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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Acontece no UNICURITIBA: Entrevista com Sérgio Florêncio




No dia 30 de agosto de 2016, foi realizada a Aula Magna do segundo semestre do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, na qual o Embaixador Sérgio Florêncio discorreu sobre "Trinta Anos de Política Externa Brasileira". 

Sérgio Florêncio foi embaixador do Brasil no Equador, na Suíça e no México e também atuou em missões diplomáticas no Irã e no Canadá. Participou da delegação brasileira na UNESCO e da missão do Brasil na ONU. Atualmente, é professor no Instituto Rio Branco e no Instituto de Estudos Superiores de Brasília (IESB). 

Antes da aula magna, o embaixador concedeu entrevista à Professora Michele Hastreiter, para o Blog Internacionalize-se. Confira.


ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR SERGIO FLORÊNCIO

Blog Internacionalize-se: Sabemos que o senhor teve uma experiência de muitos anos na diplomacia. De tudo o que o senhor viveu, tem alguma experiência que foi particularmente marcante?

Sérgio Florêncio: Bom, eu comecei nessa carreira há 44 anos. Na verdade trabalhei 43 anos como diplomata, me aposentei em agosto do ano passado e aí me convidaram para dar aula no Instituto Rio Branco – onde estudei quando ainda não tinha barba branca (risos) – e em uma faculdade particular em Brasília. Quando eu entrei no Instituto Rio Branco, fiquei dois anos estudando no Rio de Janeiro e aí fui para Brasília. Quando cheguei em Brasília eu tive um choque porque eu  - que ainda era muito imaturo – achava que a carreira diplomática exigia muita articulação, muito jogo político… E aí eu disse “Ih, essa não é a minha praia!” – eu vim do Rio né, lá a gente usa essa expressão (risos). Aí eu fiz um mestrado em Economia – que era o primeiro mestrado em Economia no Brasil – na UNB. E aí meu primeiro posto foi no Canadá, então eu acabei concluindo o mestrado em Economia na Universidade de Ottawa no Canadá. E até aí eu tinha dúvidas se era isso mesmo que eu queria na minha vida. Mas de Ottawa (onde fiquei três anos) fomos removidos para o Teerã, no Irã. Minha mulher ficou desesperada – e eu também achava que seria um horror, porque era um país muito diferente, tínhamos crianças pequenas… Mas você perguntou qual foi o posto mais interessante na minha carreira e essa foi a experiência mais fantástica que eu tive: quatro anos no Irã. Chegamos em 1977, um ano antes da Revolução Iraniana (que foi vitoriosa em fevereiro de 1979). Então acompanhamos toda a queda do Xá, a vitória da Revolução e a fase liberal, anti-despótica da Revolução Iraniana, até a fase da Revolução que come seus próprios filhos  e seu  lado ditatorial. Foi a experiência mais fantástica que eu tive e depois disso não tive mais nenhuma dúvida de que era isso que eu queria para minha vida. Inclusive pensei que depois dessa experiência todo o trabalho que eu tivesse eu acharia muito monótono. Só que a vida não é assim, acabei descobrindo outros desafios.


Blog Internacionalize-se: O senhor acompanhou a invasão da embaixada americana no Irã?

Sérgio Florêncio: Sim. Eu estava lá quando houve a revolução, a invasão da embaixada… Tem histórias muito marcantes. Uma semana antes da tomada dos reféns na embaixada americana a minha mulher estava lá. Então, se ela tivesse ido uma semana depois, ia ficar presa. Quando os guardas revolucionários tomaram a embaixada, prenderam todos, fossem americanos ou não. Foi só depois que eles liberaram quem não era americano e os americanos continuariam presos durante 444 dias, mais de um ano! Alguns meses antes da liberação, nós fomos em um jantar convidados pelo Embaixador do Canadá – porque como nós moramos no Canadá ficamos muito amigos do Embaixador. E nós não sabíamos, nem ninguém que estava lá, mas lá estavam os seis americanos que escaparam da embaixada – como mostra a história do filme “Argo”.


Blog Internacionalize-se: O senhor também passou por uma situação emocionante no Equador mais recentemente né? Com o ex-presidente Lúcio Gutierrez...

