quinta-feira, 7 de abril de 2011

São as estratégias utilizadas pelos EUA e aliados as melhores para lidar com os atuais conflitos? Parte I

Por Fernando Archetti*



Antes de responder a pergunta proposta para este ensaio, fazem-se necessárias algumas considerações sobre o atual ambiente de segurança. Para essa tarefa, o recorte temporal será o do atentado terrorista de 11 de setembro em 2001, já que se considera, aqui, como o ponto de partida para a percepção de que um ambiente velho tomou configurações fundamentalmente novas, alterando a dinâmica política mundial, através de um processo que começou com o desagregamento da URSS em 1991.

Conflito de baixa intensidade, guerra híbrida, guerra de quarta geração, guerra irregular, conflitos assimétrico, guerra não-convencional, guerra irrestrita etc. são algumas denominações utilizadas para descrever novos tipos de ameaça. Independente do acerto dos termos e de sua eficácia em descrevê-las, o surgimento deles evidencia que estamos diante de uma nova era de conflitos, em que os paradigmas de guerras industriais interestatais mostra-se insuficiente; diplomacia baseada em relações entre elites de países, baseada na premissa que, quando elites concordam entre si, soluções eficazes prevalecem, para que, então, governos as negociem e façam valer os acordos; serviços de inteligência baseados em um nível estatal são conceitos obsoletos, que não refletem a realidade global.

Por que, então, é assim? Por que são esses conceitos obsoletos? Por que eles não mais servem para explicar o ambiente de segurança mundial?


Responder isso impõe identificar as ameaças e esboçar uma possível explicação para tal ambiente para, então, mostrar como os antigos paradigmas não são suficientes para descrevê-lo.

O termo ‘’guerra ao terror’’ (GWOT), presente na Estratégia de Segurança Nacional de 2002 dos EUA, implica em um agrupamento do vasto número de inimigos dos EUA sob um conceito vago e equivocado e supõe que é possível fazê-lo; não o é. Sob esse conceito estão inimigos com interesses e objetivos contraditórios, grupos muitas vezes antagônicos.
A chamada ‘’guerra ao terror’’ pode ser descrita pelo fenômeno da guerrilha acidental (KILCULLEN, 2008).

Esse termo descreve um fenômeno em que um grupo vanguardista de terroristas takfiri, como a Al-Q’aida, estabelece-se em uma área remota, desgovernada ou que foge ao controle do governo ou áreas afetadas por conflitos, explorando problemas sociais, governança ineficaz, rivalidades locais. Essa primeira fase é chamada de ‘’infecção, em que são feitas células locais, sistemas de apoio, serviços de inteligência, de operações de informação e alianças locais. Assim, o terrorismo faz parte de um problema social mais amplo, que explora. É importante notar que nessa fase há resistência dos locais aos terroristas, embora não seja eficaz.

A segunda fase, o contágio, é uma preparação para a terceira, a intervenção. Nesse estágio, o grupo terrorista busca expandir sua influência através da violência ou do uso da propaganda, afetando o país e a região, como um todo. Essa fase busca desestabilizar a região, para chamar atenção da comunidade internacional, provocando a intervenção, a próxima fase.

Então, governos locais, regionais, ou a comunidade internacional buscam intervir para remediar a situação. Embora na fase inicial haja uma resistência local aos terroristas, uma intervenção militar em larga escala, como no Afeganistão, aliena a população e faz com que grupos locais se unam aos terroristas para expulsar a força externa, que é a quarta fase, a ‘’rejeição’’.

Nesse esquema, portanto, delineiam-se duas categorias de inimigos que são comumente agrupadas como uma só: a guerrilha acidental, local, que apenas quer a expulsão das forças interventoras de suas terras e que quer defender sua cultura, sua religião, seu modo de viver (SCHEUR, 2007); o grupo terrorista de orientação takfiri, que busca explorar mazelas sociais legítimas locais, tem orientação global, é ‘’arabizado’’ – o que causa ressentimento entre muçulmanos não-árabes -, pan-islâmico, e que quer impor sua visão salafista e tem pretensões expansionistas. Como exemplo do primeiro tipo, pode-se citar o Jaysh Al-Mahdi, do Iraque, e o Da’rul Islam, na Indonésia; do segundo tipo, tem-se a própria Al-Q’aida. Em comum, há o fato de serem subestatais.

