A seção "Lei de Migração" exibe pequenos artigos produzidos pelos integrantes do Grupo de Pesquisa “A Nova Lei de Migração e as mudanças no tratamento de migrantes e refugiados no Brasil”, coordenado pela Professora Michele Hastreiter.
Isabella Louise Traub Soares de Souza
Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR), graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA),
participante do Grupo de Pesquisa “A Nova Lei de Migração e as mudanças no
tratamento de migrantes e refugiados no Brasil”.
O
ser humano se desloca de um canto a outro do mundo desde os primórdios. Nos
últimos tempos o aumento do fluxo migratório fez com que milhões de pessoas
vissem a necessidade de migrar, sejam por motivos de desenvolvimento social,
econômico e cultural, desastres ambientais, mudanças climáticas, conflitos
armados, perseguições, crises políticas e/ou econômicas. De acordo com a
Organização das Nações Unidas (ONU), existem mais de 240 milhões de pessoas se
deslocando pelo mundo.
Quando
estas pessoas deixam o seu país de origem, chegando ao país de destino, é que
se faz necessário pensar em políticas de acolhimento, integração e
hospitalidade, bem como garantias, direitos e deveres, para que possam
reconstruir suas vidas. Entretanto, essas questões devem ser analisadas e
discutidas, pois além das convenções internacionais que garantem direitos a
estas pessoas, existem diversas legislações internas que tratam da proteção dos
migrantes, podendo ser mais ou menos protetivas de acordo com cada país.
Até
novembro de 2017 era vigente o Estatuto do
Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980) no Brasil, que tinha como princípios
norteadores a segurança nacional, organização institucional, interesses
políticos, socioeconômicos e culturais, e a defesa do trabalhador nacional, tendo
em vista seus resquícios ditatoriais e com medidas pouco protetivas ao
estrangeiro.
Considerando o aumento do fluxo migratório tendo o Brasil
como destino, é que se verificou a necessidade por uma nova legislação, de
forma a tratar aquele que entra como parte da sociedade, garantindo-lhes
direitos, acesso à justiça e políticas públicas, respeitando os Direitos
Humanos, questões que foram atendidas pela Lei de Migração (Lei nº
13.445/2017).
Inicialmente, é necessário compreender a quem esta nova
lei se destina. Nesse sentido, temos uma mudança quanto à nomenclatura, tendo
em vista que a lei anterior utilizava-se do termo ‘estrangeiro’ para referir-se
àquele que vem de outro país. Este termo foi substituído com a Lei de Migração,
que se utiliza da terminologia ‘migrante’, e no artigo 1º da referida lei
verifica-se as categorias para as quais se destina, sendo: imigrante,
emigrante, residente fronteiriço, visitante e apátrida. O termo e conceito de
migrante tinha por objetivo formalizar e estabelecer condição migratório, bem
como titularidade de direitos humanos, entretanto, este conceito foi
considerado “amplo”, sendo vetado.
A Lei de
Migração dispõe de 22 incisos para tratar sobre princípios e garantias,
constantes no rol do artigo 3º. O primeiro inciso abrange os princípios da
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos Direitos Humanos, sem
entrar no mérito do debate acerca da universalidade dos Direitos Humanos,
verifica-se uma aproximação da temática com o migrante, que anteriormente era
considerado um estranho e perigo à segurança nacional.
Os incisos
seguintes tratam sobre o repúdio e prevenção à xenofobia, racismo e qualquer
forma de discriminação, inclusive em razão dos critérios ou procedimentos da
entrada do migrante em território nacional. Tópico de extrema importância considerando
que a hostilidade tende a prevalecer sobre a hospitalidade, e tem gerado cada
vez mais o ódio e a intolerância. Nesse sentido, os incisos III e V, tratam
sobre a não criminalização da migração e o direito a entrada regular e de
regularização documental, isso porque anteriormente tinha-se o migrante que
entrava de forma ilegal, ou seja, sem visto, como criminoso, tendo sua liberdade
tolhida. A nova lei tem um viés voltado a garantia da ampla defesa e
contraditório, além de um prazo razoável para a regularização migratória.
A acolhida
humanitária, conhecida anteriormente por visto humanitário, está prevista na
lei: anteriormente era a exceção e hoje é a regra na lei, entretanto, até o
presente momento não houve a regulamentação deste instituto, deixando esta
questão em um limbo jurídico.
A nova lei
promove a elaboração e implementação de políticas públicas, de forma a garantir
o acesso igualitário e livre do migrante aos direitos fundamentais, como saúde
e educação, tendo permitido a participação em programas, benefícios sociais,
bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho,
moradia, serviço bancário e seguridade social, bem como o fortalecimento do
acolhimento, integração e hospitalidade.
Trata,
também, de aspectos voltados às crianças e adolescentes migrantes,
desacompanhados ou separados, visando à proteção integral e garantido o
superior interesse da criança, conforme estipulado na Convenção sobre os
Direitos da Criança.
Viabiliza a
questão trabalhista, pois o migrante pode solicitar visto de trabalho e ir em
busca de oportunidades. Todavia, é necessário que o migrante tenha diploma de
nível superior, no caso de não possuir comprovação de oferta de trabalho formalizada.
Tal exigência acaba por discriminar aqueles que estão em busca de
oportunidades, mas não possuem documentos capazes de comprovar a formação.
Com relação
aos diplomas, o inciso XXI garante promoção do reconhecimento acadêmico e do
exercício profissional no Brasil, por intermédio da revalidação de diplomas,
que infelizmente possui trâmite lento e burocrático, o que dificulta a garantia
deste direito.
Ainda,
deve-se pensar nos ganhos que a sociedade terá com a migração, como o aumento
do desenvolvimento econômico, social e cultural, que acabam sendo ocultados
pelos discursos de ódio, xenofobia e preconceito
A Lei de
Migração vem com um caráter humanista e em prol da dignidade da pessoa humana,
entretanto deve-se ter em mente que a legislação não traz efetividade por si
só. É necessário que políticas públicas sejam pensadas e implementadas de forma
a garantirem direitos e efetivá-los, pois, muitas são as dificuldades que os
migrantes possuem quando chegam em solo brasileiro, e até o presente momento
não há políticas que viabilizem a aplicação da nova Lei de Migração.
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