segunda-feira, 20 de junho de 2016

A formação do Mercosul e a sua efetividade no processo de integração da América Latina

Artigo realizado na disciplina de Instituições Internacionais, sob orientação da Profa Dra Janiffer Zarpelon, do Curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.



* Otávio Henrique Simiano do Bomfim


O conceito de integração regional fechada, em suas vísceras, se opõe ao paradigma estabelecido pelo modelo liberal internacional do século XX, assim como vai de encontro às recomendações e às características do GATT (ou OMC, nos dias atuais), por estabelecer vantagens destinadas à determinados países no comércio internacional, de acordo com o princípio da não-discriminação. Porém, após a formação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e da Comunidade Econômica Europeia, pilares do surgimento da União Europeia, a tendência à formação de unidades regionalistas se incrementou, com o posterior surgimento da NAFTA, por exemplo.
No âmago das integrações se encontram os Estados, que visam conciliar os seus interesses para a manutenção de um sistema que conceda vantagens a todos os participantes frente à austeridade de outros países, regiões ou blocos. Este é o novo paradigma do comércio e da política internacional: a convivência da globalização com a regionalização.
As contradições contemporâneas vivenciadas pela União Europeia decorrem da incompatibilidade de uma organização baseada nos interesses estatais em detrimento das necessidades dos indivíduos. O caso mais recente é o da Grécia, que se encontra em uma crise absoluta, tanto política quanto econômica, enquanto o bloco integrado tenta decidir o destino de um país que deveria ser soberano, demonstrando a desproporção entre as potências europeias e os países subdesenvolvidos da região.
O desenvolvimento industrial e comercial da América Latina foi marcado, durante toda a sua história, por tentativas de criação de um método próprio à região de estruturação industrial e comercial, idealizando a saída do subdesenvolvimento. Nesse sentido, desenvolveu-se um intelectualismo que defendia o regionalismo aberto, que era considerado um estágio intermediário, um multilateralismo que levaria à futura abertura total do mercado. Esse pensamento, promovido pela Cepal, é visto com desconfiança por alguns teóricos, como Celso Furtado, que observam o subdesenvolvimento não como um estágio comum a todos os países, que precede o desenvolvimento, mas sim como uma condição histórica exclusiva às economias periféricas, que são inseridas no sistema com a lógica de permanecerem nessa posição.
A integração da América Latina, uma vontade histórica na região, se popularizou, primeiramente, com o movimento integracionista de Simon Bolívar que, entre vários outros fatores, provavelmente falhou por conta da falta de consolidação dos próprios Estados individuais, não estando estes preparados para uma integração. Embora fracassado o pan-americanismo, seu legado foi importantíssimo para a formação de um espírito integracionista.
À exemplo das questões supracitadas, surgiu a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), nos anos 1960, numa tentativa de integrar o subcontinente comercialmente, sendo extremamente influenciada pelos pensamentos bolivarianos de oposição à austeridade, assim como a Comissão Especial de Coordenação Latino-americana, criada por países da Organização dos Estados Americanos, que buscavam fazer frente aos Estados Unidos. Além disso, o conceito da ALALC recebeu influências da criação da Comunidade Econômica Europeia (CEE), pelo Tratado de Roma, e influenciou o pensamento cepalino. A ALALC não previa favorecimentos relativos à países menos desenvolvidos, mas sim um tratamento igual à todas as nações envolvidas.
Nos anos da década de 1980, a ALALC se transformou na Associação Latino-americana de Integração (ALADI), sendo que esta buscava continuar os projetos daquela. Com o objetivo de eliminar gradativamente obstáculos ao comércio recíproco entre os países-membros, impulsionar a cooperação solidária entre os povos latino-americanos, promover o desenvolvimento econômico e social harmonicamente, renovar a integração latino-americana de acordo com a sua própria realidade e criar uma área de preferências econômicas, buscando o estabelecimento de um mercado comum latino-americano, a instituição se propõe a promover a regulação e o desenvolvimento do subcontinente. Em seu âmbito, desenvolveram-se acordos de alcance parcial e acordos regionais, que se somaram aos acordos regionais da Comunidade Andina de Nações e do Mercosul. Além disso, o conceito de igualdade foi substituído pelo de equidade, dando benefícios adicionais aos países que mais necessitavam.
