A tomada de poder pelo Talibã foi fortemente sentida pela população afegã.
Não passou despercebido o fato de que com a volta do grupo extremista, os
direitos conquistados pelas mulheres do país até então, foram ceifados.
Desde a assunção do grupo, as mulheres não podem circular pelas ruas a não
ser que acompanhadas por algum homem, tiveram de entregar seus postos de
trabalho a um homem de sua família e deixar os estudos.
Apesar da visão e da construção social do país serem diferentes das
perpetuadas no Ocidente, em alguns períodos, a sociedade afegã foi marcada
por um maior grau de liberdade às mulheres. Em especial, durante a década de
70 e 80, com o estabelecimento da República Democrática do Afeganistão e da
República do Afeganistão, um rol de direito foram concedidos às mulheres –
em que pese não fora uma concessão ampla e irrestrita –, o que possibilitou
que muitas ingressassem no mercado de trabalho e nos estudos. Estes direitos
foram majoritariamente preservados quando, mais em diante, ocorreu a
transição para o Estado Islâmico do Afeganistão.
Foi com a primeira ascensão ao poder do grupo extremista que os progressos
até então alcançados foram revogados. Não somente os direitos das mulheres,
mas diversos direitos humanos foram violados com o início da tomada talibã.
Um “governo” permeado de violência, severidade, abusos e interpretações
exacerbadas da religião.
Em entrevista com a Prof. Doutora Priscila Caneparo – advogada, doutora em
Direito Internacional e professora da casa de Direitos Humanos, Direito
Internacional e Direito Contitucional – pudemos melhor compreender a
realidade e o cenário histórico, ambos extremamente permeados de minúcias, que cercam a atual realidade das mulheres no Afeganistão. Antes desta
tomada, as mulheres afegãs já passaram por um histórico de restrições em
seus direitos, até mesmo sob a presença dos EUA no país. Contudo, sabemos
que a tomada do Talibã significou um retrocesso aos pequenos avanços até
então feitos. Quando questionada sobre como se deram as restrições do
Talebã, respondeu:
Bom, a gente tem um conhecimento histórico que, desde que o Taleban
assumiu o poder no Afeganistão, na década de 90, tem-se uma interpretação
muito deturpada da Sharia naquele contexto, o que faz com que haja uma
perpetração de violência contra os direitos das mulheres. Não obstante, boa
parcela da sociedade afegã – especialmente a do sexo masculino – concorda,
desde sempre, com tal postura, o que fora, de fato, um empecilho para a
consolidação de direitos ao longo da invasão do território pelas potências
Ocidentais. Ainda assim, vários direitos forem estabelecidos, especialmente no
que tange à liberdade de locomoção e ao direito à educação das mulheres.
Segundo dados da ONU, nestes (poucos) dias de retomada do poder pelo
Taleban, as mulheres já vêm sofrendo não apenas restrições, mas violências
contra seus direitos, incluindo, aí, execuções sumárias, limitação ao direito de
se locomover, ao seu direito ao trabalho e, especialmente, as meninas não
podem mais frequentar escolas.
Ante às violações imediatas impostas pelo regime, e abarcados pela visão
talibã, as mulheres, em realidade, tiveram sim seus direitos e liberdade
prometidos, mas “de acordo com a lei islâmica”, como transmitiu o porta-voz do
obstante, a lei islâmica, neste caso, deve ser entendida como a interpretação
extremista pregada por um grupo ideológico radical. Sobre a possibilidade
desta promessa de fato ser concretizada, prof. Caneparo respondeu:
Não acredito, mas há de se contextualizar a resposta. Obviamente, o Taleban
que ascende ao poder neste momento é diferente daquele que se encontrava
no poder na década de 90. Muitos dos seus atuais integrantes moraram por um
bom tempo em Doha, onde tiveram contato com uma sociedade mais tolerante,
permitindo, até mesmo, que as mulheres do núcleo viessem a estudar naquela
realidade. Não obstante, muito daquilo que grande parcela da população
admira no Taleban é que se sentem representados pelo próprio radicalismo e
barbáries contra as parcelas vulneráveis da população – incluindo, aí, as
mulheres. Ser mais flexível, no caso do Taleban, infelizmente, significa perder
boa parcela de seus apoiadores.
Como se pode perceber, os mecanismos de manipulação e domínio utilizados
pelo Talibã pautam-se em fundamentalismo e nacionalismo de cunho radical,
que ergue muitos pleitos em nome da religião. Mas é importante ultrapassar a
visão simplista de que a religião seria a justificativa do grupo para a diminuição
dos direitos das mulheres. Para tanto, destaca a Dra. Priscila que:
Aí reside, de fato, um grande problema: confundir religião, liberdade de
expressão da mulher a partir de suas vestimentas para com um regime
retrógrado e perpetrador de violência, como é o Taleban. O Taleban justifica
suas ações em nome da religião, mas a verdade é que a interpretação
deturbada da Sharia faz com que tenhamos uma estruturação societária em
que nada se assemelha com aquilo que prega o islamismo. É necessária uma
comparação qualitativa em termos de direitos das mulheres: a Arábia Saudita,
ainda que fundamentalista, tem avançado cada vez mais na consolidação e
estruturação dos direitos das mulheres, baseando-se, inclusive, nas leis
religiosas para tal interpretação. Ademais, o objetivo do Taleban não é apenas
promover o jihad, mas sim expandir seu território, em termos bem objetivos,
que nada se atrela à religião.
