Por Clarissa Dri*
Nos últimos anos, as análises sobre a política externa brasileira fazem cada vez mais referência ao Brasil como “país emergente”, “nova potência”, “potência solidária”. A autoestima brasileira cresceu muito no âmbito internacional. Os cidadãos parecem mais confiantes na economia e nos rumos do Brasil, onde a crise financeira mundial ainda não conseguiu aportar. Sustenta-se que nossos diplomatas superaram a “síndrome de vira-lata”, que historicamente conduziu o Brasil a se subordinar a decisões tomadas pelos países centrais. As alianças sul-sul, a defesa da solução de conflitos pelo diálogo e as tentativas inovadoras de mediação caracterizam esse novo período da política externa do Brasil e legitimariam a nova forma do país encarar a si mesmo: como uma potência.
O que as análises parecem parcialmente negligenciar são as consequências de tal posição. Ressalta-se que o Brasil potência representa a protagonismo de novos atores no cenário internacional, antes marginalizados pelos tradicionais atores europeus e norte-americanos. Diz-se também que esse status deriva do crescimento econômico do Brasil e reflete o caminho para o primeiro mundo. Mas não se discute em profundidade, por exemplo, a militarização do Brasil. O Brasil potência vai precisar investir mais em armamentos e defesa? Também não está clara como será a relação com seus vizinhos ou outros países subdesenvolvidos. O Brasil potência conseguirá manter um diálogo horizontal com as não-potências?
Fala-se muito do Brasil como uma potência solidária em gestação. Mas em que a atuação das empresas brasileiras na América do Sul e na África difere da atuação de empresas norte-americanas, europeias ou chinesas? O Brasil começa a aventurar-se em programas de ajuda e cooperação ao desenvolvimento, mas por que eles são mais solidários do que os antigos e experientes programas europeus? Ademais, há muito se sabe das estreitas ligações entre política doméstica e política internacional. Na hipótese do Brasil potência, a configuração e o direcionamento desse potencial ficarão subordinados às forças políticas no poder. Que tipo de potência solidária seria o Brasil nas mãos de um governo conservador, nacionalista ou expansionista, por exemplo?
Não se está aqui advogando pela manutenção do status quo no sistema internacional, muito menos contra o desenvolvimento do Brasil e das mudanças na sua política externa. Trata-se apenas de alertar para o fato de que ideia de potencia merece ser mais trabalhada e questionada ao invés de ser simplesmente aceita como intrinsecamente positiva. Pode-se, por exemplo, pensar em que medida essa concepção deriva de um mimetismo do caso norte-americano. Para ser desenvolvido, o Brasil precisa ser necessariamente uma potência internacional, ou vice-versa? Indo além do modelo dos Estados Unidos, quais são os países desenvolvidos que não agem com métodos hegemônicos? Que alternativas existem para a inserção internacional de novos atores para além da criação de novas potências?
Parece paradoxal que os "países emergentes" queiram modificar o sistema internacional utilizando-se das mesmas ferramentas que o sustentam. A própria ideia de potência é viciada: parte do pressuposto da desigualdade natural do sistema internacional e acaba reproduzindo uma lógica da qual se considera superadora. Os brasileiros podem ser mais criativos do que isso.
Clarissa Dri é professora de relações internacionais da UFSC, doutora em ciência política da Universidade de Bordeaux.
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