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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Deus mercado, receba esta oferenda.


    O financista Pablo Syper inaugurou, no dia 16 de novembro, uma escultura em forma de touro em frente ao prédio da Bolsa de Valores em São Paulo. Réplica cuspida e escarrada da obra que enfeita Wall Street, reduto pecuniário de Nova Iorque, o animal dourado tenta representar uma retomada no valor dos papéis negociados nas corretoras. Isto porque o ataque do touro, expressão bastante usada pelos vendelhões, se dá de baixo pra cima, levantando a presa pelos chifres. O dólar comercial bate, dia sim dia não, acima dos R$ 5,50. Enquanto isso, a IBOVESPA registrou, no dia seguinte da instalação taurina, o seu menor patamar em mais de um ano, perto dos cem mil pontos, somando baixa de 13,5% em 2021. 
    Gilson Finkelsztain, o homem que abre e fecha o zíper da Bolsa, defendeu a presença simbólica dos cornos auríferos em frente ao seleto mercado, pois, segundo ele, representam a força e a resiliência do povo brasileiro. Finkelsztain, por suposto, deve saber que nem 3% deste povo heroico bradam pelos pregões. Na semana debutante do bovino brilhante – shiny bull, para os mais chegados –, foi divulgada uma pesquisa do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde mostrando que somente uma em cada quatro crianças entre 2 e 9 anos comem três vezes ao dia no Brasil. 
    Os gastos com alimentação, segundo o IBGE, consomem mais de um quinto da renda dos brasileiros mais pobres. Não bastasse a pandemia, o preço do arroz subiu mais de 50% e o do botijão de gás, quase 40%. A carne de boi – não de touro – acompanha a média do gás de cozinha na alta inflacionária e faz com que boa parte dos quase 15 milhões de desempregados recorram aos ossos e carcaças descartados de frigoríferos e açougues. Em São Paulo, sede da Bolsa brasileira, o último Censo de 2019 dá conta de que são quase 25 mil moradores de rua na capital financeira mais rica do hemisfério sul, mais do que a capacidade do Estádio do Canindé. 
    Nada disto parece preocupar os toureiros da arena especulativa. O que os faz bambear as castanholas são os as incertezas nos precatórios, o minério de ferro na China e a inflação dos Estados Unidos. Pretensos touros, fogem da bandeira vermelha como o diabo da Santa Cruz, embora o deus deles seja outro e estrangeiro. Nem o profeta Paulo Guedes, inspirado de toda ortodoxia liberal, consegue domar este boi-bandido. 
    A elite financeira brasileira é apátrida em conteúdo e cafona na forma. “Americanalizados”, importaram tudo o que há de ruim antes de trazer algo minimamente bom. As caricatas réplicas da estátua de Bartholdi vendendo quinquilharias, o obeso “M” amarelo iluminando a miséria e o touro de ouro da Bolsa são as prendas (ou targets) despachadas (em day-trade) ao invisível Deus Mercado. Rogam para que os ceguem com cabrestos frente ao tangível que passa debaixo da própria tabuleta. 


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