domingo, 3 de junho de 2012

Primeira Guerra Mundial Africana: uma apreciação histórica




Gisele Passaúra

A República Democrática do Congo está localizada na parte central da África Subsaariana. Possui grandes riquezas naturais especialmente em jazidas de minérios tais como: cobre, ouro, estanho, assim como uma vasta área para a exploração de diamantes. Paradoxalmente, esse país rico em recursos esteve imerso em uma das mais sangrentas guerras civis da história moderna.

Os conflitos iniciaram-se em 1996 ocasionando em massiva destruição das atividades político-econômicas e sociais do país. Após o primeiro estágio, o país foi palco do que se conhece como a Primeira Guerra Mundial Africana. O novo estágio se intensificou pela quantidade de atores envolvidos: sendo tanto grupos internos congoleses quanto praticamente todos os seus países vizinhos.

Em dois de Agosto de 1998, apenas catorze meses após o final da Guerra iniciada pela coalizão anti-Mobutu (primeira guerra civil congolesa), emerge, então, um novo movimento armado anunciando o começo de uma possível continuidade da “Guerra pela libertação”. Entretanto, dessa vez, a rebelião era contra o regime de Laurent Désiré Kabila. O conflito teve início pelas diferenças entre os membros fundadores da Alliance des Forces Démocratiques pour la Libération du Congo (ADFL), aliança essa responsável por colocar Kabila no poder em 1997 após a derrubada de Mobutu.

Kabila não conseguiu se desvencilhar dos compromissos assumidos na primeira Guerra com Uganda e Ruanda, concomitantemente esses países não estavam dispostos a deixar a “mina de ouro” congolesa lhes escapar às mãos. O que se viu, então, foi uma repetição da “fórmula mágica” que surtira efeito no primeiro conflito: pedir ajuda aos outros países e formar coalizões. Como resultado, o que se presenciou foi vários grupos tentando defender seus interesses. A segunda Guerra Congolesa foi desenhada por um emaranhado de distintos atores que incluem:
ü  O governo Congolês versus diversos grupos rebeldes;
ü  O governo Ruandês versus o governo congolês;
ü  O governo Ruandês versus insurgentes ruandeses;
ü  O governo Ugandês versus rebeldes apoiados pelo Sudão;
ü  O governo Sudanês versus rebeldes sudaneses apoiados por Uganda;
ü  O governo Ugandês versus o governo Congolês;
ü  Os governos de Uganda e Ruanda versus os governos de Zimbábue e Angola;
ü  Rebeldes congoleses apoiados por Ruanda versus rebeldes congoleses apoiados por Uganda;
ü  O governo Ugandês versus o governo Ruandês;
ü  O governo Burundi versus facções rebeldes de Burundi;
ü  O governo Angolano versus UNITA e qualquer um que apoiasse UNITA
ü  O governo Sudanês versus o governo Ugandês.

Após quase um ano de conflitos, em julho de 1999, líderes de Uganda, Ruanda, Congo, Zimbábue, Namíbia e Angola assinaram um acordo de paz em Lusaka, Zâmbia. A retirada das tropas estrangeiras do território congolês era uma dos pontos principais. O acordo também chamou para as negociações os principais grupos armados participantes no conflito.

Em janeiro de 2001, entretanto, o presidente Kabila foi assassinado, e seu filho (Joseph Kabila) foi nomeado presidente. Em 2002, após várias rodadas de negociações as partes concordaram com a instauração de um governo transitório encabeçado pelo presidente Kabila e quatro vice-presidentes. Em 2003, os vice-presidentes foram empossados.

Depois de ser nomeado chefe do governo transitório Joseph Kabila foi declarado presidente para um mandato de cinco anos, podendo servir a um segundo, caso eleito. Em 2006, após conturbado processo de votação, Kabila foi reeleito, não podendo assumir uma terceira vez conforme a constituição congolesa.

Em 2011, entretanto, Kabila realizou modificações na constituição para que o presidente pudesse concorrer a um terceiro mandato. Não apenas isso, como nomeou um aliado público Pastor Daniel Mulunda Ngoy, como chefe da comissão eleitoral.
Em um processo conturbado e com denúncias de corrupção e fraude, Kabila foi declarado vencedor das eleições de Novembro de 2011, fomentando diversos protestos e escalando a violência na República Democrática do Congo, especialmente nas províncias de North Kivu, South Kivu e Orientale.

Depois dos acordos de paz e os processos eleitorais, ocorrem tensões e lutas entre forças leais a Kabila e diversos grupos armados tais como: ADF, Mai Mai, FDLR e LRA. O leste e o norte do país continuam voláteis e alvos de contínuos ataques a civis, especialmente violências sexuais contra mulheres e meninas. Aproximadamente 1,7 milhões de pessoas foram retiradas de suas casas e cerca de 476.000 estão refugiados nos países vizinhos. Ainda estão atuantes no país antigos grupos armados tais como: FDLR, ADF e LRA. Essas organizações também são responsáveis por vários ataques a civis.

Outro mecanismo que perpetuou e até mesmo legitimou os diferentes tipos de violência foi que um dos itens dos acordos de paz previa que membros dos antigos grupos armados fossem incorporados na criação de um exército único congolês. Ou seja, não apenas esses grupos mantiveram suas metas como agora possuem meios legítimos para os fazerem. Não é ao acaso que há grandes denúncias de que o exército promova ataques à população.

Em síntese, a situação atual da República Democrática do Congo ainda apresenta-se delicada por um conglomerado de motivos tais como corrupção, fraude eleitoral, mas também por grupos armados, especialmente os de origem ruandesa, ugandesa e sudanesa ainda estarem atuantes e impondo o terror à população em território congolês.

Gisele Passaura é acadêmica do 8º semestre do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.


REFERÊNCIAS

CONGO AT WAR. A Briefing on the internal and external players in the Central African conflict. International Crisis Group Report n°2, Nov. 1998, p. 1.
DAGNE, T. The Democratic Republic of Congo: background and current developments, Report for American Congress, 2011.
PRENDERGAST, J; SMOCK, J. Putting humpty dumpty together: reconstructing peace in Congo. Special report from United Institute of Peace. 1999.
VEHNAMAKI, M. Diamonds and warlords: the geography of war in the democratic republic of Congo and Sierra Leone. Nordic Journal of African Studies.
WEINSTEIN, J. M. Africa’s scramble for africa. World policy journal. 2000.
The agreement on a cease-fire in the Democratic Republic of Congo. International Crisis Group Democratic Republic of Congo Report N° 5, 1999.


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