sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: Guerras de Guerrilha



A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.


Guerras de Guerrilha


Tiago Viesba

Camila Ersina

Qual a importância de se estudar e debater um modelo de conflito antigo e que é, muitas vezes, relacionado automaticamente à desordem e tentativas de grupos sociais de quebrarem a paz?

A guerra de guerrilha tem sua relevância na conjuntura atual para os estudos relacionados aos tipos de guerra, pois ainda é largamente utilizada por grupos distintos que localizam-se em territórios afastados geograficamente. Este tipo de conflito ocorre, por exemplo, em regiões que buscam sua independência política, e que não necessariamente tiveram um contato prévio e troca de informações concernentes às táticas de combate. Tais grupos possuem, em sua essência, no campo de combate, características em comum que os obrigam a optarem por tal modalidade de guerra, e sua definição emana do próprio entendimento de sua finalidade. 

Historiadores acreditam que sua primeira aparição data da época das invasões napoleônicas a Península Ibérica, que duraram entre 1803 e 1812, e representaram o marco de uma potência em ascensão, a França de Napoleão, contra as fragmentadas regiões de Portugal e Espanha. As comunidades desses países, numa tentativa de resistência, utilizaram-se dos elementos de desvantagem em uma guerra de movimento representada por ataques rápidos, muito bem planejados, e de pequena magnitude.

Mas as táticas de guerrilha obtiveram maior aderência e sucesso durante a metade do século XX, no qual essa modalidade de conflito começou a ser utilizada, principalmente, no contexto europeu, durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, propagou-se pelos outros continentes como África, Ásia e pela América durante as décadas de 1950 a 1970. Nessa época, era utilizada já em um contexto de libertação nacional desses povos, através de lutas de independência, ou contra governos autoritários. 

Um dos grandes autores que teorizaram a respeito da guerrilha revolucionária foi Ernesto "Che" Guevara, que a definiu como a vanguarda do povo em luta. Em conformidade com isto, os sinais de enfraquecimento dos impérios coloniais, somados ao apoio retórico da então URSS às lutas nacionalistas, estimularam as lideranças dessas regiões a buscarem o caminho da independência e por conta disto, muitos países do chamado Terceiro Mundo recorreram às táticas de guerrilha para enfrentar tropas colonialistas. Dentre os exemplos mais marcantes desse período temos a Revolução Chinesa de 1949 e a Cubana de 1959, a Guerra do Vietnã de 1960 e Invasão Soviética ao Afeganistão em 1979.

Ainda em relação à definição de guerrilha, pode-se mencionar o fato de ser caracterizado pela assimetria entre os combatentes, seja em tamanho de exércitos, aparato bélico disponível, ideais e motivações, o que configura, portanto, um conflito irregular. A guerra de guerrilha possui ainda algumas especificidades que a diferencia de outras modalidades de guerra. Nesse sentido pode-se citar, por exemplo, justamente o enfoque de como superar as assimetrias vividas pelos combatentes de uma guerrilha. As táticas de combate, que são muito ornamentadas, servem como uma ferramenta para atingir essa necessária superação das assimetrias. Para que as táticas de guerrilha colocadas em prática sejam bem sucedidas, é indispensável que à elas seja atribuído o elemento surpresa, pois apenas assim os objetivos finais da guerrilha podem ser alcançados.

No entanto, a guerrilha é considerada, para alguns autores, como uma fase de transição do combate armado, ou seja, ela tende a se desenvolver continuamente. Enquanto o grupo insurgente angaria recursos e cresce, ele torna-se mais forte, até chegar ao ponto de adquirir características de um exército regular. Dessa forma, as emboscadas realizadas pelos militantes, desde a origem da insurgência, são extremamente importantes, pois os resultados positivos obtidos, através do uso da força, permitem o aperfeiçoamento das tropas, a libertação da opressão e a manutenção do poderio militar, que o aproxima gradativamente do seu objetivo final, que é o de mudança do sistema social. 

É pertinente mencionar a importância do papel dos discursos ensejados nesse âmbito, isto é, como já foi supracitado, é muito relevante a participação e o apoio da população local à guerrilha, desse modo os discursos servem justamente para angariar esse apoio, fator estratégico, muitas vezes, determinante para o desenrolar do conflito armado. Outro fator importante para a trajetória do conflito é ter um profundo conhecimento do território onde as contendas ocorrerão, pois esse tipo de conhecimento é decisivo para a superação das assimetrias. 

Ademais no entendimento do conceito de guerrilha, esta modalidade de guerra ainda é confundida com grupos terroristas, contudo, estes de fato na maior parte dos exemplos são grupos guerrilheiros que utilizam de táticas terroristas para manterem seu projeto de poder. As principais diferenças entre essas duas modalidades de combate baseiam-se em algumas características essências: os grupos terroristas, diferentemente dos guerrilheiros, não operam em terreno aberto como unidades armadas, não tentam conquistar ou manter territórios, evitam deliberadamente o engajamento em combates com forças militares inimigas e raramente exercitam qualquer tipo de controle ou soberania sobre territórios e populações. E um dos pontos principais é que movimentos guerrilheiros possuem uma maior preocupação com a legitimidade de sua causa e atos, por conta da necessidade vital do apoio popular e internacional a sua causa, o que não ocorre com os grupos terroristas que podem em seus ataques, matar civis que não fazem parte do conflito.

Vale ressaltar, também, que as definições atribuídas aos grupos insurgentes, sejam elas de guerrilheiro ou terrorista, tem um caráter político, ou seja, mudam de acordo com quem reproduz esse discurso e qual a finalidade de se delinear esses grupos de uma forma específica. À vista disso, por conseguinte, há várias definições divergentes entre os autores, os quais possuem cada qual seu entendimento sobre guerrilha, no entanto, adota-se aqui a concepção do teórico Ernesto Guevara com o propósito de compreender as guerrilhas além das suas definições, isto é, abarcar ainda seus propósitos, motivações, táticas de combate, ou seja, sua dinâmica como um todo.

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