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sexta-feira, 1 de outubro de 2021

CÁTEDRA: fluxo migratório e a situação afegã e haitiana

Por Maria Bortoni e Amanda Souza*

    No cenário internacional, o mês de Agosto foi marcado por dois eventos que alteraram a seara da migração. Um deles foi a tomada de Cabul pelo Talibã no Afeganistão, e outro, o terremoto no Haiti, que deixou mais de 2000 mil mortos. Esses dois eventos influenciam diretamente em um novo fluxo migratório tanto vindo do Oriente Médio quanto do Haiti.
    No Brasil, foi atribuída a concessão de visto de acolhida humanitária aos migrantes vindos desses dois países. O visto é específico para nacionais e apátridas afetados pela grave situação de instabilidade institucional, violação dos direitos humanos ou de direito internacional, situação vivida por ambos países, visto que o Afeganistão passou pela tomada do governo para um regime que coloca em risco a vida de muitas pessoas, principalmente de mulheres e crianças; e o Haiti, que passou novamente por um fenômeno natural que destruiu o país e dificultou a situação da população que já se encontrava em miséria. 
    Mesmo antes do último terremoto no Haiti, em 19 de agosto de 2021, o fluxo migratório de haitianos para o Brasil já era alto, mesmo passando pelo funil entre a Colômbia e o Panamá. Muitos deles encaram o Brasil como país de passagem, almejando o Hemisfério Norte e, especialmente, os Estados Unidos. Neste trajeto, alguns acabam parando no México, porém, essa é uma rota longa que percorre milhares de quilômetros que passam pelo deserto e o perigo de tráfico de pessoas é alto. 
    Os imigrantes haitianos que optam por migrar para o Sul vem para o Brasil ou Chile. Entretanto, essa é uma das rotas mais perigosas por passar dentro da selva do Darién, a qual é uma das mais perigosas do mundo e o Chile é um país muito burocrático em relação a admissão de visto. Esse grande fluxo migratório crescia mesmo antes do mês de agosto, porque o Haiti é fortemente afetado pela fome e pela miséria, o que consequentemente impacta na insalubridade da vida no local, visto que faltam recursos e a população busca novas oportunidades em outros países, transpassando a barreira da língua, dificuldade de adentrar em novo território e a adaptação. Além disso, o país está situado entre duas placas tectônicas e, por isso, há altas chances de terremotos devastadores, como o de 2010 e o de agora em 2021. 
    Em 2004, o Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) organizou a Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti (MINUSTAH), que procurava estabelecer a ordem do país e levar ajuda humanitária com o auxílio dos capacetes azuis, que são soldados da ONU. A MINUSTAH foi comandada pelo Brasil, que cedeu 25,4% das tropas da ONU presentes na missão que durou pouco mais de 13 anos. A missão teve um difícil fim. O país passou por um terremoto (2010) e um furacão (2016), por consequência, ambos funcionaram como adiamento do fim da missão, que só teve seu fim de fato em Abril de 2017. A consolidação do governo haitiano se deu com a eleição de Jovenel Moise, o mesmo que foi assassinado pouco antes do terremoto de Agosto de 2021. O presidente foi torturado e morto em sua casa na capital do país e especula-se que o grupo que o matou, formado por pessoas de outras nacionalidades além da haitiana, pretendia tirá-lo do poder para restabelecer o governo no país. 
    A situação de grupos de revolta se assemelha com o Afeganistão. Voltando para 1996, ano em que a capital do país foi tomada pelo grupo fundamentalista Talibã, o país passou por uma série de restrições e mudanças nas leis. O grupo, que previamente fora financiado pelos Estados Unidos, estava crescendo e controlava mais de 85% do território afegão. Após os ataques do 11 de Setembro, que foram realizados pela Al Qaeda, os EUA enviaram tropas ao Afeganistão a fim de monitorar possíveis ações e bases de treinamento de caráter terrorista. No final de 2001, o país estava livre do controle do grupo extremista e iniciando uma nova caminhada política, ainda que conturbada e marcada por violências. 
    Mesmo com o afastamento do governo, o grupo não deixou de realizar ataques tanto na capital quanto em outras localidades no mundo. A principal motivação era lutar contra o ocidentalismo imposto principalmente pelos Estados Unidos, eles afirmavam. Após muitas negociações, no final de 2019 foi proposto mais um cessar-fogo e retirada das tropas estadunidenses do território afegão. O atual governo de Joe Biden, deu continuidade ao acordo e antecipou a retirada das tropas, que estava prevista para no máximo dia 11 de Setembro de 2021. No dia 15 de Agosto, o presidente Ashraf Ghani deixou a cidade de Cabul. Alguns dias antes, o Talibã já havia dominado outra grande cidade dentro do país, o que resultou, mais uma vez, na tomada do poder por parte do grupo. 
    Entre os anos 1996 e 2001, o grupo impôs 29 proibições ao sexo feminino, dentre elas a obrigatoriedade da burca, o impedimento de frequentar escolas e o apedrejamento caso exista uma acusação de relações sexuais fora do casamento. Apesar de alegarem que não buscavam vingança contra aqueles que trabalhavam ou serviam à administração pública e que tinham intenções de estabelecer um governo e uma sociedade com participação de todos, incluindo mulheres, tais ditos não têm sido cumpridos. Na última segunda feira (27/09), o governo anunciou que apenas pessoas do sexo masculino poderão frequentar as universidades. A principal preocupação no atual cenário é com a chamada população vulnerável, que de acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os números passam de 18 milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária. Na seara da migração, os países ao redor vêm iniciando ações de contenção para evitar a entrada dos migrantes vindos do Afeganistão. O presidente Erdogan, da Turquia, iniciou a construção de um muro de mais de 500 km na fronteira com o Irã. A Grécia também seguiu essa linha, e em sua fronteira com a Turquia está erguendo um muro de 40 km. No Canal da Mancha, foram interceptados em um único dia 828 migrantes fazendo a travessia, número considerado recorde. 
    Apesar de muitos fechamentos e contenções de fronteiras, os afegãos podem contar com pequenos suportes vindo de outros lugares. O Reino Unido, apesar de possuir políticas para conter as travessias, está com o Programa de Realojamento para receber inicialmente cinco mil afegãos. O Brasil abriu a concessão de visto de acolhida humanitária e a possibilidade de residência para aqueles que já estiverem em território brasileiro. O governo do Canadá se disponibilizou a receber até vinte mil migrantes por meio de um programa especial, assim como o México, Chile e os Estados Unidos da América, país que manteve suas tropas em território afegão desde 2001 e tiveram aliados internos trabalhando juntamente às tropas e ao governo. 
    Nesse cenário de aumento da crise migratória somado às problemáticas causadas pela pandemia do COVID-19, os esforços da comunidade internacional são mais do que fundamentais. Seja no Afeganistão, no Haiti ou durante a travessia, a população precisa ter a garantia dos seus direitos. 