O Mercosul, por sua vez, foi a consequência do desenvolvimento da ALADI. No seu contexto, estabeleceu-se uma zona de livre comércio, em sua criação pelo Tratado de Assunção, expandindo-se posteriormente à uma integração aduaneira, liberdade de migração, uma certa internalização de laudos pelos países partes e uma relação sócio laboral integracionista, conquistada pelos sindicatos.
A evolução das instituições internacionais latino-americanas é notável, principalmente em relação a persistência dos países em desenvolver um projeto tão difícil de integração. Porém, ao discutir-se as contradições do bloco do Mercosul, percebe-se que os objetivos da instituição permanecem inacabados. Com as recentes crises na Argentina, por exemplo, testemunhou-se o levantamento de diversas barreiras contra produtos brasileiros, o que demonstrou a fragilidade da suposta União Aduaneira entre os Países Partes e as debilidades jurídicas do ambicioso projeto. As regras do jogo dentro do bloco são ineficazes, sem legitimidade, além da falta de credibilidade de seu recém-criado sistema de solução de controvérsias.
A União Europeia, criada no sentido de moldar e fortalecer a paz, numa época em que os blocos regionais não eram comuns, teve cerca de 30 anos para moldar algo próximo à uma integração efetiva. O Mercosul, por sua vez, não possui esse tempo, o que causa uma certa euforia em vários tomadores de decisão dos Estados envolvidos. Nesse sentido, as tomadas de decisões no âmbito do bloco acabam por ignorar as assimetrias de poder existentes entre os países do continente, além de manter um diálogo muito pobre com suas respectivas sociedades civis, não prestando o serviço necessário aos produtores nacionais e à população no geral.  Por essas questões, observa-se a integração de sociedades no mesmo molde da União Europeia: de cima para baixo. Embora a União Europeia ainda não seja totalmente efetiva, os Estados envolvidos tiveram um intervalo de tempo muito superior para lidar com as contradições internas ao bloco, sem a pressa característica ao Mercosul.
Para um desenvolvimento saudável e sólido das instituições do Mercosul, é necessário que se mantenha um ritmo adequado ao estabelecido pelas sociedades envolvidas. O bloco ainda se caracteriza por sua pouca influência no âmbito interno dos Estados e do próprio subcontinente, caracterizando-se como poder de barganha em negociações com países de outras regiões e com outros blocos, mas não como instrumento de desenvolvimento das próprias nações envolvidas. Dessa forma, os indivíduos que habitam a América Latina não sentem, em seu cotidiano, a influência das decisões tomadas pelo bloco, o que demonstra ainda mais a sua falta de conexão com a sociedade civil.
Fora do contexto comercial, é necessária uma integração cultural, um reconhecimento maior da pluralidade do continente. O primeiro passo dado foi o estabelecimento do Português, Espanhol e Guarani como idiomas oficiais do bloco, além da criação do Setor Educacional do Mercosul, que tem como pretensão promover pesquisas acadêmicas integradas e intercâmbios de alunos dentro do bloco, favorecendo a circulação do conhecimento e da informação. Mais concretamente, propõe-se também uma união de diversos países latino-americanos na concessão de segurança e garantias de liberdade aos povos indígenas da região, frente ao processo de desenvolvimento não planejado que acaba por prejudicar sociedades inteiras de indígenas por um ganho ínfimo na produção de energia, expansão da agropecuária etc.

O diálogo necessário para o avanço da integração pan-americana envolve todos os setores das sociedades de cada país, como os industriais, os comerciantes, os movimentos sociais, as sociedades indígenas, os prestadores de serviços e os governos.  O conceito de integração não é utópico, mas a sua realização enfrenta obstáculos complexos, que podem ser resolvidos saindo da base e indo em direção ao topo, respeitando o ritmo imposto pelos próprios participantes, como estabelece o spillover neofuncionalista (tendo as questões internas dos Estados uma maior influência na formação de necessidades), não por um sistema externo e austero, para se estabelecer um sistema de instituições efetivas por meio da eficiência administrativa para que se promova o desenvolvimento de uma eficácia cada vez maior.


* Otávio Henrique Simiano do Bomfim: aluno do 4 Período do Curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 

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