A seção "Refletindo sobre a Economia" traz textos desenvolvidos pelos alunos na disciplina de Economia Brasileira, sob a orientação da professora Patricia Tendolini Oliveira. A seção busca debater diversos aspectos relacionados à economia e sua importância no mundo atual. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
Brasil: Investimento em Educação e Desenvolvimento
Gabriel
Thomas Dotta*
Quando se pensa em
investimentos estatais, as principais coisas que nos surgem à cabeça são
educação e saúde. A despeito de discordâncias teóricas, que se refletem nas
diferentes relações dos países com tais setores, pode-se argumentar que, neles,
o Estado ainda tem o dever político de ser provedor. Esse pensamento ecoa em
resoluções internacionais, como a que estipula a universalidade da educação
primária como meta para todos os Estados. Somado a isso, é quase consensual a
relação entre educação e desenvolvimento, ilustrada pelo próprio cálculo do
Índice de Desenvolvimento Humano, que conta em sua composição com um indicador
de educação.
Esses dois pensamentos, juntos, constituem as principais
fundamentações do investimento em educação, tema do presente texto, aplicado ao
caso brasileiro. De forma breve, serão abordadas algumas teorias sobre a
relação entre educação e desenvolvimento; o histórico da educação no Brasil
desde a Constituição Federal de 1988; e a situação atual de tais investimentos,
a partir das recentes alterações promovidas no campo.
As teorias e estudos empíricos que relacionam a educação
ao desenvolvimento surgem a partir dos anos 1960, sendo genericamente chamadas Teoria do Capital Humano. Preconizam, em
última instância, o hoje consensual: que o investimento na capacidade humana
pode implicar no desenvolvimento dos países e em sua competitividade
internacional.
O fundamento para tanto é o de que a educação, além de
ter efeitos privados, isto é, sobre aqueles que se educam, também causa uma
série de externalidades sobre o todo da sociedade em que se encontram. Com relação aos efeitos privados, entre outras coisas, entendem que a educação eleva os salários via aumento de produtividade, aumentando a expectativa de vida em razão da eficiência na utilização dos recursos familiares e reduzindo o tamanho da família, tendo menos filhos.
Os efeitos externos, por sua vez, são vistos como tanto indiretos, quando os indicadores socioeconômicos são afetados em razão do aumento de renda que decorre da educação, quanto diretos, quando se constata que a correlação existiria ainda sem um aumento de renda.
Os estudos empíricos destacam, em geral, que os principais indicadores de desenvolvimento afetados pela educação são: o crescimento econômico, em que o aumento da educação eleva a renda per capita dos salários industriais; o crescimento populacional, que é mais rapidamente estabilizado; e a mortalidade, que é reduzida, e longevidade, estendida.
Importantes críticas, no entanto, devem ser feitas a toda essa corrente de pensamento. Estas são colocadas sobretudo por pensadores marxistas da educação: a Teoria do Capital Humano, intencionalmente ou não, mascara as desigualdades, ignora fatores estruturais – nacionais e internacionais – e deposita no indivíduo a responsabilidade única por sua condição social.
Em nível individual, radicalizando-se a meritocracia, perspectivas de classe ou outros recortes sociais são deixados de lado. Em nível de desenvolvimento nacional, a educação é vista como a solução dos problemas. A desigualdade entre as nações é mascarada como questão conjuntural, passível de resolução pela formação de recursos humanos, e não estrutural, decorrente das relações imperialistas na divisão internacional do trabalho.
As perspectivas críticas evidenciam ainda o fato de a educação deixar de ser vista como um fim em si mesma, passando a ser uma prática mediadora de crescimento econômico que acaba por satisfazer os interesses do capital. A escola, assim, oferece um saber deformado, útil ao capital. E em um cenário de interdependência, torna-se imperioso que os países adaptem-se a tal modelo para que permaneçam competitivos dentro do sistema vigente.
Desnecessário deveria ser frisar que tais perspectivas não se opõem ao investimento em educação ou mesmo negam seu impacto no desenvolvimento dentro do quadro capitalista. Apenas ressaltam que tais investimentos se pautam nos interesses do capital, levando à perpetuação do sistema capitalista ao tomarem-no como dado; por isso propõem que a pedagogia tenha como referência a transformação da sociedade, e não sua manutenção – devendo fugir, portanto, dos princípios da racionalidade mercantil.
