terça-feira, 10 de outubro de 2017

Opinião - Catalunha: Puigdemont irrita a todos, e mostra que sua decisão é a mais acertada


O Presidente do governo autônomo da Catalunha, Carles Puigdemont, declarou nesta terça-feira, dia 10/10, a independência unilateral da Catalunha. Poucos momentos depois, suspendeu os efeitos da declaração. Para o professor de Geografia Política e Política Internacional do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, Gustavo Blum, essa foi a decisão mais acertada para a questão catalã.

Puigdemont irrita a todos, e mostra que sua decisão é a mais acertada


Gustavo Glodes Blum *

Não há dúvida alguma. A declaração de independência da Catalunha, aguardada por décadas, foi, no mínimo, anticlimática. No fim da tarde desta terça-feira, dia 10 de Outubro, o Presidente do Governo autônomo da Catalunha (a Generalitat) não levou nem dez minutos para dar um banho de água fria em todos aqueles que esperavam, à maneira das independências do século XX, alguém brandindo uma declaração de independência e, com o peito insuflado, gritando: "Viva a República Catalã!".

O exato contrário ocorreu. Ainda que os deputados da coligação independentista tenham posteriormente se reunido para assinar a "Declaração ao povo da Catalunha e a todos os povos do mundo" - na qual indicam a constituição da República Catalã -, o estrago já estava feito. A reação eufórica nas ruas de Barcelona, Girona e outras cidades da região tinha sido substituída por uma incredulidade enorme diante do ocorrido. Tenso, Puigdemont fez o que poucos conseguem: irritou a todos. E é por isso que sua decisão foi a mais acertada.

Ao declarar a independência, assume um certo mandato que recebeu de uma parte dos catalães para tentar estabelecer uma Catalunha independente - ou, no mínimo, mais forte - diante de Madrid. Era inevitável que isso ocorresse, uma vez que a perda do momento político poderia ter impedido durante algum tempo todo e qualquer movimento independentista de crescer. Não declarar a independência agora teria sido um suicídio político não apenas ao Presidente da Generalitat, mas também de todo o movimento político em torno da independência que se fortaleceu desde a revogação, no ano de 2010, do Estatudo da Catalunha, por parte da Justiça espanhola. Mais que isso, seria convocar ao ato direto, à violência ou até mesmo ao conflito armado uma região que, nos últimos meses, já tem sido o palco de confronto direto entre forças do governo espanhol e de movimentos secessionistas de vários matizes políticos.


Reações após as declarações de Puigdemont: à direita, quando declara a independência, e à esquerda, logo após, quando indica a suspensão dos efeitos da declaração.

Porém, suspender os efeitos da independência também é um gesto político altamente relevante. Ao fazê-lo, o governo catalão consegue transparecer um gesto de boa vontade. A Catalunha surge como um país que já exerce uma diplomacia calculada. E é necessário aos catalães se mostrarem "respeitosos às leis, ao Estado de direito e ao processo democrático", como afirmou Puigdemont em sua declaração. 

Atrás de sua frase, em que afirmou que "não somos delinquentes, não somos loucos, não somos golpistas, não somos alucinados", o presidente não só tenta colocar o processo de independência dentro de uma lógica democrática, mas assinala a responsabilidade de realizar uma boa gestão do processo. Principalmente após um dia em que ao menos 6 grandes empresas mudaram de domicílio, saindo da Catalunha em direção à Espanha, é necessário, sobretudo no nível econômico, que o governo catalão mostre que será capaz de governar bem o país. Não o fazendo, arrisca gerar uma depressão econômica que ameaça, como um todo, a própria União Europeia.

Com esta ação, o governo catalão - que atrasou a declaração de independência justamente para ajustar os últimos detalhes destes termos indicados por Puigdemont - conseguiu irritar a todos. 

