Os veículos de imprensa mundiais e as redes sociais foram tomados por
notícias, manchetes e vídeos que mostraram os recordes de temperatura, desde o
calor extremo no Canadá ao frio intenso no Brasil, realçando a intensidade dos
fenômenos climáticos e atmosféricos, como o clima de monções e os chamados El
Niño e La Niña, visivelmente alterados pelas consequências das ações do ser
humano ao redor do planeta que proporcionaram episódios preocupantes e
incomuns no mês de julho. Um dos acontecimentos mais marcantes foi a onda de
calor extremo no sudoeste canadense e no noroeste dos EUA, a qual foi nomeada
“cúpula de calor” pelos meteorologistas, que levou à cidade de Lytton no Canadá,
próxima à metrópole Vancouver, atingir temperaturas impressionantes de 49,6°C
depois de dias batendo o recorde de verão mais quente da história do país.
Esse fenômeno climático ocasionou centenas de mortes e milhares de
incêndios, além de ter cozinhado mais de um bilhão de animais marinhos vivos como
mexilhões e outros diferentes tipos de moluscos que prejudicaram totalmente as
economias dos pescadores locais. Essa irregularidade de temperaturas observada
no Canadá pode ser entendida como um bloqueio atmosférico que impede a
chegada de massas de ar frias na região. Juan Antonio Añel, professor de Física da
Terra da Universidade de Vigo, alertou que a província da Colúmbia Britânica chegou
a 20°C acima do normal, frisando que a situação não é normal mesmo com o forte verão da América do Norte, já que as mudanças climáticas aumentam as chances
de mais fenômenos anormais como esse acontecerem.
Mexilhões mortos pelo calor no litoral canadense. Foto via: Getty Images. |
As ondas de calor foram responsáveis também por mais de 60 focos de incêndio na Turquia, que por conta de fortes ventos acabou espalhando o fogo por diversas florestas, obrigando os habitantes de 34 vilas diferentes a deixarem suas casas e protagonizando cenas catastróficas que mostravam o fogo muito próximo às regiões urbanas. Segundo o Diário Independente da Turquia, após o mês de maio mais quente da história do país, os turcos tiveram seu dia mais quente em mais de 50 anos nesse mês de julho no distrito de Cizre no sudeste do Estado, ultrapassando os 49°C. Foram registrados 133 incêndios na Turquia nesse ano, muito acima dos 43 registrados em média nos anos anteriores, somando mais de 90 mil hectares queimados. O país inteiro está em alerta e recebe ajuda de aviões enviados pela União Europeia para despejarem água e combaterem as chamas que também afetam o sul da vizinha Grécia, porém em menor escala.
Para se ter melhor ideia da dimensão das queimadas e da anormalidade das
temperaturas que ocorreram em julho, a região de Yakutia, a maior e mais fria da
Sibéria russa, enfrentou gigantescos incêndios florestais que queimaram cerca de
1,5 milhão de hectares de permafrost nos últimos três meses e está passando pelo
verão mais seco dos últimos 150 anos de acordo com o The Guardian. A cidade de
Yakutsk, maior cidade da região de mais de 300 mil habitantes, vive um momento
muito semelhante à cidade de São Paulo em 2019: dia encoberto pelas fumaças dos incêndios florestais que mudaram completamente a vida da população local, que foi
orientada pelo governo a ficar em casa de janelas fechadas.
Incêndios em Yakutia, Rússia. Foto: The New York Times. |
Com efeito do aumento das temperaturas, a evaporação da água é acelerada, favorecendo a ocorrência de temporais muito mais fortes que o habitual. As monções, período de chuvas torrenciais que se estende de junho a setembro principalmente no continente asiático, foi uma das protagonistas dos inúmeros episódios de inundações e deslizamentos que acarretaram centenas de mortes e milhares de desabrigados em diferentes partes do mundo, como na província de Henan na China e em diferentes regiões da Índia.
A metrópole chinesa de Zhengzhou foi colocada em alerta vermelho após
volumes recordes de chuvas obrigarem mais de 200 mil habitantes a abandonarem
suas casas, impulsionados também pelo rompimento de uma barragem na região.
Localizada na bacia do rio Amarelo, segundo mais longo do país, Henan possui uma
importante rede fluvial em termos comerciais que atravessa seu território. A
província começou a sofrer com transbordamentos e inundações de forma nunca
antes vista, principalmente após o aumento generalizado nas construções de novas
barragens que interromperam o fluxo natural da água entre o rio Amarelo e os lagos
da região.
Vídeos circulando nas redes sociais mostraram o impacto das chuvas e os
problemas enfrentados pelos habitantes por conta desse agravamento climático,
como o resgate de mais de 500 pessoas na rede de metrô em Zhengzhou e os
efeitos devastadores das monções no estado de Assam, no nordeste da Índia que faz fronteira com o Nepal. Nessa região, aproximadamente quatro milhões de
pessoas ficaram desabrigadas e plantações foram devastadas por conta das fortes
chuvas. Já no extremo oposto indiano, as monções invadiram uma fábrica de
purificação de água em Mumbai, megacidade de mais de 20 milhões de habitantes,
paralisando o sistema de abastecimento da cidade.
