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quinta-feira, 25 de março de 2021

30 anos de Assunção: O Processo de Integração do Mercosul

Por Yuri Oliveira*

    Em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, colocando-se dispostos a criar um Mercado Comum na região, o Mercosul. Assim, estavam decididos a atuarem em prol da coordenação de políticas macroeconômicas, endereçados ao cenário internacional e regional, marcado pela evolução e avanço dos grandes espaços econômicos. O tratado entrou em vigor dia 29 de novembro do mesmo ano. 
    O Mercosul chega aos seus 30 anos, em meio a uma situação diferente da imaginada pelos Estados-partes quando assinaram o acordo. Com isso, é preciso entender em que ponto esse acordo está, e o que dinamiza essa estrutura, ou no caso não. Onde está sua gênese? E o que aconteceu? 
    Primeiramente, o fator essencial para a coordenação de políticas é o entendimento entre os membros. A progressão ou a paralisação de um processo de integração é consequência desta relação. Sendo assim, dentro das formulações teóricas acerca do Mercosul, considerasse o protagonismo das relações bilaterais entre Brasil e Argentina, atores que, no entendimento das relações em eixo, tiveram semelhante atuação quando comparado a relação entre França e Alemanha dentro do processo de integração na Europa (PATRICIO, 2007). As potências regionais, nestes dois casos, interferiram de modo decisivo. 
    Em 1991, o sistema internacional passa por mudanças, a caracterização da economia decorre principalmente do cenário que se põe com o colapso da União Soviética. A queda do Muro de Berlim marca a inclinação para cooperação, propício para formação dos blocos (GUIMARÃES, 2017). Em analogia ao que está acontecendo com os Estados nesta situação, tanto na Europa como na América do Sul passam superar atritos, no caso europeu bem mais que isso, para então avançar em direção aos acordos.



    No continente sul-americano, o fim da Guerra do Paraguai marca o começo de rivalidades entre Brasil e Argentina. Ainda, os regimes militares nos dois Estados geraram em parte acanhamento nas relações, característica do momento, receios das intenções de cada Estado na região. Já na década de 80, o cenário econômico tornou-se determinante para a construção de um caminho que se voltava à cooperação. Em 1988, Alfonsín, o presidente argentino, e Sarney assinaram atos bilaterais de caráter econômico, entre eles o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, em que concordaram com a supressão gradual das barreiras à livre circulação de bens (PATRICIO, 2007). O impulso pela revisão da convergência decorre da democratização; essa convergência é econômica e política. As expansões dos mecanismos bilaterais conduziram ao processo de integração, transbordando as fronteiras do Brasil e Argentina, chegando e suscitando as reações no Paraguai e Uruguai. A política externa dos membros foi se consolidando e assumindo certo papel de destaque em matéria comercial. Em 1994 foi instituído o Protocolo de Ouro Preto, caracterizando a União Aduaneira na região, dando personalidade jurídica ao bloco.
    Neste período de 30 anos, Bolívia, Peru, Colômbia, Chile, Equador, Guiana e Suriname aderiram como membros associados, e a Venezuela como membro pleno. O Estado da Venezuela passou a ser membro pleno em 2012, e encontra-se suspenso desde 2017, em razão do descumprimento do Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático do Mercosul.



    No primeiro momento, o acordo bilateral teve caráter desenvolvimentista, enquanto no Mercosul é claro o caráter comercialista (CAMARGO, 2006). O bloco expandiu-se em certos momentos e recuou em outros. Na década de 90 houve avanços com o impulso da abertura de mercados. Em 1999 a desvalorização do Real o mergulhou em uma situação difícil, seguido pela crise na Argentina. 

A Integração. Onde Estamos?