Os nacionalistas - sobretudo os mais velhos, que viveram a ditadura franquista, e os mais jovens, que sonhavam com uma Catalunha republicana e europeia - acharam que o governo "perdeu uma oportunidade histórica", nas palavras de Anna Gabriel i Sabaté, porta-voz do CUP, partido de esquerda independentista. Por sua vez, os unionistas - que encontram no Governo conservador de Mariano Rajoy e no jornal El País seus maiores interlocutores - acreditam que a Generalitat está enrolando, e querendo apenas trabalhar com o tempo, gerando ainda mais caos e instabilidade na região. Inclusive alguns líderes europeus e mundiais se irritaram com a situação, como foi o caso de Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, que pediu a Puigdemont que "não tomasse uma decisão que frustre o diálogo". O presidente da França, Emmanuel Macron, e o Chanceler do México, Luis Videgaray, foram enfáticos ao afirmar que seus países não reconhecerão uma Catalunha independente.

Por qual razão, portanto, essa é a decisão mais acertada? Ora, com uma declaração realizada, a Generalitat asserta seu posicionamento. Agora, já não há mais volta: o ato unilateral está como fato legislado, a Declaração assinada, e o momento político agora não permite uma volta atrás. Desta forma, o governo catalão joga de volta a Madrid a responsabilidade de resolver da melhor maneira a questão. 

E, como pudemos recentemente perceber, o governo de Rajoy não está preparado para atuar de maneira diplomática diante desta situação. Houve quem, de dentro do governo espanhol, falasse num destino a Puigdemont parecido com Lluís Companys, líder catalão independentista que, em 1940, foi fuzilado pelas forças do ditador Francisco Franco. A contar com o uso da violência que fez o governo espanhol no referendo de duas semanas atrás, utilizando a força policial para acabar com sessões eleitorais e, segundo a Generalitat, ferindo mais de 800 pessoas, Rajoy não está para brincadeira.

Ao mesmo tempo, o próprio processo independentista levará, necessariamente, a uma renovação do debate a respeito do federalismo na Espanha. Saindo ou não a Catalunha do Estado Espanhol, indubitavelmente volta ao cerne do debate político ibérico a questão das representações democráticas, da participação política e da capacidade de autodeterminação. E, se isso se refere sobretudo às regiões autonômicas, como a Catalunha, o País Basco, a Galícia, Valência e outras, também causará um debate necessário a respeito da participação popular. Colocar a questão da República é questionar, também, qual o papel de uma monarquia na atualidade, o que pode se tornar perigoso para o Rei Felipe VI, que se colocou contundentemente ao lado do governo de Rajoy em seu pronunciamento após o referendo.

Enquanto isso, suspendendo temporariamente os efeitos da declaração, Puigdemont aponta para a dificuldade que é tornar uma região independente, e que esse processo não será fácil e instantâneo. Haverá, ainda, muito debate e muitas considerações a respeito de todos os processos internos e externos à Catalunha. Afinal, criar um país do nada não é tarefa fácil. Semelhantemente ao processo escocês, temporariamente resfriado, a principal pergunta a ser feita é: e agora?

Evitando tornar a declaração efetiva neste momento, a Generalitat ganha tempo para pensar detalhes burocráticos e logísticas de toda a empreitada independentista. Pois, se foram levados até agora pelo momento político, serão cobrados mais adiante a respeito do sucesso deste mesmo processo. 

O que nos resta? De forma anticlimática, justamente por inspiração da declaração catalã, pode-se afirmar que só nos resta esperar. Pois não apenas a resiliência dos dois lados será, agora, testada: também os próprios princípios das Relações Internacionais de autodeterminação dos povos e de não-intervenção nos assuntos internos serão foco de disputa política. Enquanto não resolvemos grandes limbos jurídico-políticos como aqueles do Kosovo, da Ossétia do Sul e da Abecásia, a Catalunha pode servir para compreendermos como, na atualidade, funcionam realmente as Relações Internacionais.


* Gustavo Glodes Blum é Internacionalista, Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná e Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Atualmente, é Líder do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional", e professor das disciplinas de Geografia Política e Política Internacional Contemporânea no curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA.

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