quinta-feira, 19 de maio de 2011

O “JEITINHO” COMO ELEMENTO DA IDENTIDADE E DO COMPORTAMENTO SOCIAL DOS BRASILEIROS

*Camile Wiederkehr



“E o sr. não pode dar um ‘jeitinho’?” Essa frase provavelmente é uma das expressões mais populares no âmbito da sociedade urbana brasileira. Poucos são os que nunca lançaram mão dessa frase, com voz macia, ares simpáticos e olhos suplicantes. De certo modo o “jeitinho” é basicamente um falar de aprovação, que faz parte do caráter brasileiro, pois sintetiza o lado cordial, simpático, alegre e esperto (BARBOSA, 2006).
O “jeitinho brasileiro” é do conhecimento de todos e está muito presente no cotidiano dos brasileiros; faz parte do contexto histórico e moderno da nossa sociedade e somos conhecidos por essa maneira peculiar de lidar com nossos problemas internos.
O “jeitinho” é visto pela população, e também na literatura em geral, tanto positivamente quanto negativamente.
Quando relacionado a questões econômicas e políticas, ele pode ser interpretado de forma negativa; e quando é empregado no âmbito das relações sociais, é tido como saudável, sendo até aprovado e valorizado.
Entendemos que o “jeitinho” é utilizado por todas as classes sociais. No cotidiano, o “jeitinho” tem diversos significados e as mais comuns são o “jogo de cintura”, o “sair do aperto”, o “possuir ginga”, o “se dar bem”.
Em países como os Estados Unidos, a igualdade dos cidadãos é vista como igualdade perante a lei, num sistema legal apoiado em princípios gerais que asseguram as liberdades individuais. Em relação às leis, por exemplo, as regras ou são obedecidas ou não existem, ou seja, há coerência profunda entre a regra jurídica e as práticas cotidianas. Segundo descrito por DaMatta (1997), em tais sociedades (como nos Estados Unidos, na França e na Inglaterra) as normas não são estabelecidas com o propósito de contrariar, em certos casos, o bom senso e as regras da sociedade. Lá a lei é um instrumento que, de modo geral, faz a sociedade funcionar bem.
No Brasil, ao contrário, as leis estão sendo utilizadas para corrigir ou mesmo reinventar a sociedade, onde, como resultado, a lei acaba sendo percebida pela sociedade como “não formal”. Desta forma a sociedade brasileira transita entre um sistema legal quase sempre diferente da realidade social. A legislação brasileira, apesar de ser considerada uma das mais avançadas, é vulnerável em vários pontos. Cada brasileiro é um especialista em matéria de encontrar brechas na lei e explorá-las em beneficio próprio como, por exemplo, no pagamento tributário. De certa forma, essas soluções criativas enriquecem a cultura e até mesmo aprimoram as leis. Percebemos esta característica de criar soluções além das óbvias, quando, por exemplo, os brasileiros vão trabalhar fora do país e são muito elogiados pela sua criatividade e por saber pensar “fora da caixa”.
O apreço pela informalidade é outra particularidade do brasileiro: no dia a dia chamamos companheiros de trabalho e até mesmo clientes com apelidos ou diminutivos. No espaço de negócios permanece a apreensão de fazer com que a amizade ganhe uma importância significativa, algo completamente raro em países que zelam pela objetividade e pelo individualismo.
Percebemos então, que o “jeitinho brasileiro” pode aparecer em seu lado positivo quanto em seu lado negativo em nossa sociedade. Percebemos isso através da criatividade e flexibilidade de nosso povo, e também no burlar das normas e na obtenção de vantagens em situações quotidianas. Este jogo de cintura é característica singular de nosso povo. Seja para sustentar a família, seja no trabalho, seja para melhorar de vida, seja para utilizar a lei em seu favor ou tentar levar vantagem para obter benefícios. É importante não caracterizarmos o “jeitinho” como algo maléfico para a sociedade, pois o “jeitinho” é uma característica intrínseca da cultura brasileira e é uma forma conveniente de criar a partir do pouco que se tem e de ter a elasticidade necessária para passar por situações novas, o que é muito valorizado neste mundo globalizado.
O fato é que o problema está muito mais no brasileiro, cidadão, do que nosso ‘sistema’. É pouco provável que algo mude para melhor, se o costume da desobediência, do favorecimento ilegítimo e da carência de moral seja ‘aceitável’ pela maior parte da população. É primordial que o exemplo venha de nós, cidadãos, através da escolha de nossos representantes no governo, do respeito para com o próximo e para o que é de todos. Cada um de nós tem a responsabilidade de prezar pela ética na construção de um país mais justo e igual.