    A estrutura institucional veio com o Tratado de Ouro Preto em 1994. Trazendo o alinhamento das políticas de comércio entre os membros, previsto pela Tarifa Externa Comum (TEC), tornando viável cobrar uma mesma alíquota sobre operações de comércio com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Na etapa intermediária desse processo, os Estados concordaram em criar a União Aduaneira. Isso implica internamente na eliminação de restrições aduaneiras, ou medidas equivalentes e, externamente, na relação e atuação comunitária com a criação da TEC. A TEC possui função de uniformizar questões de alfândega, como uma etapa seguinte no modelo integracionista, indo em direção a um Mercado Comum. Contudo, a TEC no Mercosul é imperfeita, ou seja, existem exceções e não é totalmente aplicada, com vista a proteger determinados produtos e setores dos membros do bloco (MARTINS, 2002).
    Cada país tem uma quantidade específica para tornar exceções às regras, permitindo o tratamento diferenciado dos produtos no comércio no bloco. Os membros possuem margem para restringir e dessa forma protegem estrategicamente os setores. Desse modo, a lista de exceções à TEC funciona freando o movimento de progressão do Mercosul, pois, desde 1991 o que foi entendido é que o bloco iria construindo gradativamente a integração até chegar a sua finalidade. Porém, esse modo de tratamento é prorrogado continuadamente, num movimento em que a proposta de União Aduaneira de 1994, estágio intermediário e atual da integração, funcione ainda como uma Zona de Livre Comércio (GUIMARÃES & SIQUEIRA, 2011, pag. 406). 
    As assimetrias se tornam evidentes na relação competitiva do quarteto. As desproporções entre e dentro de cada Estado travam o movimento de intensificação. Mesmo com as assimetrias, o comércio e os investimentos mostram-se com um fluxo relevante. Existem claras desigualdades entre os Estados-partes e, tomando consciência disso, foi criado em 2004 o Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul, um mecanismo próprio de financiamento para diminuí-las. Aqui, países que têm mais, pagam mais e recebem menos. Países que têm menos, recebem mais e pagam menos. 
    A TEC em muito evidencia como a política adotada pelo bloco enreda os traços de desconcertos. Com isso, a implicação imposta ao Mercosul, da coordenação das políticas macroeconômicas na sua criação se realizou de modo parcial.

Edifício Mercosul em Montevidéo, Uruguai.

O Brasil

    Na atualidade, a atuação brasileira com a abdicação de sua liderança frente a esse processo já deixa marcas. O movimento insuficiente da maior potência do bloco deixa aberturas a outros atores influírem na região. É claro que estamos falando da China, pois os movimentos já sinalizam o avanço nas relações bilaterais com a Argentina. Ineditamente, nos saldos de comércio exterior, a China já desbancou o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina. Vale ressaltar que essa aproximação vai além do comércio.

Base espacial chinesa em Neuquén, Argentina

E agora?

    Existem muitas exceções à TEC, fazendo com que os países tomem decisões unilaterais. Ainda, as crises enfrentadas pelos Estados-membros trouxeram mais desconcertos para estruturação e institucionalidade do Mercosul. Com isso, a falta de instituições densas entre os Estados, logo se colocaram como dificuldades. Também fica a indagação quanto ao processo de integração buscado, espelhado e parametrizado pelo velho mundo.
    Briceño Ruiz (2018) interpreta que a experiência europeia de regionalismo não deve ser entendida como universalista. Assim, valoriza a práxis e características do sul global. O regionalismo ganhou uma dimensão totalmente europeia, mas ele aponta para as múltiplas manifestações dos movimentos de integração no globo. Ter a Europa como referência não é um problema, mas ele surge quando adquire caráter exclusivo, de via única, prescritivo e normativo, exportando aquilo que acontece em muitas outras situações. O eurocentrismo no entendimento das outras iniciativas de integração regional. Portanto, é preciso considerar que existem contradições nas formulações das políticas de integração quando aplicadas às realidades sul-americanas.
    Os frágeis mecanismos e instituições da comunidade intensificam os embaraços no processo de integração. Desde a primeira década, o Mercosul mostra bastante dificuldade ao avanço para se converter no que foi proposto em 1991. A institucionalidade, na situação atual, é muitas vezes questionada considerando a quase absoluta dimensão comercial adotada, isso se mostrou incapaz de desfazer as distorções. Assim, no cenário proposto existe um jogo que em muitos momentos revela interesses antagônicos dos aliados. Neste jogo, movimentos independentes modificam as regras, somando-se ao caráter da instável política da América do Sul.

*Yuri Oliveira é estudante do quarto período do curso de Relações Internacionais no Unicuritiba.

Referências

PATRÍCIO, Raquel Cristina de Carla. As relações em eixo franco-alemãs e as relações em eixo argentino-brasileiras: gênese dos processos de integração. Lisboa: ISCSP, 2007.
COSTA Vaz, Alcides. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul. Brasília: Funag, 2002.
BRICEÑO RUIZ, José. Las teorías de la integración regional: más allá del eurocentrismo. Bogotá: Universidad Cooperativa de Colombia: Centro de Pensamiento Global, 2018.
MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Tributação no MERCOSUL. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
GUIMARÃES, A. C., & SIQUEIRA, R. B. Tarifa externa comum (TEC): Universitas Relações Internacionais, p. 406, 2011. 
GUIMARÃES, L. R. Trajetória do Mercosul e União Europeia: reflexo das crises. Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, 2017.
CAMARGO, S. Mercosul: crise de crescimento ou crise terminal? Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 2006.
MARCIA, C. (2020). 'ArgenChina': por que a China desbancou o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina. BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53862542.

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