Sérgio Florêncio: Ah é! (risos). No Equador eu já era embaixador, bem mais velho né. E o Brasil tinha uma relação muito estreita com o Equador, tinha a Petrobrás operando no Equador, construtoras brasileiras construindo estradas, hidrelétricas… A maior hidrelétrica do Equador foi construída pela Odebrecht. O presidente – que era o Lúcio Gutierrez – gostava muito do Brasil. Ele era militar, oficial das forças armadas do exército e estudou engenharia. Depois, foi para o Brasil, onde ele estudou um ano no Rio na escola de Educação Física do exército. Ele adorava o Rio de Janeiro, a escola em que ele estudou ficava na Urca, que é um lugar belíssimo. Como ele adorava o Rio, eu tinha uma relação muito boa com ele. Inclusive como ele gostava de correr e eu também a gente se encontrava as vezes  - só que eu corria sozinho e ele corria com dez guarda-costas (risos). Ele foi eleito presidente, mas não tinha muita vivência política, tinha um temperamento que não era muito de negociar com o Congresso – acho que essa experiência a gente conheceu bem no Brasil recentemente (risos). E aí ele foi perdendo poder político e caiu. E no dia que ele foi realmente sair do palácio, precisou sair de helicóptero porque o povo estava todo na rua. Então saiu de helicóptero e foi para o aeroporto, e entrou num avião pequeno, mas o piloto disse que não podia decolar, porque o povo soube que ele ia pegar o avião e tomou a pista. Aí ele telefonou para mim e disse “Por favor embaixador, o senhor tem que me salvar, eu corro risco de ser linchado, corro risco de vida”. Aí eu disse “Bom, não posso conceder asilo sem consultar Brasília”. Liguei para Brasília e de lá me perguntaram se tinha sido golpe - e eu disse “Foi golpe”, porque os militares tiraram o apoio dele. Aí liguei para o presidente e disse que ele podia ir para a minha casa – porque lá é que temos proteção e imunidades diplomáticas. E aí fui lá, fiquei no portão esperando. Aí chega um chevete e o motorista faz um sinal para eu abrir o portão.. E eu olho e não vejo o presidente. Aí eu penso “como é que vou abrir o portão se eu não estou vendo o presidente?”. Aí o motorista fez um sinal, apontando para trás, como quem diz “está no porta-malas”. E aí eu entendi…  Quando o motorista entrou, do porta-malas saiu o presidente, de calça jeans, com uma camisa de time de futebol equatoriano… Foi um choque, eu não estava acostumado a ver o presidente assim. Aí ele passa de quarta feira a domingo por lá e todos os dias com manifestações, de pelo menos mil pessoas. De noite diminuía um pouco, mas tinha sempre gente lá. Então o meu trabalho diplomático foi obter o salvo conduto.  Quando conseguimos o salvo conduto tínhamos autorização para retirá-lo, mas aí era preciso fazer isso sem que o povo todo caísse em cima do carro. O problema era a segurança do presidente. Aí organizamos uma saída às quatro horas da manhã, pela porta de trás da embaixada, onde não tinha ninguém. Mas quando fomos abrir o portão que não era aberto há muitos anos fez um barulho enorme e o povo todo gritou “o presidente tá fugindo pelo lado de trás” (risos). Mas nós conseguimos. Só os carros da televisão que nos seguiram, mas como tínhamos quatro carros idênticos conseguimos despistar bem. Fomos para o aeroporto, pegamos um helicóptero e de lá passamos por uma paisagem linda, com um vulcão e uma lua cheia. Por alguns segundo eu disse para ele “Deixa eu abstrair tudo isto que está acontecendo para admirar essa paisagem”...  


Blog Internacionalize-se: Mais recentemente o senhor posicionou-se contra a nomeação de Dani Dayan como embaixador de Israel no Brasil. Como o senhor avalia este episódio?