Feitas tais reflexões, passemos a análise do caso brasileiro. A Constituição Federal de 1988 estipula a gestão descentralizada do ensino, em que os municípios devem atuar prioritariamente na educação infantil e ensino fundamental; os estados e distrito federal no ensino médio; e a União deve organizar um sistema federal de ensino, além de prestar assistência financeira e técnica aos municípios, estados e DF. A CF estipula a vinculação de receitas à educação: a União deve investir ao menos 18% da receita dos impostos; e os municípios, estados e DF, 25%.
Entre 1996 e 2006, vigorou o Fundef, meio de redistribuição de recursos da educação entre estados e municípios. Em 2007 foi criado o Fundeb para tal função. Em linhas gerais, um percentual da arrecadação dos estados e municípios é alocado em um fundo e redistribuído entre estados e municípios de acordo com o número de alunos da rede pública local. O Fundeb contempla todos os níveis e modalidades da educação básica (do ensino infantil ao médio), diferente de seu antecessor, que só assistia o ensino fundamental.
Entre 1995 e 2005, os investimentos em educação apenas acompanharam o crescimento da economia brasileira, oscilando, somadas todas as esferas, em 4% do PIB. A partir de 2006, durante a gestão Lula, passaram a crescer constantemente, em 2010 atingindo 5% do PIB (equivalente a R$ 194,8 bilhões, contra R$101,4 bilhões em 2003). Nesse tempo, a participação dos municípios no financiamento aumentou de 27,9% para 39,1%. Ainda assim, o gasto federal aumentou consideravelmente: em 2005, foi de R$22,7 bilhões; em 2010, chegou a R$47,7 bilhões.
A partir dos anos 2000, verificou-se uma clara priorização do ensino fundamental, que naquela década absorveu 60% de todo o investimento em educação. A parcela investida no ensino superior, ao contrário, diminuiu, muito embora tenha havido uma grande expansão nas matrículas de graduação.
Comparativamente aos demais países, o valor gasto por aluno na educação básica no Brasil ainda é muito baixo. A parte mais discrepante é na educação infantil: menos da metade do gasto no Chile e quatro vezes menos que a média da OCDE; no fundamental, é compatível com os demais latinoamericanos; no médio, porém, o investimento reduz-se, enquanto nos demais países aumenta. Ao contrário, no ensino superior, o gasto por aluno no Brasil é próximo ao da OCDE e mais elevado que o restante da América Latina.
A qualidade do ensino, porém, é o maior problema da educação pública brasileira. Na OCDE, em se tratando de educação básica, a maior parte dos investimentos é direcionado ao pagamento de salários dos professores.
O Plano Nacional de Educação, entre outras coisas, objetiva uma expansão dos investimentos em educação, lastreados pelo PIB. O último Plano, que vigorou até 2011, previa de início a ampliação do investimento para 7% do PIB, mas o ponto foi vetado pelo Pres. Fernando Henrique Cardoso.
O Plano atual vigora desde 2014. Sua meta estipula que o investimento público deve atingir, no mínimo, 7% do PIB até 2019 e 10% até 2024. Trata-se de um objetivo muito ambicioso, que requereria muito maior participação da União. Em estudo de viabilidade, as sugestões do IPEA para possibilidades de financiamento na ampliação foram: renda do pré-sal; criação do Imposto Sobre Grandes Fortunas (previsto na CF, mas ainda não regulamentado); e ampliação do Imposto Sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação.
Em 2013, foi sancionada por Dilma lei que vincula parte dos royalties da exploração do pré-sal à educação. Estudos indicavam que, de início, R$ 6 bilhões iriam para a educação. A medida, no entanto, frustrou-se, sobretudo por ter sido o cálculo feito com base no alto preço do petróleo à época, US$ 60. Em 2015, o preço atingiu seu valor mais baixo em 12 anos: US$ 28. A medida, por si, mostrou-se muito insuficiente – mas ainda assim, um avanço.
No fim de 2016 o preço do barril voltou ao patamar de US$ 54, indicando novos importantes ganhos para a educação por meio dos royalties. Naquele ano, R$ 2,44 bilhões foram registrados pelo Fundo Social. Valor ainda baixo se comparado às primeiras estimativas, mas relevante. Não obstante o regime privatizante de partilha do pré-sal, mantém-se a legislação do Fundo Social.
Finalmente, duas notas devem ser feitas com relação à situação atual: a emenda constitucional de teto dos gastos e a reforma no ensino médio por medida provisória, ambas de autoria do Governo Temer.
