A seção "Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática" é produzida por alunos do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Teoria das Relações Internacionais, Dra. Janiffer Zarpelon. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.
As contribuições da Teoria da Interdependência para a análise das Conferências Internacionais da ONU sobre Meio Ambiente.
* Juliano Giacomazzi Wedderhoff
INTRODUÇÃO
O tema da degradação ambiental só começou a ser discutido em âmbito internacional na segunda metade do século XX. Em 1972, a conferência de Estocolmo foi o primeiro evento da ONU a elencar princípios sobre a preservação do meio ambiente e criar um plano de ação contendo recomendações para uma ação internacional ambiental. Além de recomendar aos Estados um maior cuidado com políticas que poderiam agravar o aquecimento global e a avaliação da possibilidade, magnitude e efeitos das mudanças climáticas.
Desde então, houve um gradativo aumento de interesse por
parte dos Estados na questão ambiental. A partir da ocorrência de fenômenos
como a degradação da camada de ozônio e a chuva ácida, cada vez mais pesquisas
foram sendo feitas e a atenção da opinião pública sobre o assunto cresceu, culminando
na criação de ONG’s internacionais para combater a degradação ambiental, como
por exemplo o Greenpeace.
Em 1992 ocorre outra conferência para se discutir assuntos
ambientais, a Eco-92 no Rio de Janeiro, que cria a Agenda 21, um reflexo do
consenso sobre desenvolvimento e cooperação ambiental, estabelencendo ligação
entre desenvolvimento sustentável, ciência, consumo energético, transportes,
desenvolvimento industrial, entre outras questões. A conferência também gerou a
Convenção da ONU sobre Assuntos Climáticos que visava a estabilização da
concentração de gases de efeito estufa, assinada por 158 países. Em 1997, o
Protocolo de Kyoto foi adicionado à convenção para limitar a emissão de dióxido
de carbono e outros gases até no mínimo 5% abaixo dos níveis de 1990.
Na virada do século, a importância das questões relacionadas
ao meio ambiente estava consolidada internacionalmente. Mais conferências foram
feitas, como a Cúpula do Desenvolvimento Sustentável em Johannesburgo em 2002,
a Rio+20 em 2012 e a COP 21 cediada em Paris em 2015, que gerou a formulação do
Acordo de Paris, considerado o mais ambicioso acordo internacional sobre a
questão ambiental já feito, mas que sofre duras críticas em relação ao
comprometimento dos países e a falta de mecanismos obrigatórios.
As conferências internacionais sobre assuntos relacionados
ao meio ambiente, os tratados internacionais e as decisões tomadas pelos
Estados em âmbito internacional sobre esse tema serão analisadas pela teoria da
interdependência de Joseph Nye e o conceito de governança global de James
Rosenau.
CONTRIBUIÇÃO TEÓRICA
J oseph Nye define a globalização como
redes mundiais de interdependência, que não são homogêneas nem universais
devido à desigualdade da distribuição destas conexões. A forma mais antiga de
globalização seria a ambiental, por meio de epidemias e doenças. A globalização
social compreende a disseminação de pessoas, culturas, imagens e ideias. A
globalização política (como parte da social) seria a disseminação de
disposições constitucionais, aumento do número de países democraticos,
desenvolvimento de regras e instituições internacionais.
A globalização vem acontecendo há séculos, mas a do século
XXI seria diferente, por causa da revolução da informação que gerou um
expressivo aumento nas redes de interdependência. Uma das consequências da
crescente conexão são efeitos em uma região geográfica que podem ter
consequências profundas sobre outras.
Interdependência não significa necessariamente paz e
cooperação, as lutas pelo poder continuam, há conflitos, pois a globalização é
acompanhada de uma incerteza constante, imprevisibilidade. O conceito de
interdependência é definido por situações nas quais os protagonistas ou os
acontecimentos em diferentes partes de um sistema afetam-se mutuamente. Ela
pode se originar em fenômenos materiais (naturais) ou sociais (econômicos
políticos ou perceptivos).
Quatro
distinções esclarecem as dimensões da interdependência: origens, benefícios,
custos relativos e simetria. Diferença nas percepções podem reduzir a
intensidade da interdependência. Existem diferentes distribuições de benefícios
e mesmo com um ganho em conjunto, poderá haver conflitos em relação à divisão dos mesmos. Ainda haveria ganhos
de soma zero, mas também ganhos recíprocos e perdas recíprocas. A
interdependência gera benefícios que encorajam o cooperação, mas ela pode ser
usada como uma arma como é o caso das sansões econômicas. A distinção sobre o
que é interno ou externo a um país torna-se indistinta.
A interdependência mistura o tempo todo as questões internas
e externas, o que produz o surgimento de coalizões muito mais complexas,
padrões de conflito muito mais intrincados do que no passado. A teoria clássica
do equilíbrio de poder, que prevê que um país irá agir apenas para manter o
outro pior desde que o outro tenha preponderância, não é mais válida. Na
interdependência econômica, os Estados estão interessados tanto nos ganhos
absolutos quanto nos ganhos relativos dos outros Estados.
A sensibilidade seria a rapidez com que as mudanças em uma
parte do sistema produzem mudanças em outra parte. Já a vulnerabilidade seria
os custos relativos de mudar a estrutura de um sistema de interdependência.
