Bruno
Hendler[1]
O
professor de sociologia da Universidade Johns Hopkins, Giovanni Arrighi, faleceu
em 2009 deixando uma vasta literatura em que buscou, em última instância, responder
aos atuais questionamentos sobre as transformações da economia política mundial
nos últimos quarenta anos. Suas principais obras são, em ordem de publicação:
“O Longo Século XX” (1996), “Caos e Governabilidade no Moderno Sistema Mundial”
(2001) e “Adam Smith em Pequim” (2008). Junto com Immanuel Wallerstein, seu
nome é um ícone da abordagem interdisciplinar da economia política dos sistemas-mundo,
dialogando com conceitos da economia clássica, da historiografia da Escola de
Annales, ciência política e sociologia.
O
livro “Caos e Governabilidade” (CG), fruto da parceria de Arrighi com Beverly
J. Silver, é o segundo da trilogia do autor, em que se estabelece uma espécie
de ponte entre a densa análise histórico-teórica do “O Longo Século XX” e as
perspectivas do século XXI apontadas em “Adam Smith em Pequim”. Por esta razão é
importante o debate sobre a obra que condensa, de forma concisa e didática, a perspectiva
do sistema-mundo, sendo acessível para os iniciantes e elucidativa para os já familiarizados
com a teoria.
Na
introdução de CG, Arrighi deixa claro que o sistema internacional oscila entre
momentos de caos e governabilidade. Esta deriva de um poder hegemônico que
exerce papel central na economia-mundo e é capaz de liderar os demais Estados por
meio do consenso. Já o caos decorre da crise hegemônica, em que a típica
anarquia internacional dá lugar a “uma
escalada da competição e dos conflitos que ultrapassa a capacidade reguladora
das estruturas existentes” (ARRIGHI; SILVER, 2001, p. 42), ou seja, as
estruturas da ordem vigente são confrontadas por novos modelos desafiantes.
Desde seu surgimento em fins da Idade Média, o
sistema-mundo moderno testemunhou a ocorrência de três hegemonias mundiais: a
holandesa, no século XVII; a inglesa no século XIX; e a norte-americana no
século XX. As transições de uma hegemonia a outra foram marcadas pelo aumento
do caos sistêmico e a hipótese do livro é que vivemos, desde a década de 1970,
um novo caos, marcado pela crise da hegemonia norte-americana.
Portanto, a proposta do livro é estabelecer analogias,
identificar rupturas e continuidades entre as transições do passado e a suposta
transição que estaria ocorrendo neste exato momento, da hegemonia dos EUA para
um rumo ainda desconhecido (ARRIGHI; SILVER, 2001, p. 13).
O primeiro capítulo foca-se na questão dos Estados
nacionais e em como a disputa por poder entre eles levou a escaladas de
violência que colapsaram a lógica de governo vigente e reorganizaram o sistema
sob o comando de uma hegemonia nova e mais abrangente. Na transição da
hegemonia holandesa para a inglesa, Arrighi demonstra como a disputa entre
França e Inglaterra no século XVIII provocou a exclusão de Estados
“protonacionais” como a Holanda. Já na transição da hegemonia inglesa para a
norte-americana foram excluídos os Estados nacionais que não possuíam complexos
industriais bélicos em escala continental, sobrevivendo apenas as duas
superpotências da Guerra Fria.
O segundo capítulo trata dos agentes empresariais,
enfocando o sucesso e fracasso das diferentes alianças entre o capital privado
e os Estados. As companhias de comércio holandesas foram verdadeiras “máquinas
de acumulação de poder e riqueza” que fizeram de Amsterdã o centro financeiro
mundial. Porém, aos poucos foram suplantadas pela lógica industrial das
empresas familiares inglesas. De forma homóloga, estas mesmas empresas sofreram
concorrência e foram substituídas, um século depois, por grandes corporações
cuja lógica de acumulação baseava-se na otimização dos recursos tecnológicos
disponíveis e no protecionismo estatal – principalmente nos EUA, Alemanha e
Japão.
O terceiro capítulo examina como os pactos sociais,
estabelecidos durante períodos hegemônicos, se desfizeram em épocas de caos
sistêmico, gerando insatisfação e revoltas tanto no centro quanto na periferia do
sistema-mundo. O modelo colonial mercantilista, implantado pelos ibéricos e
adotado por holandeses e franceses, sofreu severos golpes no século das luzes e
as elites coloniais, bem como as massas das metrópoles monárquicas, sublevaram-se
contra seus governos, dando origem a uma série de independências e revoluções de
cunho iluminista. De forma homóloga, ao final do século XIX e durante as
guerras mundiais, as massas de trabalhadores se organizaram em busca de
melhores condições de vida e os soldados, movidos pelo nacionalismo, voltaram
para casa armados, assustados com a destruição e dispostos a fazer uma
revolução contra o sistema pelo qual lutaram (ARRIGHI; SILVER, 2001, p. 199).
No quarto e último capítulo, os autores colocam as
hegemonias ocidentais em perspectiva histórica mundial, afirmando que para o
resto do mundo, estes poderes foram apenas dominação sem consentimento
culminando, após cerca de cinco séculos, numa revolta contra o Ocidente iniciada
no século XX (Arrighi; SILVER,
2001, p. 228). Em contrapartida, os autores percebem a ascensão do Leste da
Ásia como “o centro mais dinâmico dos processos de acumulação de capital” em
que a China exerce o papel central e pode por fim ao ciclo de supremacia ocidental
sobre o resto do mundo.
Na conclusão da obra, Arrighi e Silver enumeram cinco
hipóteses (proposições) a serem verificadas à luz do desdobramento dos fatos no
século XXI.
1) A expansão financeira
iniciada na década de 1970 é o sinal mais claro de que vivemos uma crise hegemônica
que pode acabar em uma catástrofe maior ou menor dependendo do comportamento
desta hegemonia.
2)
Ao contrário dos caos sistêmicos do passado, hoje se
percebe uma bifurcação entre poder militar e poder financeiro – aquele restando
nas mãos dos EUA e este migrando para o Leste da Ásia. Para os autores,
este processo reduz a chance de guerra entre as potências mas não reduz a
possibilidade de um caos sistêmico prolongado.
3) Enquanto as ondas de
globalização do passado estiveram associadas ao aumento de poder dos Estados
nacionais, a globalização do século XX é marcada pela perda de poder estatal
frente às empresas transnacionais e outros agentes internacionais.
4)
Tal como nos caos sistêmicos do passado, é esperada uma
onda de conflitos sociais que reflitam a crescente proletarização, feminização
e mudança geográfica e étnica das forças de trabalho mundiais.
5)
Por fim, segundo os autores, o grande desafio para o
futuro não está no choque de civilizações mas na transformação do mundo moderno
em uma comunidade de civilizações que reflita a mudança do equilíbrio de poder
entre as civilizações ocidentais e não ocidentais.
Referências bibliográficas
ARRIGHI,
Giovanni. O longo século XX: dinheiro,
poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo:
Editora Unesp, 1996.
______; SILVER, Beverly J. Caos e governabilidade no moderno sistema
mundial. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora UFRJ, 2001.
______; Adam
Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São Paulo: Boitempo,
2008.
[1] Egresso da UNICURITIBA, Bruno
Hendler atualmente cursa o Mestrado em Relações
Internacionais da UNB.
"O declinio do oeste" do Oswald Spengler previa isso, publicado em 1918! Esses autores estão chovendo no molhado.
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