Sergio Florêncio: Olha… dos quatro filhos que nós temos, o mais novo resolveu ser diplomata. E hoje ele é diplomata em Tel Aviv. Então eu acho que vejo de uma forma mais isenta todo o conflito árabe e israelense. Reconheço pecados e grandes equívocos, radicalismos nos dois lados. Mas no caso da indicação deste senhor como embaixador no Brasil, achei que foi um grande equívoco. O Brasil tem um posicionamento tradicional contra os assentamentos israelenses na Cisjordânia palestina. Então é uma posição tradicional do Brasil e de muitos países – e aí Israel indica como embaixador de Israel no Brasil exatamente o sujeito que foi o grande responsável pelos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Aquilo era uma afronta ao Brasil. Eu fui contrário a isto, dei razão as pessoas que criticaram.


Blog Internacionalize-se: E como o senhor avalia a posição do Brasil quanto ao conflito árabe-palestino?

Sergio Florêncio: Ah, eu acho que o Brasil tem tido no conflito árabe israelense uma posição muito equilibrada, uma posição tradicional, que graças a Deus não foi mexida no governo Dilma. Esta posição hoje sustenta que o começo de uma solução para o problema consiste na criação de dois Estados. Então eu acho que esta é a solução – e é a solução inclusive que muitos israelenses reconhecem como sendo o caminho. Agora, eu acho que a grande mudança neste contexto aconteceu em 2006, quando houve eleições na Palestina e infelizmente a vitória foi do Hamas e não da Autoridade Palestina. A vitória do Hamas radicalizou a posição palestina. E depois disto, esse Netanyahu (Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel) em Israel tem uma posição muito radicalizada. E aí com radicalismos dos dois lados inviabiliza-se essa possibilidade de solução com dois estados. Acho que este é o problema hoje.


Blog Internacionalize-se: Certo. Já estamos encerrando, mas tenho uma última pergunta. Qual o conselho o senhor daria para aqueles nossos alunos que desejam seguir a carreira diplomática?

Sergio Florêncio: Em primeiro lugar, se interessar por política internacional. Quando abrir o jornal – na verdade ninguém abre mais o jornal né (risos) – quando abrir o site do jornal, não ler só sobre o impeachment, mas abrir também a página mundo e ler as duas ou três páginas que os jornais têm sobre os assuntos internacionais. O ideal é também ler também uma revista em inglês. Eu acho que o “The Economist” – por exemplo – embora tenha sua linha editorial liberal e etc – é uma grande revista informativa e eu diria que é importante ler. A outra recomendação é estudar muito História, do Brasil e do mundo. E a última recomendação seria escrever bem (risos), o que hoje é cada vez mais difícil.  


terça-feira, 30 de agosto de 2016

Relações Internacionais - Teoria em Prática: A atuação da ONU como Regime Internacional efetivando meios para a governança global.

 A seção "Relações Internacionais - Teoria em Prática" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Teoria das Relações Internacionais, Dra. Janiffer Zarpelon. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.




A atuação da ONU como Regime Internacional efetivando meios para a governança global.


Richard de Oliveira Gomes


INTRODUÇÃO

No atual mundo globalizado, marcado por relações complexas entre os Estados, a interdependência econômica e militar torna-se cada vez mais relevante nas relações internacionais. Esse caráter de dependência mútua faz surgir a necessidade da existência de organismos de mediação que promovam a cooperação nas negociações multilaterais entre os atores internacionais.

As Organizações Internacionais hoje ocupam um espaço central na política internacional. Umas das mais importantes tem sido a Organização das Nações Unidas (ONU) que uma das áreas de atuação é atuar na intermediação e solução de problemas entre os Estados.  A ONU promove a formulação de Regimes Internacionais que conforme Stephen Krasner (2012, p. 94): “regimes podem ser definidos como princípios, normas e regras implícitos ou explícitos e procedimentos de tomadas de decisões (...)”. Os regimes atuam no objetivo de convergir as expectativas dos atores internacionais em um único objetivo, diminuindo as dissidências no Sistema Internacional.

É importante entender que o estabelecimento da ONU como uma das principais Organizações Internacionais nos dias contemporâneos provém de acontecimentos que eclodiram no final do século XIX e início do século XX que provocou uma corrida armamentista, desencadeando a primeira guerra mundial. Ao final do conflito, as nações envolvidas viram a necessidade da existência de uma instituição internacional que tivesse como foco principal a manutenção da paz e da ordem mundial. Assim, foi criada a Liga das Nações, tendo como o seu maior idealizador o presidente norte americano Woodrow Wilson, fundamentada nos quatorze pontos, que seriam as diretrizes para a formulação da paz da Europa no período pós-guerra.

