A Vitória do “Não” no plebiscito sobre a paz na Colômbia : o
que acontece agora?
*Por Andrew Patrick Traumann
Em um dia histórico, o povo colombiano decidiu ontem não
referendar o acordo de paz costurado entre o governo e as FARC. Para aqueles
que acompanham o processo a distância parece no mínimo estranho que a população
rejeite “uma paz estável e duradoura”,como constava na pergunta da cédula de
votação. Há, porém uma série de fatores internos que explicam o que ocorreu na
Colômbia.
Quando o presidente Juan Manuel Santos foi reeleito em 2014,
sua vitória foi vista como um sinal verde da população para o prosseguimento
das negociações de paz. Muitos dos assessores do presidente por isso o
aconselharam a não convocar um plebiscito para referendar o Acordo, uma vez que
este já tinha o apoio tácito da população, que afinal o reelegera. Santos, talvez
demonstrando excesso de confiança, insistiu no plebiscito e tal como David
Cameron em relação ao Brexit, foi vítima de sua própria invenção.
Analistas dizem que o “Não” também foi um voto contra Santos.
Além de reclamações gerais acerca do seu governo incluindo o sistema de saúde
precário e os altos índices de desemprego há uma divisão ideológica clara. Setores
conservadores da sociedade colombiana têm demonstrado constantemente sua
irritação com o que chamam de ensino da “ideologia de gênero” nas escolas. Tudo
começou quando o governo passou a distribuir uma cartilha intitulada “Ambientes
Escolares Livres de Discriminação”. A cartilha pregava a tolerância à
diversidade. Ponto. No entanto, o que foi divulgado nas redes sociais era que a
cartilha estimulava a homossexualidade. Reforçava este argumento o fato de a Ministra
da Educação Gina Parody ser homossexual. O presidente Santos teve que vir a
público apoiar Parody e ao mesmo tempo garantir que a cartilha não fazia
apologia a nenhum tipo de orientação sexual. A polêmica, contudo, aumentou
ainda mais a polarização no país.
Outra razão para o “Não” era a suposta possibilidade de uma
renegociação do Acordo com as FARC. O
senador e ex-presidente Álvaro Uribe foi o maior difusor da ideia de que o
“Não” não significava uma rejeição à paz, mas sim um “Não” a impunidade dos
guerrilheiros. Mas afinal, o que havia no texto do Acordo que gerou tanta
polêmica?
Em primeiro lugar, o texto deixa no ar a possibilidade de
impunidade tanto para a guerrilha quanto para os paramilitares. Crimes como assassinatos,
seqüestros e estupros seriam punidos com no máximo oito anos de cadeia
comutáveis por trabalhos comunitários como a construção de creches, hospitais, estradas
etc. Ou seja, alguém que cometeu crimes contra a humanidade não deveria mais nada
a Justiça após trabalhar alguns anos como pedreiro para o Estado. Além disso,
as FARC se tornariam um partido político com cinco cadeiras garantidas na
Câmara e no Senado pelos próximos dois pleitos. Não se falou também em
reparação as vítimas. Assim, é compreensível que boa parte da população, por
mais que queira a paz, não esteja disposta a pagar este preço.
De todo modo, o Acordo era uma forma de acabar com uma
guerra que dura mais de cinqüenta anos, que pelo menos daqui por diante não haveria
mais seqüestros, massacres, deslocamentos forçados (quase 7 milhões de pessoas
foram expulsas de seus locais de origem durante a guerra,número maior do que o
conflito sírio). Seria um acordo ruim, sem dúvida, mas seria o acordo possível.
E agora?
Há dois caminhos: um seria recomeçar as negociações e Santos
teria que chamar negociadores do “Não” como o ex presidente e adversário
político Álvaro Uribe,o grande vitorioso de ontem. Outro caminho seria convocar
uma Assembleia Constituinte, o que também fortaleceria a ingerência da oposição
no Acordo. O que é certo é que todo o Processo de Paz no momento se encontra
paralisado. Sem a aprovação do Acordo, tudo o que foi decidido em Havana não tem
efeito jurídico. A bola agora está com os partidários do “Não” que terão que
mostrar ao país que possuem uma solução melhor e que são mais habilidosos para
negociar com as FARC para que assim finalmente termine um dos mais longos
conflitos da História.
*Andrew Patrick Traumann é Doutor em
História, Cultura e Poder pela UFPR e professor de História das Relações
Internacionais do UNICURITIBA.
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