Por Yuri Oliveira*
Em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o
Tratado de Assunção, colocando-se dispostos a criar um Mercado Comum na região,
o Mercosul. Assim, estavam decididos a atuarem em prol da coordenação de políticas
macroeconômicas, endereçados ao cenário internacional e regional, marcado pela
evolução e avanço dos grandes espaços econômicos. O tratado entrou em vigor dia
29 de novembro do mesmo ano.
O Mercosul chega aos seus 30 anos, em meio a uma situação diferente da
imaginada pelos Estados-partes quando assinaram o acordo. Com isso, é preciso
entender em que ponto esse acordo está, e o que dinamiza essa estrutura, ou no caso
não. Onde está sua gênese? E o que aconteceu?
Primeiramente, o fator essencial para a coordenação de políticas é o
entendimento entre os membros. A progressão ou a paralisação de um processo de
integração é consequência desta relação. Sendo assim, dentro das formulações
teóricas acerca do Mercosul, considerasse o protagonismo das relações bilaterais
entre Brasil e Argentina, atores que, no entendimento das relações em eixo, tiveram
semelhante atuação quando comparado a relação entre França e Alemanha dentro do
processo de integração na Europa (PATRICIO, 2007). As potências regionais, nestes
dois casos, interferiram de modo decisivo.
Em 1991, o sistema internacional passa por mudanças, a caracterização da
economia decorre principalmente do cenário que se põe com o colapso da União
Soviética. A queda do Muro de Berlim marca a inclinação para cooperação, propício
para formação dos blocos (GUIMARÃES, 2017). Em analogia ao que está
acontecendo com os Estados nesta situação, tanto na Europa como na América do
Sul passam superar atritos, no caso europeu bem mais que isso, para então avançar
em direção aos acordos.
No continente sul-americano, o fim da Guerra do Paraguai marca o começo de
rivalidades entre Brasil e Argentina. Ainda, os regimes militares nos dois Estados
geraram em parte acanhamento nas relações, característica do momento, receios das
intenções de cada Estado na região. Já na década de 80, o cenário econômico
tornou-se determinante para a construção de um caminho que se voltava à
cooperação. Em 1988, Alfonsín, o presidente argentino, e Sarney assinaram atos
bilaterais de caráter econômico, entre eles o Tratado de Integração, Cooperação e
Desenvolvimento, em que concordaram com a supressão gradual das barreiras à livre
circulação de bens (PATRICIO, 2007). O impulso pela revisão da convergência decorre
da democratização; essa convergência é econômica e política. As expansões dos
mecanismos bilaterais conduziram ao processo de integração, transbordando as
fronteiras do Brasil e Argentina, chegando e suscitando as reações no Paraguai e
Uruguai. A política externa dos membros foi se consolidando e assumindo certo papel
de destaque em matéria comercial. Em 1994 foi instituído o Protocolo de Ouro Preto,
caracterizando a União Aduaneira na região, dando personalidade jurídica ao bloco.
Neste período de 30 anos, Bolívia, Peru, Colômbia, Chile, Equador, Guiana e
Suriname aderiram como membros associados, e a Venezuela como membro pleno. O
Estado da Venezuela passou a ser membro pleno em 2012, e encontra-se suspenso
desde 2017, em razão do descumprimento do Protocolo de Ushuaia sobre o
Compromisso Democrático do Mercosul.
No primeiro momento, o acordo bilateral teve caráter desenvolvimentista,
enquanto no Mercosul é claro o caráter comercialista (CAMARGO, 2006). O bloco
expandiu-se em certos momentos e recuou em outros. Na década de 90 houve
avanços com o impulso da abertura de mercados. Em 1999 a desvalorização do Real
o mergulhou em uma situação difícil, seguido pela crise na Argentina.
A Integração. Onde Estamos?
A estrutura institucional veio com o Tratado de Ouro Preto em 1994. Trazendo
o alinhamento das políticas de comércio entre os membros, previsto pela Tarifa
Externa Comum (TEC), tornando viável cobrar uma mesma alíquota sobre operações
de comércio com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Na etapa
intermediária desse processo, os Estados concordaram em criar a União Aduaneira.
Isso implica internamente na eliminação de restrições aduaneiras, ou medidas
equivalentes e, externamente, na relação e atuação comunitária com a criação da
TEC. A TEC possui função de uniformizar questões de alfândega, como uma etapa
seguinte no modelo integracionista, indo em direção a um Mercado Comum. Contudo,
a TEC no Mercosul é imperfeita, ou seja, existem exceções e não é totalmente
aplicada, com vista a proteger determinados produtos e setores dos membros do bloco
(MARTINS, 2002).