 A Liga, criada pelo Tratado de Versalhes em 1919, se reuniu pela a primeira vez em 16 de janeiro de 1920. Com as contradições do Tratado de Versalhes, do qual punira severamente os “culpados” da guerra, principalmente a Alemanha, acabou por favorecer os posteriores conflitos que viriam em 1939 com a segunda guerra mundial. Desta forma, a Liga das Nações falhara como instituição internacional mantenedora da paz e da ordem internacional, deixando de funcionar no início deste conflito. Com o término da segunda guerra mundial, surgira uma nova instituição internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 24 de outubro de 1945.

Neste artigo estão presentes as contribuições teóricas pluralistas sobre a globalização e a interdependência complexa  de Joseph Nye e Robert Keohane, no qual os autores destacam que a globalização contemporânea vem se tornando cada vez mais rápida em relação ao passado, favorecendo para o aumento da interdependência entre os Estados.

A relevância da ONU e dos Regimes Internacionais para a ordem internacional

Desde a afirmação do princípio de soberania estatal, resultante da paz de Westfália em 1648, os Estados Nacionais gozam da inviolabilidade de jurisdição e território. Entretanto, com a crescente globalização, proveniente dos avanços mercantilistas, proporcionado pela a revolução industrial inglesa do séc. XVIII, nota-se o fenômeno da crescente interdependência internacional. Fato, que coloca em cheque nos dias contemporâneos, a noção de Estado como ator principal nas relações internacionais.

As relações internacionais entre os Estados são complexas e voláteis, das quais, uma tomada de decisão pode gerar toda uma rede de ações e consequências. Isso ficou claro quando as grandes potências europeias no final do séc. XIX e início do séc. XX estavam tomadas pela a incerteza e temor pela possível perda de influência e escoamento de capitais. Isso gerou uma corrida armamentista e uma perigosa interdependência militar, culminando no inevitável conflito mundial de 1914. Sem se aprofundar nos motivos, essa mesma interdependência acabou por fomentar bases para a posterior continuação do conflito em escala mundial em 1939.

Joseph Nye (2009) exemplifica em sua obra “Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais”, que quase sempre existirá algum conflito político na interdependência econômica. Mesmo quando países interdependentes obtiverem ganhos em conjunto, sempre haverá conflito em relação com quem fica com a maior parte.

A interdependência econômica é favorecida pela fluidez das informações instantâneas mas que contribui para a incerteza e as dificuldades de se moldar respostas políticas por parte dos Estados, deixando claro que eles não são mais os únicos tomadores de decisões no sistema internacional, e que o mundo contemporâneo está caracterizado por uma rede completamente interdependente. Sendo assim, poderíamos perfeitamente supor que essa crescente interdependência econômica, proporcionada pela a globalização, angariasse bases para uma cooperação internacional mútua, visto que essa interdependência gera benefícios conjuntos. Mas não é assim que funciona, pois a interdependência econômica pode ser perfeitamente usada como uma arma, dando como exemplos, as sanções econômicas e militares que países com maior influência aplicam em países mais fracos. A interdependência é na verdade mais útil que a força em alguns casos, pois ela possui gradações mais sutis.

  Tendo em vista que a interdependência mundial não gera necessariamente uma estabilidade ao sistema internacional, denota-se assim a necessidade do estabelecimento de Regimes Internacionais, que como Stephen Krasner (2012, p. 94) define em seu artigo: “regimes podem ser definidos como princípios, normas e regras implícitos ou explícitos e procedimentos de tomadas de decisões de determinada área das relações internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores.” Entretanto uma distinção básica deve ser feita entre acordos e regimes, Keohane (1984) diz que acordos tem um caráter ad hoc (temporário), geralmente são únicos e de curta duração. Assim, os Regimes Internacionais são normas e regras e procedimentos de tomada de decisão, firmados entre um grupo de atores internacionais com caráter permanente, com princípios imperativos determinando e formulando a conduta de seus integrantes, podendo ter um viés coercitivo no caso do descumprimento de tais normas e regras.