A emenda, que tem por objetivo equilibrar as contas públicas, prevê que, a partir de 2017, por vinte anos, com possibilidade de revisão em dez anos, a União não possa ter gastos superiores aos do ano anterior, corrigidos pela inflação: impede que os investimentos tenham qualquer crescimento real.
Segundo o governo, a EC estabelece um “regime especial” para a Educação, que a salvaguarda. É mantido um piso de investimento de 18% da receita líquida do governo mais o acréscimo da inflação. Já há anos, porém, que o mínimo obrigatório é amplamente superado.
Não obstante a manutenção do mínimo e a salvaguarda contra um teto setorial, são inegáveis os danos que a medida traz para a educação. Isto pois o gasto total do governo federal (do ano anterior, corrigido pela inflação) é que deve ser respeitado. É dizer: para o governo investir mais em educação, obrigatoriamente deve reduzir o orçamento de outros setores. Tal restrição apresenta um obstáculo inegável à expansão do investimento.
Considerando que as principais fontes de receita do investimento em educação básica não são da União, é possível argumentar que não haverá grandes perdas. Por outro lado, como visto, a busca pela meta de investimento de 10% do PIB em dez anos requereria precisamente a maior participação do governo federal. De imediato, a EC invalida a duramente conquistada meta.
Por fim, a reforma do ensino médio, feita por medida provisória – unilateralmente pela presidência, sem qualquer debate com a sociedade – altera alguns pontos do também duramente conquistado Fundeb. Para fins de financiamento, a medida prioriza o ensino médio, competência dos estados e DF, em detrimento da educação infantil, creche e pré-escola. Por um lado, de fato, o ensino médio recebia um desfalque no investimento. Por outro, o ensino infantil, de suma importância, encontrava-se em igual situação, agora piorada. Ademais, é crescente a demanda social por creches.
É também importante mencionar a questão dos conteúdos. A medida “flexibiliza” o ensino ao criar possibilidades específicas de trajetória para o ensino médio; e algumas disciplinas deixam ser obrigatórias.
É preciso questionar até que ponto tais medidas são apropriadas, considerado a desigualdade geográfica e que as escolas não serão obrigadas a ofertar todas as linhas de formação. E, considerando a baixa qualidade do ensino, com suas primeiras etapas agora ainda mais negligenciadas, até que ponto os estudantes têm a capacidade, mesmo no raro caso de terem todas as opções disponíveis, de decidir, aos 15 anos, por um itinerário formativo.
É quase consensual que a medida mais urgente a ser tomada para a melhora da qualidade no ensino básico é a valorização do professor. Neste ponto, a medida ainda vai no caminho oposto, ao retirar a obrigatoriedade da licenciatura na busca paliativa de suprir a carência de profissionais.
A medida também estabelece a expansão do ensino médio ao tempo integral. Deixando de lado o debate quanto à pertinência da política, ressaltada pela altíssima evasão escolar nas famílias de menor renda, é evidente que a medida demanda também uma expansão nos investimentos. Do contrário, a tendência é de ainda maior perda de qualidade. A política macroeconômica da União, no entanto, vai em direção oposta a tal necessidade.
Finalmente, a obrigatoriedade ou não das disciplinas está sujeita à ainda não regulamentada nova Base Nacional Comum Curricular. As diretrizes da MP, porém, sinalizam para a priorização dos conhecimentos “práticos”. Neste ponto, conclui-se ressaltando com justiça a crescente pertinência das críticas marxistas à Teoria do Capital Humano; nas palavras de Cristina da Silva: “a educação continua servindo ao capital, seja formando a mão de obra e o tipo de homem que é útil para este sistema, ou seja pelo mascaramento das relações sociais e desigualdades provocadas pelo modelo.”
Referências do texto:
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pre-sal-decola-em-2016-e-ajuda-educacao-7pgnvibmcbwea83ouvwrdl6tp
Cristina da Silva, Edilaine. Teoria do Capital Humano e a Relação Educação e Capitalismo.
De Barros, Ricardo Paes; Mendonça, Rosane. Investimentos em Educação e Desenvolvimento Econômico.
Franca, Maíra Penna. Perspectiva do investimento público em educação: é possível alcançar 10% do PIB?
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160104_royalties_educacao_pai
https://www.cartacapital.com.br/educacao/reforma-do-ensino-medio-e-um-retorno-piorado-a-decada-de-1990
Referência da imagem:
*Gabriel
Thomas Dotta
é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)
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