Cada país tem uma quantidade específica para tornar exceções às regras,
permitindo o tratamento diferenciado dos produtos no comércio no bloco. Os membros
possuem margem para restringir e dessa forma protegem estrategicamente os
setores. Desse modo, a lista de exceções à TEC funciona freando o movimento de
progressão do Mercosul, pois, desde 1991 o que foi entendido é que o bloco iria
construindo gradativamente a integração até chegar a sua finalidade. Porém, esse
modo de tratamento é prorrogado continuadamente, num movimento em que a
proposta de União Aduaneira de 1994, estágio intermediário e atual da integração,
funcione ainda como uma Zona de Livre Comércio (GUIMARÃES & SIQUEIRA, 2011,
pag. 406).
As assimetrias se tornam evidentes na relação competitiva do quarteto. As
desproporções entre e dentro de cada Estado travam o movimento de intensificação.
Mesmo com as assimetrias, o comércio e os investimentos mostram-se com um fluxo
relevante. Existem claras desigualdades entre os Estados-partes e, tomando
consciência disso, foi criado em 2004 o Fundo para Convergência Estrutural do
Mercosul, um mecanismo próprio de financiamento para diminuí-las. Aqui, países que
têm mais, pagam mais e recebem menos. Países que têm menos, recebem mais e
pagam menos.
A TEC em muito evidencia como a política adotada pelo bloco enreda os traços de
desconcertos. Com isso, a implicação imposta ao Mercosul, da coordenação das
políticas macroeconômicas na sua criação se realizou de modo parcial.
O Brasil
Na atualidade, a atuação brasileira com a abdicação de sua liderança frente a esse
processo já deixa marcas. O movimento insuficiente da maior potência do bloco deixa
aberturas a outros atores influírem na região. É claro que estamos falando da China,
pois os movimentos já sinalizam o avanço nas relações bilaterais com a Argentina.
Ineditamente, nos saldos de comércio exterior, a China já desbancou o Brasil como
maior parceiro comercial da Argentina. Vale ressaltar que essa aproximação vai além
do comércio.
E agora?
Existem muitas exceções à TEC, fazendo com que os países tomem decisões
unilaterais. Ainda, as crises enfrentadas pelos Estados-membros trouxeram mais
desconcertos para estruturação e institucionalidade do Mercosul. Com isso, a falta de
instituições densas entre os Estados, logo se colocaram como dificuldades. Também
fica a indagação quanto ao processo de integração buscado, espelhado e
parametrizado pelo velho mundo.
Briceño Ruiz (2018) interpreta que a experiência europeia de regionalismo não deve
ser entendida como universalista. Assim, valoriza a práxis e características do sul
global. O regionalismo ganhou uma dimensão totalmente europeia, mas ele aponta
para as múltiplas manifestações dos movimentos de integração no globo. Ter a Europa
como referência não é um problema, mas ele surge quando adquire caráter exclusivo,
de via única, prescritivo e normativo, exportando aquilo que acontece em muitas
outras situações. O eurocentrismo no entendimento das outras iniciativas de
integração regional. Portanto, é preciso considerar que existem contradições nas
formulações das políticas de integração quando aplicadas às realidades
sul-americanas.
Os frágeis mecanismos e instituições da comunidade intensificam os
embaraços no processo de integração. Desde a primeira década, o Mercosul mostra
bastante dificuldade ao avanço para se converter no que foi proposto em 1991. A
institucionalidade, na situação atual, é muitas vezes questionada considerando a
quase absoluta dimensão comercial adotada, isso se mostrou incapaz de desfazer as
distorções. Assim, no cenário proposto existe um jogo que em muitos momentos
revela interesses antagônicos dos aliados. Neste jogo, movimentos independentes
modificam as regras, somando-se ao caráter da instável política da América do Sul.
*Yuri Oliveira é estudante do quarto período do curso de Relações Internacionais no Unicuritiba.
Referências
PATRÍCIO, Raquel Cristina de Carla. As relações em eixo franco-alemãs e as relações
em eixo argentino-brasileiras: gênese dos processos de integração. Lisboa: ISCSP,
2007.
COSTA Vaz, Alcides. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do
Mercosul. Brasília: Funag, 2002.
BRICEÑO RUIZ, José. Las teorías de la integración regional: más allá del
eurocentrismo. Bogotá: Universidad Cooperativa de Colombia: Centro de Pensamiento
Global, 2018.
MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Tributação no MERCOSUL. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
GUIMARÃES, A. C., & SIQUEIRA, R. B. Tarifa externa comum (TEC): Universitas
Relações Internacionais, p. 406, 2011.
GUIMARÃES, L. R. Trajetória do Mercosul e União Europeia: reflexo das crises.
Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, 2017.
CAMARGO, S. Mercosul: crise de crescimento ou crise terminal? Lua Nova: Revista
de Cultura e Política, 2006.
MARCIA, C. (2020). 'ArgenChina': por que a China desbancou o Brasil como maior
parceiro comercial da Argentina. BBC News Brasil. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53862542.
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