A seção "Refletindo sobre a Economia" traz textos desenvolvidos pelos alunos na disciplina de Economia Brasileira, sob a orientação da professora Patricia Tendolini Oliveira. A seção busca debater diversos aspectos relacionados à economia e sua importância no mundo atual. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
Os BRICS e o Impulso à Cooperação Econômica
Otávio Bomfim*
As crises nos sistemas de cooperação
econômica global não são tão recentes. As contradições entre os interesses da
minoria de grandes potências e a maioria de nações mais “fracas” vêm se
concretizando em obstáculos à globalização econômica há décadas. Não obstante,
a pressão exercida pelos poderes relativos dos países centrais sobre os
periféricos, seja diretamente ou por meio de instituições internacionais (como
o FMI), acabou por garantir o desenrolar de um processo globalizatório
prepóstero, inadequado e desigual. A Terceira Revolução Industrial acompanhou o
processo supracitado, estendendo ainda mais o gap tecnológico entre os países desenvolvidos e os
subdesenvolvidos, tendo este um caráter ainda mais intransponível. Nesse
âmbito, os múltiplos desafios impostos ao processo de integração econômica
global, como o Brexit e a retirada dos EUA da Parceria Transpacífico, abrem
espaço para tentativas de inserção de players
regionais no protagonismo desse processo.
Evidente
o papel importantíssimo das instituições internacionais na manutenção da
hierarquia no sistema internacional, é óbvia a necessidade da criação de
instituições cooperativas entre os BRICS, como uma agência de classificação de
risco de crédito, uma agência de energia e o Novo Banco de Desenvolvimento
(NBD), que os tornem independentes da influência massiva de atores mais
poderosos. Nesse sentido, a Rússia demonstra grande interesse num aumento dos
investimentos mútuos dentro do grupo, enquanto a China defende a participação
de novos países que sejam associados às nações dos BRICS, como integrantes do
Mercosul. A vontade de expansão expressa pelos dois membros mais economicamente
imponentes do grupo é, de forma indubitável, um sinal de que essa cooperação
tende a crescer e a se diversificar. Em detrimento da benevolência entre países
parceiros, a associação em questão se dá por interesses nacionais próprios,
como a necessidade dos russos em manter a exportação de gás e óleo
(frequentemente dificultada por sanções ocidentais), esta apoiada financeiramente
por corporações indianas e chinesas.
Embora
o PIB de alguns países dos BRICS tenha crescido menos ou até, no caso do
Brasil, por exemplo, tenha diminuído, a relevância do grupo continua elevada. O
NBD possibilita a criação e o incentivo de projetos de desenvolvimento de forma
independente ou complementar às indicações do FMI. A própria discussão sobre a
criação do Novo Banco de Desenvolvimento originou-se da resistência à reformas
do FMI, este, assim como as grandes potências econômicas, completamente
deslocado da realidade dos países emergentes. Os BRICS, então, deixaram a
retórica de lado para colocar em prática um processo de integração
horizontalizado, de crescimento e de cooperação, negado pelo FMI.
Bartleby,
personagem do conto de Herman Melville, sempre que recebia alguma ordem em seu
trabalho, respondia: “Eu preferiria não fazer”. Não enfrentava diretamente seu
superior, pois sabia da ineficácia desse tipo de ação, mas também não se
rendia. Os BRICS, paralelamente, tomam atitudes e assumem discursos retóricos
similares ao de Bartleby. Não confrontam as potências, apenas tentam livrar-se
de sua órbita de influência, sem que isso impeça uma cooperação entre o grupo e
os países desenvolvidos. Não se trata, portanto, de um movimento de resistência
per se, mas de um movimento de quebra
com a lógica do alinhamento automático preeminente na Guerra Fria.
O
novo paradigma proposto, mesmo que indiretamente, pelos BRICS não se constitui
em bases maniqueístas, mas sim de um desenvolvimento multilateralizado,
multipolarizado e flexível. Diferentemente dos Tigres Asiáticos (denominados
dessa maneira os países asiáticos que investiram na educação de produtividade e
basearam seu crescimento econômico e industrial na exportação de produtos), o
Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul buscam o desenvolvimento
completo de suas economias e sociedades, entrando no mercado global como
competidores, não como subordinados ao capital transnacional.