*Maria e Amanda são acadêmicas do curso de Relações Internacionais e participam da Cátedra Sérgio Vieira de Mello -  UniCuritiba.

Referências
O êxodo silencioso dos haitianos na América Latina. El País. 10 ago. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-10/o-exodo-silencioso-dos-haitianos-na-ameri ca-latina.html.
MINUSTAH: O Brasil na Missão de Paz do Haiti. Politize. 9 out. 2018. Disponível em: https://www.politize.com.br/minustah-missao-de-paz-no-haiti/
JOVENEL Moïse: 4 incógnitas sobre o assassinato do presidente do Haiti. G1. 17 jul. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/07/17/jovenel-moise-4-incognitas-sobre-o-assassin ato-do-presidente-do-haiti.ghtml.
NOVO muro para conter migrantes afegãos surge na Turquia. Estado de Minas. 19 ago. 2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/08/19/interna_internacional,1297315/n ovo-muro-para-conter-migrantes-afegaos-surge-na-turquia.shtml
GRÉCIA constrói muro de 40km para barrar entrada. G1. 21 ago. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/21/grecia-constroi-muro-de-40km-para-barrar-e ntrada-refugiados-afegaos.ghtml
MAIS de 800 migrantes são interceptados no Canal da Mancha em um dia. AgênciaBrasil. 24 ago. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-08/mais-de-800-migrantes-sao-in terceptados-no-canal-da-mancha-em-um-dia
EUA agradecem a outros países por acolherem afegãos. Estado de Minas. 19 ago. 2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/08/19/interna_internacional,1297659/e ua-agradecem-a-outros-paises-por-acolherem-afegaos.shtml
AFEGANISTÃO: sobre a necessidade de garantia para todos. Bem Paraná. 30 ago. 2021. Disponível em: https://amp-bemparana-com-br.cdn.ampproject.org/c/s/amp.bemparana.com.br/noticia/afega nistao-sobre-a-necessidade-de-garantia-para-todos

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