Portanto, neste contexto de globalização, interdependência e formulação de regimes internacionais, entra em foco o papel e o funcionamento de instituições internacionais, que tem como função primordial promover a cooperação entre as dissidências resultantes desse espectro de interdependência mútua. Eis que reside o lugar da Organização das Nações Unidas (ONU), que dentre de suas inúmeras atividades, atua na efetivação de Regimes Internacionais.

Vale lembrar, que a extinta Liga das Nações, mencionada na introdução do texto, não possuía regras claras quanto a sua atuação. Assim, a Liga das Nações foi fadada ao fracasso pelos os inúmeros boicotes que sofrera desde a sua criação, como a não participação dos Estados Unidos como membro e o completo desrespeito dos Estados perante as suas resoluções. Já a ONU é proveniente da lição aprendida com o fracasso de sua predecessora. Dispõe de uma força militar multinacional, the United Nations Peacekeeping Forces, que é utilizado em missões de resolução de conflitos internacionais em países envolvidos em conturbação social. Sendo assim, a ONU é a principal instituição internacional mantenedora da cooperação e paz mundial.

 O regime internacional da ONU atua na promoção da cooperação e paz dentre as nações. Este regime busca eximir e coibir os possíveis conflitos armados causados pela a competição entre os Estados dentro do contexto de interdependência.

 Fica evidente que as atuais relações dos Estados no sistema internacional são marcadas, sobretudo pela a pluralidade de suas ações e intrincamento de suas ligações econômicas, militares e ambientais. Conforme cresce os conflitos e disputas por influência, o mundo se torna um grande tabuleiro de xadrez onde todos querem tirar a maior vantagem possível. Esse caráter de interdependência internacional acaba por misturar cada vez mais os assuntos internos e externos dos Estados, produzindo desta forma, o surgimento de alianças muito mais complexas.

 Segundo Nye (2009), o dessas disputas tem se dado pela a manipulação da assimetria da interdependência, onde os Estados procuram manipular setores em que são fortes e evitam ser manipulados em setores em que são relativamente fracos. As sanções econômicas são um exemplo dessa vinculação, tendo uma efetividade muitas vezes igual ou até maior que a própria intimidação nuclear. Uma vez que o Estado não precisa ser necessariamente um Estado forte para exercer a intimidação por meio da manipulação da interdependência econômica, basta ele saber explorar com primazia os setores onde ele detém a vantagem.

 Desta forma, as instituições internacionais tem papel fundamental neste novo panorama da globalização e da interdependência, no qual buscam que os Estados trabalhem em mútua cooperação. A função das instituições internacionais, como a ONU, tem sido a promoção da convivência pacífica dos atores internacionais e a supressão de possíveis ações de manipulação por parte dos Estados na assimetria da interdependência internacional. Além da ONU, existem outras instituições internacionais como a OMC, o FMI, a OMS, que buscam também contribuir para a ordem internacional.

Assim, observamos a grande importância dos Regimes Internacionais e das instituições internacionais para a promoção da convivência coletiva entre os Estados, que se encontram num mundo cada vez mais globalizado e interdependente. Com a criação de normas e regras internacionais, estes organismos buscam moldar o comportamento dos Estados, e assim possibilitar a formação uma nova ordem moral e ética nas relações internacionais, no qual, gradativamente, contribui com o aumento da governança global.

REFERÊNCIA BIBLIGRÁFICA:
NYE, JOSEPH O. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo: Editora Gente, 2009.
KRASNER, STEPHEN D. Causas Estruturais e Consequências dos Regimes Internacionais: Regimes Variáveis Intervenientes. Rev. Sociol. Polit., vol. 20, no. 42 ,Curitiba, June, 2012.
KEOHANE, ROBERT O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton University Press, 1984.

