigualdade de Gênero (Global Gender Gap Report) de 2015, as mulheres recebem hoje, em média, o que os homens recebiam há dez anos. As diferenças de pagamento entre homens e mulheres pelo mesmo trabalho diminuem em uma velocidade tão baixa que, estima-se, levará mais 118 anos até que mulheres recebam salários iguais aos dos homens para o mesmo cargo e funções.
No Brasil, dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo a maioria desses crimes (33,2%) cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Além disto, segundo pesquisa do DataSenado, uma em cada cinco mulheres no Brasil já foi espancada pelo marido, namorado, companheiro ou ex. Em um estudo realizado em 2013, o IPEA estimou que existem 527 mil tentativas ou casos de estupro por ano no Brasil (dos quais apenas 10% é reportado à polícia).
A Campanha do Orange Day visa promover uma maior consciência sobre este tema e debate-lo, com vistas a promover ações que levem à eliminação da violência contra mulheres e meninas.
É de se destacar que a violência contra a mulher é também é alarmante nas Instituições de Ensino Superior. Em dezembro de 2015, o Instituto Avon, em pesquisa realizada em parceria com o Data Popular ouviu 1823 universitários de todo o país. Nela, verificou-se que 42% das mulheres sentem medo de sofrer algum tipo de violência no ambiente universitário, sendo que 36% já inclusive deixaram de fazer alguma atividade pelo medo da violência.
Espontaneamente, apenas 10% das mulheres relatam ter sofrido violência de um homem na universidade ou em festas acadêmicas, mas quando estimuladas com uma lista de exemplos de situações violentas, 67% reconhecem que foram submetidas a muitas delas. Estas situações podem ser violência física, estupro, tentativa de abuso quando sob efeito do álcool, ser tocada sem permissão, ser forçada a beijar veterano, comentários com apelos sexuais indesejados, cantadas ofensivas, abordagem agressiva, ingestão forçada de bebida alcoólica ou drogas, ser drogada sem conhecimento, desqualificação por ser mulher, piadas ofensivas por ser mulher, humilhação por professores e alunos, ofensa, ser xingada por rejeitar investida, músicas ofensivas cantadas por torcidas acadêmicas, imagens íntimas repassadas sem autorização, ser forçada a participar de atividades degradantes – como leilões e desfiles – e ser alvo de rankings – de beleza ou sexuais – sem autorização.
Entre os estudantes do sexo masculino ouvidos, apenas 2% admitem espontaneamente ter cometido algum ato de violência contra uma mulher na universidade ou em festas acadêmicas, mas quando apresentados à mesma lista, este número sobe para 38%.
O estudo indicou, também, que algumas das práticas violentas não são reconhecidas como tal pelos homens (27% não considera violência abusar de uma garota alcoolizada; 35% não considera violência coagir uma mulher a participar de atividades degradantes como desfiles e leilões; 31% não consideram como violência repassar fotos ou vídeos das colegas sem autorização). Estes dados evidenciam que debater o assunto no ambiente universitário é de extrema importância para aumentar a consciência de homens e mulheres acerca do problema.
A UNICURITIBA aderiu à campanha da ONU e proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja também no Centro Universitário. Nestas datas haverão uma série de atividades visando discutir o tema – começando pelo concurso da frase a estampar a campanha. Você pode se inscrever para participar em: www.unicuritiba.edu.br/orangeday.
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[1] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito Internacional Público. 9ª ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015.
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