domingo, 20 de maio de 2012

Resenha do livro “Caos e governabilidade no moderno sistema mundial”



                                                                                                          Bruno Hendler[1]

O professor de sociologia da Universidade Johns Hopkins, Giovanni Arrighi, faleceu em 2009 deixando uma vasta literatura em que buscou, em última instância, responder aos atuais questionamentos sobre as transformações da economia política mundial nos últimos quarenta anos. Suas principais obras são, em ordem de publicação: “O Longo Século XX” (1996), “Caos e Governabilidade no Moderno Sistema Mundial” (2001) e “Adam Smith em Pequim” (2008). Junto com Immanuel Wallerstein, seu nome é um ícone da abordagem interdisciplinar da economia política dos sistemas-mundo, dialogando com conceitos da economia clássica, da historiografia da Escola de Annales, ciência política e sociologia.
O livro “Caos e Governabilidade” (CG), fruto da parceria de Arrighi com Beverly J. Silver, é o segundo da trilogia do autor, em que se estabelece uma espécie de ponte entre a densa análise histórico-teórica do “O Longo Século XX” e as perspectivas do século XXI apontadas em “Adam Smith em Pequim”. Por esta razão é importante o debate sobre a obra que condensa, de forma concisa e didática, a perspectiva do sistema-mundo, sendo acessível para os iniciantes e elucidativa para os já familiarizados com a teoria.
Na introdução de CG, Arrighi deixa claro que o sistema internacional oscila entre momentos de caos e governabilidade. Esta deriva de um poder hegemônico que exerce papel central na economia-mundo e é capaz de liderar os demais Estados por meio do consenso. Já o caos decorre da crise hegemônica, em que a típica anarquia internacional dá lugar a “uma escalada da competição e dos conflitos que ultrapassa a capacidade reguladora das estruturas existentes” (ARRIGHI; SILVER, 2001, p. 42), ou seja, as estruturas da ordem vigente são confrontadas por novos modelos desafiantes.
Desde seu surgimento em fins da Idade Média, o sistema-mundo moderno testemunhou a ocorrência de três hegemonias mundiais: a holandesa, no século XVII; a inglesa no século XIX; e a norte-americana no século XX. As transições de uma hegemonia a outra foram marcadas pelo aumento do caos sistêmico e a hipótese do livro é que vivemos, desde a década de 1970, um novo caos, marcado pela crise da hegemonia norte-americana.
Portanto, a proposta do livro é estabelecer analogias, identificar rupturas e continuidades entre as transições do passado e a suposta transição que estaria ocorrendo neste exato momento, da hegemonia dos EUA para um rumo ainda desconhecido (ARRIGHI; SILVER, 2001, p. 13).
O primeiro capítulo foca-se na questão dos Estados nacionais e em como a disputa por poder entre eles levou a escaladas de violência que colapsaram a lógica de governo vigente e reorganizaram o sistema sob o comando de uma hegemonia nova e mais abrangente. Na transição da hegemonia holandesa para a inglesa, Arrighi demonstra como a disputa entre França e Inglaterra no século XVIII provocou a exclusão de Estados “protonacionais” como a Holanda. Já na transição da hegemonia inglesa para a norte-americana foram excluídos os Estados nacionais que não possuíam complexos industriais bélicos em escala continental, sobrevivendo apenas as duas superpotências da Guerra Fria.
O segundo capítulo trata dos agentes empresariais, enfocando o sucesso e fracasso das diferentes alianças entre o capital privado e os Estados. As companhias de comércio holandesas foram verdadeiras “máquinas de acumulação de poder e riqueza” que fizeram de Amsterdã o centro financeiro mundial. Porém, aos poucos foram suplantadas pela lógica industrial das empresas familiares inglesas. De forma homóloga, estas mesmas empresas sofreram concorrência e foram substituídas, um século depois, por grandes corporações cuja lógica de acumulação baseava-se na otimização dos recursos tecnológicos disponíveis e no protecionismo estatal – principalmente nos EUA, Alemanha e Japão.
O terceiro capítulo examina como os pactos sociais, estabelecidos durante períodos hegemônicos, se desfizeram em épocas de caos sistêmico, gerando insatisfação e revoltas tanto no centro quanto na periferia do sistema-mundo. O modelo colonial mercantilista, implantado pelos ibéricos e adotado por holandeses e franceses, sofreu severos golpes no século das luzes e as elites coloniais, bem como as massas das metrópoles monárquicas, sublevaram-se contra seus governos, dando origem a uma série de independências e revoluções de cunho iluminista. De forma homóloga, ao final do século XIX e durante as guerras mundiais, as massas de trabalhadores se organizaram em busca de melhores condições de vida e os soldados, movidos pelo nacionalismo, voltaram para casa armados, assustados com a destruição e dispostos a fazer uma revolução contra o sistema pelo qual lutaram (ARRIGHI; SILVER, 2001, p. 199).
No quarto e último capítulo, os autores colocam as hegemonias ocidentais em perspectiva histórica mundial, afirmando que para o resto do mundo, estes poderes foram apenas dominação sem consentimento culminando, após cerca de cinco séculos, numa revolta contra o Ocidente iniciada no século XX (Arrighi; SILVER, 2001, p. 228). Em contrapartida, os autores percebem a ascensão do Leste da Ásia como “o centro mais dinâmico dos processos de acumulação de capital” em que a China exerce o papel central e pode por fim ao ciclo de supremacia ocidental sobre o resto do mundo.
Na conclusão da obra, Arrighi e Silver enumeram cinco hipóteses (proposições) a serem verificadas à luz do desdobramento dos fatos no século XXI.
1)   A expansão financeira iniciada na década de 1970 é o sinal mais claro de que vivemos uma crise hegemônica que pode acabar em uma catástrofe maior ou menor dependendo do comportamento desta hegemonia.
2)   Ao contrário dos caos sistêmicos do passado, hoje se percebe uma bifurcação entre poder militar e poder financeiro – aquele restando nas mãos dos EUA e este migrando para o Leste da Ásia. Para os autores, este processo reduz a chance de guerra entre as potências mas não reduz a possibilidade de um caos sistêmico prolongado.
3)   Enquanto as ondas de globalização do passado estiveram associadas ao aumento de poder dos Estados nacionais, a globalização do século XX é marcada pela perda de poder estatal frente às empresas transnacionais e outros agentes internacionais.
4)   Tal como nos caos sistêmicos do passado, é esperada uma onda de conflitos sociais que reflitam a crescente proletarização, feminização e mudança geográfica e étnica das forças de trabalho mundiais.
5)   Por fim, segundo os autores, o grande desafio para o futuro não está no choque de civilizações mas na transformação do mundo moderno em uma comunidade de civilizações que reflita a mudança do equilíbrio de poder entre as civilizações ocidentais e não ocidentais.

Referências bibliográficas

ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora Unesp, 1996.
______; SILVER, Beverly J. Caos e governabilidade no moderno sistema mundial. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora UFRJ, 2001.
______; Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São Paulo: Boitempo, 2008.


[1] Egresso da UNICURITIBA, Bruno Hendler atualmente cursa o Mestrado em Relações Internacionais da UNB.

Um comentário:

  1. "O declinio do oeste" do Oswald Spengler previa isso, publicado em 1918! Esses autores estão chovendo no molhado.

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