Sendo que um país menos vunerável não é necessariamente o menos sensível, é o
que teria menores custos pela alteração da situação e que pode reagir
rapidamente às mudanças. A simetria seria situações de dependência
relativamente equilibrada e a assimetria seria situações em que há um
desequilíbrio. Nesta última, os Estados tentam manipular a interdependência em
setores em que são mais fortes e evitam ser manipulados em setores em que são
mais fracos.
De acordo com James Rosenau, governança é um fenômeno mais
amplo do que governo. Ela abrange as instituições governamentais, mas implica
mecanismos infomais de caráter não governamental, que fazem com que as pessoas
e os organizações dentro da sua área de atuação tenham uma conduta determinada,
satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas. Por meio de atividades
apoiadas em objetivos comuns que não dependem necessariamente do poder político
para que sejam aceitas, apenas a aprovação da maioria. Devido a não existência
de um governo central global, práticas de governança em nível internacional
seriam caracterizadas pela ausência de um governo. Havendo então uma governança
sem governo.
ANÁLISE CRÍTICA
A interdependência ambiental seria, de acordo com Nye, a
forma mais antiga de globalização. Não é uma surpresa, então, que ela se torne
cada vez mais importante e decisiva ao longo da história, principalmente agora após
a revolução da informação e o adensamento das redes de dependência em escala
global.
O meio ambiente é um bem comum a todos os Estados, não sendo
possível um país se isolar ambientalmente, principalmente na questão do aumento
da temperatura terrestre. Essa dependência ecológica está extremamente ligada
aos interesses econômicos dos países, que geralmente consideram a economia mais
importante do que outras questões, ignorando os efeitos da degradação
ambiental, que já estão ocorrendo e que podem se agravar no futuro.
O aquecimento global é obviamente um fenômeno que ocorre
para todos os Estados, pois todos estão constituídos no mesmo planeta, a Terra.
Mas isso não quer dizer que os efeitos das mudanças climáticas são sentidos da
mesma forma por todos os países. Como descrito por Nye, a sensibilidade e a
vulnerabilidade dos Estados em relação a mudanças no sistema, são diferentes
para cada país. O aumento da temperatura terrestre influencia de maneiras
distintas os Estados, um exemplo disso é a situação de muitos países insulares
como o caso de Tuvalu, cujo território corre risco de desaparecer pelo aumento
no nível do mar.
Essa diferença nos graus de vulnerabilidade e sensibilidade
é um dos principais problemas na criação de políticas ambientais globais
efetivas. Sendo que os maiores impactos ambientais são causados pelas grandes
potências mundiais, consideravelmente menos vulneráveis, que cresceram
economicamente às custas da degradação do meio ambiente em escala global. Existindo
também o caso dos países emergentes, que defendem a degradação do meio ambiente
para que possam se desenvolver como os países mais ricos fizeram.
A interdependência se mostra então muito clara, principalmente
pela ocorrência de fenômenos sofridos por Estados que geram um impacto mínimo
comparado aos países de grande porte econômico. O planeta inteiro está sofrendo
as consequências da degradação provocada por alguns países que vêm seu
desenvolvimento econômico como prioridade.
Os interesses econômicos são os principais culpados do uso
inconsequente dos recursos naturais ,ou melhor, bens comuns do planeta. O
desenvolvimento a qualquer custo não é mais uma opção, a sociedade do consumo
pelo consumo, do ter para ser, dos produtos descartáveis, dos combústiveis
fósseis, que pulveriza veneno na sua própria comida, que extingue a
biodiversidade da Terra, que não percebe a interdependência da natureza e o ser
humano, não é mais viável.
Com a percepção de que os custos desse desenvolvimento estão
se tornando muito altos para seus ganhos monetários, movidos pela existência de
muitas evidências claras e de forte pressão popular, os Estados resolveram dar
atenção à questão ambiental global.
As famosas conferências da ONU sobre questões ambientais são
fruto dessa interdependência global ambiental, negada pelos Estados até então. A
natureza ampla dos problemas ambientais, sua relação com vários assuntos como a
economia e desenvolvimento, caracterizam as políticas de encontros
internacionais sobre o tema ambiental, em especial o das mudanças climáticas,
como uma forma de governança, pois, segundo Rosenau, seria a junção de vários
regimes internacionais ligados ao assunto. Além de ser necessária a adesão de
uma grande maioria de Estados nos acordos, principalmente as grandes potências.
O objetivo dessas reuniões temáticas entre os países é
justamente tomar decisões em conjunto para que todos façam parte da solução,
visando a evitar uma piora na situação ambiental e principalmente climática
atual. A governança torna-se necessária para a efetivação desses objetivos.
Entender que o ser humano não pode se separar da natureza e
que a sociedade atual precisa de mudanças econômicas e sociais é fundamental
para o verdadeiro comprometimento da população e dos Estados na consolidação de
uma verdadeira governança global que vise à melhora na relação humano-natureza
e entre humanos, promovendo um desenvolvimento realmente sustentável,
aproveitando os avanços que a crescente interdependência internacional gera,
para cooperar de uma forma nunca vista antes na história da humanidade.
Referências:
NYE,
Joseph. Cooperação e Conflito na Relações Internacionais.
ROSENAU,
James. Governança sem Governo: Ordem e Transformação na Política Mundial.
Sites:
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