Depois do 11 de setembro, tem-se por claro que as guerras estão longe de acabar e de que a superioridade militar do Ocidente em conflitos convencionais (i.e., que seguem regras definidas por aqueles que os dominam), não é suficiente para impedir o surgimento de novos conflitos. Ao contrário, a imensa superioridade do Ocidente em um tipo de guerra fez com que seus inimigos buscassem novas formas de combatê-lo.

É mais seguro dizer que a guerra tem novas ‘’roupagens’’, adquiriu uma nova dinâmica - lembrando que a guerra não tem uma lógica própria, mas que sua lógica é a da política (ECHEVARRIA, 2010) -, originando novos tipos de ameaças e alterando o ambiente de segurança global.

Essas ameaças à segurança têm um caráter muitas vezes interno, subestatal e relacionam-se à segurança humana, o bem-estar de indivíduos em uma sociedade, ao invés de segurança nacional, classicamente definida como focada na sobrevivência dos interesses políticos de um Estado (KILCULLEN, 2008). Entre elas: tráfico humano, epidemias, falha estatal, desastres naturais, mudança climática, pobreza, agitação civil, subversão, insurgências etc.

Alguns autores utilizam-se do termo ‘’guerra híbrida’’ (hybrid warfare) para se referirem a uma combinação de meios não-armados e armados, militares e não-militares, estatais e não-estatais, internos e internacionais, como a forma mais comum de guerra no século XXI (METZ, CUCCIA, 2011).

O general britânico Rupert Smith argumenta que a guerra, classicamente definida, não mais existe, mas que estamos em uma era de ‘’guerra entre as pessoas’’, que envolve diferentes métodos operacionais, organizacionais e conceituais (METZ, CUCCIA, 2011). Nessa era, ‘’a utilidade da força militar depende na habilidade em adaptar-se a situações políticas complexas e enfrentar adversários não-estatais sob o olhar crítico da opinião pública. ’’ (SMITH, 2007).

Longe do objetivo desse ensaio definir essa questão e examinar o argumento de cada autor, atesta-se, no entanto, a validade empírica da idéia de que novos tipos de conflito emergiram – com a ressalva que sua essência é a mesma, mas o que mudou foi seu caráter, ou seja, assumiu novas configurações –, que houve uma mutação na qualidade do que é definido como ameaça ao ambiente de segurança, a insuficiência de antigos paradigmas e a validade do conceito de guerra híbrida.

Afinal, de acordo com o conceito clássico de guerra como violência organizada entre Estados, teríamos que as guerras, de fato, estão em extinção. E como se pode lidar com as novas ameaças no nível da diplomacia, se a diplomacia é tradicionalmente uma atividade entre elites? E o conceito de serviços inteligência em um nível estatal igualmente se mostra inadequado diante da atual realidade, já que muitas das informações que se buscam se encontram em níveis subestatais. Para novos fenômenos são necessárias novas definições, que permitam novos modos de lidar com eles.

Portanto, embora a ameaça de guerras interestatais seja hoje altamente improvável, um matiz de ameaças das mais variadas emergiu, não podendo ser agrupados sob um conceito (GWOT), e a guerra permanece como um perigo real, conquanto não sob a forma que predominou nos últimos séculos e envolvendo atores (e.g., terroristas e insurgentes) que antes não eram considerados relevantes no estudo da política mundial, porquanto considerados secundários ao Estado.

Em seguida, na parte seguinte do ensaio, apresentar-se-á um esboço das principais características desse novo ambiente de segurança já referido para, depois, passar ao exame das estratégias que têm sido utilizadas pelo ‘’Ocidente’’ nos atuais conflitos.

*Fernando Archetti é aluno do terceiro ano do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA




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