Por Maria Bortoni e Amanda Souza*
No cenário internacional, o mês de Agosto foi marcado por dois eventos que
alteraram a seara da migração. Um deles foi a tomada de Cabul pelo Talibã no
Afeganistão, e outro, o terremoto no Haiti, que deixou mais de 2000 mil mortos.
Esses dois eventos influenciam diretamente em um novo fluxo migratório tanto vindo
do Oriente Médio quanto do Haiti.
No Brasil, foi atribuída a concessão de visto de acolhida humanitária aos
migrantes vindos desses dois países. O visto é específico para nacionais e
apátridas afetados pela grave situação de instabilidade institucional, violação dos
direitos humanos ou de direito internacional, situação vivida por ambos países, visto
que o Afeganistão passou pela tomada do governo para um regime que coloca em
risco a vida de muitas pessoas, principalmente de mulheres e crianças; e o Haiti,
que passou novamente por um fenômeno natural que destruiu o país e dificultou a
situação da população que já se encontrava em miséria.
Mesmo antes do último terremoto no Haiti, em 19 de agosto de 2021, o fluxo
migratório de haitianos para o Brasil já era alto, mesmo passando pelo funil entre a
Colômbia e o Panamá. Muitos deles encaram o Brasil como país de passagem,
almejando o Hemisfério Norte e, especialmente, os Estados Unidos. Neste trajeto,
alguns acabam parando no México, porém, essa é uma rota longa que percorre
milhares de quilômetros que passam pelo deserto e o perigo de tráfico de pessoas é
alto.
Os imigrantes haitianos que optam por migrar para o Sul vem para o Brasil ou Chile.
Entretanto, essa é uma das rotas mais perigosas por passar dentro da selva do
Darién, a qual é uma das mais perigosas do mundo e o Chile é um país muito
burocrático em relação a admissão de visto. Esse grande fluxo migratório crescia
mesmo antes do mês de agosto, porque o Haiti é fortemente afetado pela fome e
pela miséria, o que consequentemente impacta na insalubridade da vida no local,
visto que faltam recursos e a população busca novas oportunidades em outros
países, transpassando a barreira da língua, dificuldade de adentrar em novo
território e a adaptação. Além disso, o país está situado entre duas placas
tectônicas e, por isso, há altas chances de terremotos devastadores, como o de
2010 e o de agora em 2021.
Em 2004, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas)
organizou a Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (MINUSTAH),
que procurava estabelecer a ordem do país e levar ajuda humanitária com o auxílio dos capacetes azuis, que são soldados da ONU. A MINUSTAH foi comandada pelo
Brasil, que cedeu 25,4% das tropas da ONU presentes na missão que durou pouco
mais de 13 anos. A missão teve um difícil fim. O país passou por um terremoto
(2010) e um furacão (2016), por consequência, ambos funcionaram como
adiamento do fim da missão, que só teve seu fim de fato em Abril de 2017. A
consolidação do governo haitiano se deu com a eleição de Jovenel Moise, o mesmo
que foi assassinado pouco antes do terremoto de Agosto de 2021. O presidente foi
torturado e morto em sua casa na capital do país e especula-se que o grupo que o
matou, formado por pessoas de outras nacionalidades além da haitiana, pretendia
tirá-lo do poder para restabelecer o governo no país.
A situação de grupos de revolta se assemelha com o Afeganistão. Voltando
para 1996, ano em que a capital do país foi tomada pelo grupo fundamentalista
Talibã, o país passou por uma série de restrições e mudanças nas leis. O grupo, que
previamente fora financiado pelos Estados Unidos, estava crescendo e controlava
mais de 85% do território afegão. Após os ataques do 11 de Setembro, que foram
realizados pela Al Qaeda, os EUA enviaram tropas ao Afeganistão a fim de
monitorar possíveis ações e bases de treinamento de caráter terrorista. No final de
2001, o país estava livre do controle do grupo extremista e iniciando uma nova
caminhada política, ainda que conturbada e marcada por violências.
Mesmo com o afastamento do governo, o grupo não deixou de realizar
ataques tanto na capital quanto em outras localidades no mundo. A principal
motivação era lutar contra o ocidentalismo imposto principalmente pelos Estados
Unidos, eles afirmavam. Após muitas negociações, no final de 2019 foi proposto
mais um cessar-fogo e retirada das tropas estadunidenses do território afegão. O
atual governo de Joe Biden, deu continuidade ao acordo e antecipou a retirada das
tropas, que estava prevista para no máximo dia 11 de Setembro de 2021. No dia 15
de Agosto, o presidente Ashraf Ghani deixou a cidade de Cabul. Alguns dias antes,
o Talibã já havia dominado outra grande cidade dentro do país, o que resultou, mais
uma vez, na tomada do poder por parte do grupo.