A
quebra com as relações de extrema dependência entre os países emergentes e as
potências, baseadas em uma espécie de Síndrome de Estocolmo econômica,
mostra-se como uma alternativa após as diversas crises do fim do século XX ,
estas causadas pela total subordinação do desenvolvimento econômico dos países
subdesenvolvidos à liquidez internacional, fato que promovia a instabilidade
frente à modificações no cenário global.
Na
segunda década do século XXI, as contradições das “potências emergentes”
começam a se evidenciar. Os EUA, apesar de não possuírem mais o status de
hegemonia política, econômica e militar, ainda representam uma nação
indispensável no sistema internacional. Nesse sentido, seu poder de barganha
continua a colocar em xeque as tentativas de liderança institucionais dos
BRICS, principalmente da China e da Rússia. Ademais, apesar de insuficiente, o
apoio europeu continua sendo de grande importância para os EUA e,
paralelamente, para as nações emergentes. Embora o poder relativo europeu tenha
sofrido golpes consecutivos de crises econômicas e políticas, a relevância do
continente continua colossal. Finalmente, o crescimento implacável da economia
chinesa constitui-se como um monstro lovecraftiano aterrorizante às nações
vizinhas, que, ironicamente, buscarão apoio estadunidense para resistir à
aniquilação de suas independências econômicas.
As
dificuldades de subversão do sistema internacional pelas economias emergentes
não se restringem à realpolitik bilateral
ou multilateral. A participação mais significativa em instituições formais já
estabelecidas, como o Conselho de
Segurança da ONU, dependeria exponencialmente do apoio estadunidense. As
instituições atualmente estabelecidas para o controle dos poderes estatais
buscam a estabilidade que, invariavelmente, beneficia o status quo. Nesse
sentido, criam-se as Sociedades Permissivas de Zizek, que recebem permissões de
seus superiores, mas não conquistam seus direitos e sua posição de comando.
Além disso, alguns dos BRICS têm, recentemente, experimentado crises econômicas
e instabilidades políticas fortíssimas, derivadas de fraquezas institucionais.
Embora
obstáculos se apresentem, o desenrolar da formação e do recrudescimento dos
BRICS é recheado de expectativas. Para além do NBD, progressos como a criação
do Arranjo de Contingente de Reservas, uma espécie de fundo para socorrer
membros dos BRICS com balanças de pagamentos extremamente desequilibradas ou à
beira do calote, a abertura de canais de diálogo entre os membros para uma
maior coordenação entre as suas ações e a cooperação em áreas diversificadas (educação,
infraestrutura etc), sinalizam a capacidade e a viabilidade do sucesso do
bloco. Em contrapartida, o crescimento econômico constante é necessário para a
eficácia ao ocupar posições de maior relevância no cenário internacional, e
essa parece ser a maior dificuldade para membros como o Brasil e a Rússia.
Invariavelmente, a integração e a cooperação econômica regionais apresentam-se
como soluções plausíveis para momentos de crise da globalização, e a tendência
é de que parcerias desenvolvimentistas comecem a surgir expansivamente.
Referências:
http://foreignpolicy.com/2016/07/06/brics-brazil-india-russia-china-south-africa-economics-recession/
http://tass.com/sp/947361
Melville,
Herman. Bartleby, O Escrevente. São Paulo: Autêntica. 2015.
Stuenkel, Oliver. Os
BRICS e o Futuro da Ordem Global. São
Paulo: Paz e Terra, 2017.
Zizek, Slavoj. Primeiro
Como Tragédia, Depois Como Farsa. São Paulo: Boitempo, 2011.
Figura: Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150706_avancos_brics_ru>. Acesso em: jun. 2017
Figura: Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150706_avancos_brics_ru>. Acesso em: jun. 2017
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