SARFATI, GILBERTO Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

SITES CONSULTADOS:
ONU Nações Unidas no Brasil. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/> Acesso em: 17 mai. 2016.
Ministério das Relações Exteriores; Política Externa; O Brasil e o Conselho de Segurança da ONU. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/paz-e-seguranca-internacionais/137-o-brasil-e-o-conselho-de-seguranca-das-nacoes-unidas> Acesso em: 20 mai. 2016.
Observatório de Relações Internacionais; Resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Disponível em: <https://neccint.wordpress.com/legislacao-internaciona/resolucoes-do-conselho-de-seguranca-da-onu/> Acesso em: 22 mai. 2016.
UOL; Liga das Nações: Primeira organização a lutar pela paz internacional. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/liga-das-nacoes-primeiro-organizacao-a-lutar-pela-paz-internacional.htm> Acesso em: 20 mai. 2016.

REFERÊNCIA DA IMAGEM:







 
 



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Direito Internacional em Foco: A revogação de nacionalidade em caso de terrorismo




 A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.


REVOGAÇÃO DA NACIONALIDADE EM CASO DE TERRORISMO





Ana Maria Procailo

Reni Alves de Azevedo Júnior





 A definição de nacionalidade está vinculada ao conceito de povo, que vem da aglomeração de indivíduos ou comunidades ligados por valores morais e culturais de seu território, embora este não seja obrigatório. Enquanto  a cidadania é o direito de intervir no processo governamental (por meio do alistamento como candidato e do voto), a nacionalidade é um vínculo de natureza política e jurídica, que coloca o indivíduo dentro da dimensão pessoal do Estado, lhe conferindo os direitos de proteção e impondo-lhe os deveres advindos desta ordem estatal. 


Pode-se classificar a nacionalidade em duas categorias: a nacionalidade originária e nacionalidade derivada. A atribuição da nacionalidade originária ocorre pelo nascimento, por meio de dois sistemas legislativos distintos: o jus soli (o critério de atribuição de nacionalidade é o território em que o indivíduo nasceu) e jus sanguinis (a nacionalidade é adquirida por filiação). A nacionalidade derivada, por sua vez, é também chamada de naturalização – e ocorre quando o indivíduo obtém a nacionalidade no decorrer de sua vida, por um ato voluntário de quem, até então, é considerado um estrangeiro. 


O sistema jus soli é típico dos países que passaram por um processo de colonização e de intensas migrações – como é o caso dos países americanos. Era o sistema dominante no mundo na Idade Média, mas após a Revolução Francesa, a maior parte dos países europeus passou a garantir a nacionalidade pela via do jus sanguinis, como um contraponto ao regime feudal que ligava o homem à propriedade territorial do senhor feudal por meio do jus soli. Dentro deste contexto, passaram admitir que  só é nacional do país aquele que é filho dos seus nacionais. Tal sistema era compatível com o perfil europeu com longa tradição de emigração – mas apresenta problemas na história recente de imigração para o continente. 


Nos tempos modernos, em razão da adoção desta sistemática, imigrantes que chegam a um país europeu e nele permanecem por muitos anos acabam gerando, com seus filhos, comunidades estrangeiras com dificuldades de integração no continente. Para além do indivíduo que, propriamente, imigrou, suas segundas ou terceiras gerações acabam  marginalizadas, pois não possuem os mesmos direitos dos nacionais e são eternamente tratados como estrangeiros, intrusos no seu país de nascimento.


É bem verdade que este problema tem se evidenciado em razão do aumento no influxo migratório na Europa e alguns países europeus com tradição no jus sanguinis alteraram suas legislações domésticas ao longo dos anos 1990 e 2000 para contemplar hipóteses de nacionalidade pelo jus soli. Cite-se, neste sentido, alguns exemplos de reformas: no ano 2000, na Alemanha, uma mudança legislativa passou a permitir que crianças nascidas na Alemanha, ainda que filhas de pais estrangeiros, pudessem ter a nacionalidade alemã, desde que um dos pais residisse na Alemanha legalmente, por pelo menos oito anos, e possuísse um visto de residência permanente. Ao mesmo tempo, a Alemanha também reduziu o prazo de permanência legal para solicitação da naturalização (de 15 para 8 anos).  A França – que já adotava uma espécie de jus soli desde o Século XIX – também reduziu prazos de naturalização no final do Século XX. 