Referências: 
BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual do que os outros. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
DAMATTA, Roberto. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. Ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
Sugestão de leitura:
Os nortes da bússola: manual para conviver e negociar com culturas estrangeiras, de Andrea Sebben e Fernando Dourado Filho. Editora: Artes e Ofícios.

Camile Wiederkehr é ex-aluna de RI´s do UNICURITIBA


2 comentários:

  1. "Cafezinho Brasileiro"

    Assunto não muito discutido, mais muito interessante. Várias pessoas de cargos invejados da nossa sociedade, que pregam (ou deveriam pelos menos) a ética, não vivem seu dia-a-dia pautado por ela. Não foram poucas vezes que ouvi essa frase no meu serviço, não vou entrar em detalhes quanto a ele, mas nele o velho "jeitinho brasileiro" se transforma em "cafezinho brasileiro", e não é um caso exclusivo aqui de Curitiba ou do Paraná, é do Brasil como um todo. Como foi dito no texto é algo cultural, está inserido no "código genético" dos brasileiros e é passado para as gerações que seguem. Não foram poucas vezes que ouvi pessoas se gabando por ter tirado proveito de uma situação onde tiveram que dar o chamado "cafezinho", situações onde o "cafezinho" sai mais barato que se precisasse responder por uma penalidade maior. E muitos que julgam errado a pessoa que não cobra o "cafezinho" citando a seguinte frase: "como foi burr... aquele fulano por ter me penalizado, sendo que eu ofereci uma quantia boa, e o que ele me fez nem vai reverter para ele, vai para o Estado!". E coisas do tipo. Pessoas como essas que sempre querem "levar vantagem", muitas vezes agem sem saber que estão contribuindo para a corrupção, que só aumenta em nosso país.
    Quando será que isso vai mudar?

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  2. Este jeitinho não é nada bom para um amadurecimento de uma sociedade como a nossa,que luta um tanto quanto para se livrar da corrupção,um dos males que mais corroem os seres humanos e as nações em desenvolvimento em todo o mundo,pois tantos esforços que partem da sociedade civil e da mídia em geral no combate a este mal,mas que tem surtido pouco efeito,parece que herdamos isto dos nossos colonizadores? será? eu já ovi muito falarem isto,mas cá entre nós não sou muito de acordo com esta afirmação não,mas fico na dúvida e tento entender de outra maneira,acredito que a educação e um reaprendimento mais adequado e conservador seja a melhor forma para se ter exito em questões desta natureza. infelizmente o nosso país politicamente está entre os países mais corruptos,tanto passivamente como ativamente,sem falar do outro da moeda,onde se tem um jeitinho tem uma brecha e que muitas vezes esta brecha abre caminho para um sistema corrupto que não deixa de ser um mal que interrompe os avanços e o progresso de uma nação. os seres humanos em si são egoístas e também oportunistas e quando entra em ação este jeitinho nunca é para o bem do outro e sim da própria pessoa,pois antes eu do que meu amigo,pelo menos na nossa sociedade isto é que está enraizado,mas analisando,o jeitinho brasileiro expandiu para todas as àreas da nossa sociedade,até mesmo na aplicação das leis do nosso ordenamento jurídico e também da sanção jurídica,que de um jeito ou de outro tem-se uma solução imediata ao custo da desobidiência perante as leis,da falta de respeito para com o próximo e da negação aos direitos dos outros cidadãos. em meu entender só com seres humanos bem educados e instruídos que obtem-se um valor moral e uma conduta digna de respeito adequadamente ao convívio sociável,em que nenhuma outra pessoa seja beneficiado as custas dos outros,e sendo assim haveria um equilíbrio das massas,em relação a este quesito citado neste artigo. excelente artigo,um tema que convivemos no dia-a-dia,excelente escolha.

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