Entre os anos 1996 e 2001, o grupo impôs 29 proibições ao sexo feminino,
dentre elas a obrigatoriedade da burca, o impedimento de frequentar escolas e o
apedrejamento caso exista uma acusação de relações sexuais fora do casamento.
Apesar de alegarem que não buscavam vingança contra aqueles que trabalhavam
ou serviam à administração pública e que tinham intenções de estabelecer um governo e uma sociedade com participação de todos, incluindo mulheres, tais ditos
não têm sido cumpridos. Na última segunda feira (27/09), o governo anunciou que
apenas pessoas do sexo masculino poderão frequentar as universidades. A
principal preocupação no atual cenário é com a chamada população vulnerável, que
de acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os
números passam de 18 milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária.
Na seara da migração, os países ao redor vêm iniciando ações de contenção para
evitar a entrada dos migrantes vindos do Afeganistão. O presidente Erdogan, da
Turquia, iniciou a construção de um muro de mais de 500 km na fronteira com o Irã.
A Grécia também seguiu essa linha, e em sua fronteira com a Turquia está
erguendo um muro de 40 km. No Canal da Mancha, foram interceptados em um
único dia 828 migrantes fazendo a travessia, número considerado recorde.
Apesar de muitos fechamentos e contenções de fronteiras, os afegãos
podem contar com pequenos suportes vindo de outros lugares. O Reino Unido,
apesar de possuir políticas para conter as travessias, está com o Programa de
Realojamento para receber inicialmente cinco mil afegãos. O Brasil abriu a
concessão de visto de acolhida humanitária e a possibilidade de residência para
aqueles que já estiverem em território brasileiro. O governo do Canadá se
disponibilizou a receber até vinte mil migrantes por meio de um programa especial,
assim como o México, Chile e os Estados Unidos da América, país que manteve
suas tropas em território afegão desde 2001 e tiveram aliados internos trabalhando
juntamente às tropas e ao governo.
Nesse cenário de aumento da crise migratória somado às problemáticas
causadas pela pandemia do COVID-19, os esforços da comunidade internacional
são mais do que fundamentais. Seja no Afeganistão, no Haiti ou durante a travessia,
a população precisa ter a garantia dos seus direitos.
*Maria e Amanda são acadêmicas do curso de Relações Internacionais e participam da Cátedra Sérgio Vieira de Mello - UniCuritiba.
Referências
O êxodo silencioso dos haitianos na América Latina. El País. 10 ago. 2021. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-10/o-exodo-silencioso-dos-haitianos-na-ameri
ca-latina.html.
MINUSTAH: O Brasil na Missão de Paz do Haiti. Politize. 9 out. 2018. Disponível em:
https://www.politize.com.br/minustah-missao-de-paz-no-haiti/.
JOVENEL Moïse: 4 incógnitas sobre o assassinato do presidente do Haiti. G1. 17 jul. 2021.
Disponível em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/07/17/jovenel-moise-4-incognitas-sobre-o-assassin
ato-do-presidente-do-haiti.ghtml.
NOVO muro para conter migrantes afegãos surge na Turquia. Estado de Minas. 19 ago.
2021. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/08/19/interna_internacional,1297315/n
ovo-muro-para-conter-migrantes-afegaos-surge-na-turquia.shtml.
GRÉCIA constrói muro de 40km para barrar entrada. G1. 21 ago. 2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/21/grecia-constroi-muro-de-40km-para-barrar-e
ntrada-refugiados-afegaos.ghtml.
MAIS de 800 migrantes são interceptados no Canal da Mancha em um dia. AgênciaBrasil.
24 ago. 2021. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-08/mais-de-800-migrantes-sao-in
terceptados-no-canal-da-mancha-em-um-dia.
EUA agradecem a outros países por acolherem afegãos. Estado de Minas. 19 ago. 2021.
Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/08/19/interna_internacional,1297659/e
ua-agradecem-a-outros-paises-por-acolherem-afegaos.shtml.
AFEGANISTÃO: sobre a necessidade de garantia para todos. Bem Paraná. 30 ago. 2021.
Disponível em:
https://amp-bemparana-com-br.cdn.ampproject.org/c/s/amp.bemparana.com.br/noticia/afega
nistao-sobre-a-necessidade-de-garantia-para-todos.
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