Enchente de Zhengzhou, capital da província chinesa de Henan. |
Outro cenário atípico que foi noticiado por semanas pela mídia ocidental
foram as notáveis inundações localizadas no continente europeu, causadas por
chuvas torrenciais principalmente na Alemanha e na Bélgica, em regiões onde
ocorreram deslizamentos e destruições de vilas que somaram aproximadamente 200
mortes e milhares de desaparecidos, o que foi considerado o maior desastre natural
da história alemã recente. De acordo com a chanceler Angela Merkel, as
adversidades climáticas estão se tornando cada vez mais recorrentes e a
comunidade europeia precisa responder a isso rapidamente, descrevendo a situação
como “surreal e assustadora” após visitar as áreas mais afetadas do país.
Em meio a esses acontecimentos, a União Europeia divulgou doze medidas
que compõem um novo plano de combate às mudanças climáticas. Estão sendo
negociadas entre os países membros, por exemplo, a imposição de limites mais
rígidos para as emissões de carbono produzidas por automóveis e um maior
incentivo para a produção e venda de carros elétricos, além da criação de um
imposto sobre combustíveis utilizados na aviação e tarifas chamadas “fronteiras de
carbono”, com o objetivo de proteger a indústria interna da UE de concorrentes
estrangeiros que não cumprem os mesmos padrões ambientais impostos pelo bloco.
Enquanto alguns países alagam, outros passam por uma das maiores crises
hídricas de suas histórias. De acordo com o Comitê de Monitoramento do Setor
Elétrico (CMSE), em mais de 90 anos o Brasil nunca tinha visto uma escassez nos
seus reservatórios em tal intensidade. Devido à irregularidade das chuvas no verão,
o abastecimento de água fica realmente ameaçado principalmente na região sul e
sudeste do país, além de causar impacto na agricultura e encarecer a energia
elétrica no inverno. Nessa época a região é naturalmente mais seca nessas
localidades e afeta consideravelmente a Bacia do Paraná, que engloba os rios com
maior capacidade de produção elétrica do Brasil. As vegetações novas, como
lavouras, por possuírem raízes mais curtas, dificultam a infiltração da água da chuva
nos lençóis freáticos, diminuindo a vazão dos rios e o nível dos reservatórios das
hidrelétricas, problema que tem sido cada vez mais frequente no cerrado brasileiro,
berço das maiores bacias hidrográficas do país, como a do rio Paraná.
Seca no Rio Paraná. Foto: Giovani Zanardi/RPC |
Acompanhando a seca, a onda de frio extremo que o sul, sudeste e partes do centro-oeste do Brasil estão enfrentando nesse momento é também produto do aumento das temperaturas médias do planeta. Apesar de parecer controverso, é uma realidade muito preocupante que ainda é utilizada incorretamente por negacionistas da ciência como argumento para descredibilizar o aquecimento global e suas consequências. No caso brasileiro por exemplo, o fenômeno da troca de massas de ar quentes para a Antártida e frias para a América do Sul é intensificado significativamente.
Nos últimos anos, algumas cidades do centro-sul do Brasil tiveram dias muito
quentes em pleno inverno enquanto o continente gelado, por sua vez, não recebe raios solares nessa época do ano. Essa disparidade de temperaturas ao longo do
tempo prejudica o fenômeno que era para acontecer naturalmente, fazendo com que
as massas de ar mais quentes vindas do continente americano forçassem a entrada
na Antártida, que devolve uma massa de ar polar rigorosa que bate os recordes de
temperatura abaixo de zero nas serras catarinense e gaúcha e agrada os turistas
que vão para Gramado (RS) presenciar a neve.
Dito isso, é importante entender que as anomalias climáticas não se limitam
apenas à geografia ou às mudanças climáticas, mas também à má gestão dos
recursos naturais e ao desmatamento que impulsionam o aquecimento global.
Segundo o gerente de água membro da ONG The Nature Conservancy, Samuel
Barreto, a perda de vegetação nativa agrava muito a situação, por exemplo, do norte
e do nordeste do Brasil que enfrenta o fenômeno das inundações: “(...) as florestas
cumprem um serviço importante. Elas ajudam a reter a água da chuva que infiltra no
solo e nos lençóis freáticos. Isso atenua os picos de enchente e de seca.”
Além disso, de acordo com José Marengo, climatologista e coordenador-geral
de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden), o cenário de muitas chuvas na Amazônia e a falta
delas no cerrado “são exemplos de extremos climáticos, que, de certa forma, são
consequências de uma variabilidade muito irregular do clima; uma consequência do
aquecimento global”.
Esse foi realmente um mês alarmante e preocupante para o futuro. É preciso
sempre destacar que os fenômenos climáticos e suas particularidades, sutis ou
extremas, existem e são naturais, porém são agravadas e transtornadas pela ação
humana no planeta. Dessa forma, é de se esperar que as autoridades competentes
dos Estados priorizem os debates direcionados ao desenvolvimento sustentável em
suas agendas e que cooperem em âmbito internacional para combater e amenizar
de maneira efetiva os extremos climáticos vivenciados nesse julho de 2021.
Referências
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