Obviamente, o cenário dos direitos das mulheres afegãs é extremamente
preocupante e já captura atenção da comunidade internacional acerca de formas de viabilizar uma solução. Dentre as medidas possíveis, analisa-se a
concessão de refúgio e vistos humanitários. Com efeito, alguns países já se
propuseram a conceder os vistos humanitários, o Brasil, inclusive, autorizou a
emissão de vistos humanitários à afegãos fugindo do regime Talibã, no que
pode ser considerado um grande avanço em nossas políticas humanitárias.
Contudo, não houve, até o momento, uma discussão a nível global que visasse
uma cooperação multilateral entre os países para garantir aos afegãos estes
direitos. A respeito da possibilidade da formação de uma coalisão global para
aceitar as mulheres vítimas de violações como refugiadas, Prof. Priscila
esclareceu:
Possibilidade sempre há, o que falta, de fato, é o empenho dos países em
aceitarem tais refugiadas – especialmente no que tange ao continente europeu.
A retórica, no início de uma deterioração de direitos humanos, é sempre pro
persona, mas quando se chega na hora de receber esta parcela vulnerável, os
governos impõem diversas limitações e restrições. Devemos lembrar que a
própria Grécia já construiu um muro para evitar que os deslocados alcancem
os solos europeus – e a União Europeia não lhe impôs nenhuma sanção, ainda
que a União Europeia tenha, novamente na retórica, dito para que os países
aceitem a população afegã descolada e passível da concessão do refúgio.
Por mais que tenha ocorrido de forma radical, a restrição de direitos do
Afeganistão, lança u olhar de preocupação sob outras formas de restrição de
direitos femininos, por vezes mais sutis, em outros países do mundo. No Brasil,
mais especificamente, em face de projetos de lei e decisões judiciais que ferem
direitos constitucionalmente garantidos às mulheres, aumenta-se a
preocupação sobre a garantia dos direitos femininos. Sobre eventual paralelo
entre as restrições de direitos nos dois países, Caneparo pontuou que:
Acho muito difícil fazer esta comparação. Aqui, temos um Estado laico e uma
independência entre os poderes. Felizmente, ainda que tais (absurdos) projetos
sejam sancionados, temos uma estrutura judiciária apta a barrar tais atrocidades constitucionais. Não obstante, o que me preocupa – e aí é uma
pergunta que realmente só o tempo poderá nos responder – é se os valores da
sociedade brasileira estão caminhando para o fundamentalismo que se
encontra presente em algumas realidades mundanas. É inegável que
observamos uma onda evangélica em termos axiológicos na nossa realidade
nacional. O problema é quando começarem, de fato, ditarem as regras a partir
de sua interpretação. Só o tempo dirá se, de fato, teremos tal cenário no Brasil.
Em suma, o que se extrai das considerações feitas pela Prof. Priscila Caneparo
e pelo atual panorama, é que a questão relativa ao direito das mulheres no
Afeganistão está atrelada não somente a um modo de sociedade diferente,
mas também pela perpetuação de ideais totalitários de um grupo extremista.
Para evitar constatações baseadas meramente na superfície deste problema,
faz-se necessário que compreendamos as minúcias da comunidade afegã e o
contexto internacional como um todo.
Referências
EXECUÇÕES sumárias e restrições às mulheres: o que diz primeiro relatório
da ONU sobre nova era Talebã no Afeganistão. BBC. 25 ago.2021. Disponível
em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58330742.
DIREITOS das mulheres no Afeganistão. Hisour. 2021. Disponível em:
https://www.hisour.com/pt/womens-rights-in-afghanistan-37352/.
ENTENDA o que ocorre no Afeganistão e a volta do Talibã. El País. 17 agostos
2021. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-16/entenda-o-que-ocorre-no-afe
ganistao-e-a-volta-do-taliba.html.
AFEGANISTÃO: a história de quem já vivia sob o controle do Talebã. BBC
News. 16 agosto 2021. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58230121.
WOMEN’S RIGHTS IN AFEGHANISTAN. Amnesty International. 2014.
Disponível em:
https://www.amnesty.org.uk/files/women_in_afghanistan_fact_sheet.pdf.
THE Fragility of Women’s Rights in Afghanistan. Human Rights Watch. 17
agosto 2021. Disponível em:
https://www.hrw.org/news/2021/08/17/fragility-womens-rights-afghanistan.
GOVERNO brasileiro autoriza a concessão de visto humanitário a afegãos. G1.
03 setembro 2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/09/03/governo-brasileiro-autoriza-a-co
ncessao-de-visto-humanitario-a-afegaos.ghtml.
If you require professional help to recover your stolen cryptocurrency, forgot your password, sent to the wrong wallet address, contact easybinarysolutions@gmail.com for assistance.
ResponderExcluir