O financista Pablo Syper inaugurou, no dia 16 de novembro, uma
escultura em forma de touro em frente ao prédio da Bolsa de Valores em São
Paulo. Réplica cuspida e escarrada da obra que enfeita Wall Street, reduto
pecuniário de Nova Iorque, o animal dourado tenta representar uma retomada
no valor dos papéis negociados nas corretoras. Isto porque o ataque do touro,
expressão bastante usada pelos vendelhões, se dá de baixo pra cima,
levantando a presa pelos chifres. O dólar comercial bate, dia sim dia não,
acima dos R$ 5,50. Enquanto isso, a IBOVESPA registrou, no dia seguinte da
instalação taurina, o seu menor patamar em mais de um ano, perto dos cem mil
pontos, somando baixa de 13,5% em 2021.
Gilson Finkelsztain, o homem que abre e fecha o zíper da Bolsa,
defendeu a presença simbólica dos cornos auríferos em frente ao seleto
mercado, pois, segundo ele, representam a força e a resiliência do povo
brasileiro. Finkelsztain, por suposto, deve saber que nem 3% deste povo
heroico bradam pelos pregões. Na semana debutante do bovino brilhante –
shiny bull, para os mais chegados –, foi divulgada uma pesquisa do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde mostrando que
somente uma em cada quatro crianças entre 2 e 9 anos comem três vezes ao
dia no Brasil.
Os gastos com alimentação, segundo o IBGE, consomem mais de um
quinto da renda dos brasileiros mais pobres. Não bastasse a pandemia, o
preço do arroz subiu mais de 50% e o do botijão de gás, quase 40%. A carne
de boi – não de touro – acompanha a média do gás de cozinha na alta
inflacionária e faz com que boa parte dos quase 15 milhões de desempregados
recorram aos ossos e carcaças descartados de frigoríferos e açougues. Em
São Paulo, sede da Bolsa brasileira, o último Censo de 2019 dá conta de que
são quase 25 mil moradores de rua na capital financeira mais rica do
hemisfério sul, mais do que a capacidade do Estádio do Canindé.
Nada disto parece preocupar os toureiros da arena especulativa. O que
os faz bambear as castanholas são os as incertezas nos precatórios, o minério
de ferro na China e a inflação dos Estados Unidos. Pretensos touros, fogem da
bandeira vermelha como o diabo da Santa Cruz, embora o deus deles seja
outro e estrangeiro. Nem o profeta Paulo Guedes, inspirado de toda ortodoxia
liberal, consegue domar este boi-bandido.
A elite financeira brasileira é apátrida em conteúdo e cafona na forma.
“Americanalizados”, importaram tudo o que há de ruim antes de trazer algo
minimamente bom. As caricatas réplicas da estátua de Bartholdi vendendo
quinquilharias, o obeso “M” amarelo iluminando a miséria e o touro de ouro da
Bolsa são as prendas (ou targets) despachadas (em day-trade) ao invisível
Deus Mercado. Rogam para que os ceguem com cabrestos frente ao tangível
que passa debaixo da própria tabuleta.
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