O que se nota na atualidade, porém, é um movimento na direção contrária. Com o aumento de força de grupos terroristas e os últimos ataques ocorridos, os países europeus estão debatendo e adotando novas leis prevendo a perda de nacionalidade como sanção para um cidadão que comete atos terroristas, se filia ou recebe treinamento de grupos terroristas, jihadistas ou se alista em exército de outro país, desde que este indivíduo possua dupla nacionalidade. Essa medida está prevista em alguns países da União Européia (Bélgica, Bulgária, Chipre, Dinamarca, Estônia, França, Grécia, Irlanda, Letônia, Lituânia, Malta, Holanda, Romênia, Eslovênia, Reino Unido e França), além do Canadá.


 Essas novas leis levaram a intensos debates e discordâncias, pois muitos defensores da manutenção da nacionalidade afirmam que a perda da nacionalidade não ajuda na luta contra o terrorismo. Na França, porém, a medida foi levada em pauta na sequência dos atentados de 13 de novembro em Paris, e acabou aprovada com 162 votos a favor, 148 contra e 22 abstenções. Na Alemanha, a revogação da nacionalidade é em princípio proibida pela lei, devido ao regime nazista que havia feito da "desnaturalização”,uma arma de seu arsenal repressivo, no entanto, existem exceções. É possível perder sua nacionalidade alemã, contanto que a pessoa não se torne apátrida (sem nacionalidade alguma). A lei alemã prevê também o caso em que uma pessoa que possua uma dupla nacionalidade decida se alistar voluntariamente e sem o consentimento das autoridades alemãs nas forças armadas de um Estado estrangeiro.
 Além dos países europeus, os Estados Unidos da América, que também, vem sofrendo também com ataques terroristas, tem revisto suas regras de nacionalidade. Desde 1868, tornou-se impossível privar um cidadão americano de sua nacionalidade: ele só poderá perdê-la em caso de renúncia de sua parte ou para os naturalizados, em virtude de ilegalidades praticadas antes da naturalização. Um americano com dupla nacionalidade, porém, pode ter sua nacionalidade revogada se entrar para o exército de outro país sem autorização, caso vote em eleições estrangeiras e se declare ou deserte culpado de traição. Filhos de pais estrangeiros, nascidos nos Estados Unidos, embora estadunidenses conforme a regra constitucional vigente, têm sido chamado de "bebês âncoras" e o país cogita alterar sua tradição secular no jus solis - assunto este já debatido no Blog.

  Ao observar as ações tomadas por estes países podemos ver que a maioria deles está sobre a influência do medo de um novo ataque terrorista, com isso os seus governos tornam-se mais conservadores na atribuição da nacionalidade e tomam medidas que nem sempre podem ser as melhores possíveis, gerando uma grande discussão nos próprios países e também no âmbito internacional. É de se destacar que a revogação da nacionalidade implementada atualmente ocorre somente para pessoas que possuem a dupla nacionalidade, sendo que esta não se aplica se o indivíduo tornar-se apátrida por ocasião da revogação.

É digno de nota, por fim, que, embora classicamente, o Estado seja soberano para definir quem é o seu nacional, esta questão ganha contornos especiais quando observada no contexto europeu. Com o aumento da integração europeia, a soberania precisa ser exercida levando em consideração os interesses continentais - uma vez que ao nacional de um Estado-parte são também conferidos os direitos de um cidadão europeu. Da cidadania europeia decorre o direito de livre circulação e residência nos demais Estados da União – o que faz com que as leis de nacionalidade dos países europeus repercutam em todo o continente e passem a fazer parte dos polêmicos debates acerca da política migratória da região.



Referências bibliográficas:

 UOL. Contra terrorismo, revogação da cidadania se estende pela Europa e pelo mundo. Disponível em:  http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/le-monde/2016/01/04/contra-terrorismo-revogacao-da-cidadania-se-estende-pela-europa-e-pelo-mundo.htm. Acesso em: 29 de agosto de 2016

RTP. França aprova revogação de nacionalidade a terroristas. Disponível em: http://www.rtp.pt/noticias/mundo/franca-aprova-revogacao-de-nacionalidade-a-terroristas_a894870. Acesso em: 29 de agosto de 2016.

BURLAMAQUE, Cíntia.   A nacionalidade no Brasil e no mundo. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1446. Acesso em: 29 de agosto de 2016