A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
REVOGAÇÃO DA NACIONALIDADE EM CASO DE
TERRORISMO
Ana Maria Procailo
Reni Alves de Azevedo
Júnior
A definição de
nacionalidade está vinculada ao conceito de povo, que vem da aglomeração de
indivíduos ou comunidades ligados por valores morais e culturais de seu
território, embora este não seja obrigatório. Enquanto a cidadania é o direito de intervir no
processo governamental (por meio do alistamento como candidato e do voto), a
nacionalidade é um vínculo de natureza política e jurídica, que coloca o indivíduo
dentro da dimensão pessoal do Estado, lhe conferindo os direitos de proteção e
impondo-lhe os deveres advindos desta ordem estatal.
Pode-se classificar a
nacionalidade em duas categorias: a nacionalidade originária e nacionalidade
derivada. A atribuição da nacionalidade originária ocorre pelo nascimento, por
meio de dois sistemas legislativos distintos: o jus soli (o critério de
atribuição de nacionalidade é o território em que o indivíduo nasceu)
e jus sanguinis (a nacionalidade é adquirida por filiação). A
nacionalidade derivada, por sua vez, é também chamada de naturalização – e ocorre
quando o indivíduo obtém a nacionalidade no decorrer de sua vida, por um ato
voluntário de quem, até então, é considerado um estrangeiro.
O sistema jus soli é
típico dos países que passaram por um processo de colonização e de intensas
migrações – como é o caso dos países americanos. Era o sistema dominante no mundo na Idade Média, mas após a Revolução Francesa, a maior parte dos países europeus passou a garantir a nacionalidade pela via do
jus sanguinis, como um contraponto ao
regime feudal que ligava o homem à propriedade territorial do senhor feudal por
meio do jus soli. Dentro deste
contexto, passaram admitir que só é nacional
do país aquele que é filho dos seus nacionais. Tal sistema era compatível com o
perfil europeu com longa tradição de emigração – mas apresenta problemas na
história recente de imigração para o continente.
Nos tempos modernos, em
razão da adoção desta sistemática, imigrantes que chegam a um país europeu e
nele permanecem por muitos anos acabam gerando, com seus filhos, comunidades
estrangeiras com dificuldades de integração no continente. Para além do indivíduo
que, propriamente, imigrou, suas segundas ou terceiras gerações acabam marginalizadas, pois não possuem os mesmos
direitos dos nacionais e são eternamente tratados como estrangeiros, intrusos
no seu país de nascimento.
É bem verdade que este
problema tem se evidenciado em razão do aumento no influxo migratório na Europa
e alguns
países europeus com tradição no jus sanguinis alteraram suas legislações
domésticas ao longo dos anos 1990 e 2000 para contemplar hipóteses de
nacionalidade pelo jus soli. Cite-se, neste sentido, alguns exemplos de reformas:
no ano 2000, na Alemanha, uma mudança legislativa passou a permitir que
crianças nascidas na Alemanha, ainda que filhas de pais estrangeiros, pudessem
ter a nacionalidade alemã, desde que um dos pais residisse na Alemanha
legalmente, por pelo menos oito anos, e possuísse um visto de residência
permanente. Ao mesmo tempo, a Alemanha também reduziu o prazo de permanência
legal para solicitação da naturalização (de 15 para 8 anos). A França – que já adotava uma espécie de jus
soli desde o Século XIX – também reduziu prazos de naturalização no final do
Século XX.
O que se nota na atualidade, porém, é um movimento na
direção contrária. Com o aumento de força de grupos terroristas e os últimos
ataques ocorridos, os países europeus estão debatendo e adotando novas leis prevendo
a perda de nacionalidade como sanção para um cidadão que comete atos
terroristas, se filia ou recebe treinamento de grupos terroristas, jihadistas
ou se alista em exército de outro país, desde que este indivíduo possua dupla nacionalidade. Essa medida está
prevista em alguns países da União Européia (Bélgica, Bulgária, Chipre,
Dinamarca, Estônia, França, Grécia, Irlanda, Letônia, Lituânia, Malta, Holanda,
Romênia, Eslovênia, Reino Unido e França), além do Canadá.
Essas novas leis
levaram a intensos debates e discordâncias, pois muitos defensores da
manutenção da nacionalidade afirmam que a perda da nacionalidade não ajuda na
luta contra o terrorismo. Na França, porém, a medida foi levada em pauta na sequência dos atentados de 13 de novembro
em Paris, e acabou aprovada com 162 votos a favor, 148 contra e 22 abstenções. Na Alemanha,
a revogação da nacionalidade é em princípio proibida pela lei, devido ao regime
nazista que havia feito da "desnaturalização”,uma arma de seu arsenal
repressivo, no entanto, existem exceções. É possível perder sua nacionalidade
alemã, contanto que a pessoa não se torne apátrida (sem nacionalidade alguma).
A lei alemã prevê também o caso em que uma pessoa que possua uma dupla
nacionalidade decida se alistar voluntariamente e sem o consentimento das
autoridades alemãs nas forças armadas de um Estado estrangeiro.
Além dos países europeus, os Estados Unidos da
América, que também, vem sofrendo também com ataques terroristas, tem revisto
suas regras de nacionalidade. Desde 1868, tornou-se impossível privar um cidadão
americano de sua nacionalidade: ele só poderá perdê-la em caso de renúncia de sua
parte ou para os naturalizados, em virtude de ilegalidades praticadas antes da
naturalização. Um americano com dupla nacionalidade, porém, pode ter sua nacionalidade
revogada se entrar para o exército de outro país sem autorização, caso vote em
eleições estrangeiras e se declare ou deserte culpado de traição. Filhos de pais estrangeiros, nascidos nos Estados Unidos, embora estadunidenses conforme a regra constitucional vigente, têm sido chamado de "bebês âncoras" e o país cogita alterar sua tradição secular no jus solis - assunto este já debatido no Blog.
Ao
observar as ações tomadas por estes países podemos ver que a maioria deles está
sobre a influência do medo de um novo ataque terrorista, com isso os seus
governos tornam-se mais conservadores na atribuição da nacionalidade e tomam
medidas que nem sempre podem ser as melhores possíveis, gerando uma grande
discussão nos próprios países e também no âmbito internacional. É de se destacar
que a revogação da nacionalidade implementada atualmente ocorre somente para
pessoas que possuem a dupla nacionalidade, sendo que esta não se aplica se o
indivíduo tornar-se apátrida por ocasião da revogação.
É digno de nota, por
fim, que, embora classicamente, o Estado seja soberano para definir quem é o
seu nacional, esta questão ganha contornos especiais quando observada no contexto europeu. Com o aumento da integração europeia, a soberania precisa ser
exercida levando em consideração os interesses continentais - uma vez que ao
nacional de um Estado-parte são também conferidos os direitos de um cidadão
europeu. Da cidadania europeia decorre o direito de livre circulação e
residência nos demais Estados da União – o que faz com que as leis de
nacionalidade dos países europeus repercutam em todo o continente e passem a fazer parte dos polêmicos debates acerca da política migratória da região.
Referências
bibliográficas:
UOL. Contra terrorismo, revogação da cidadania se estende pela Europa e pelo mundo. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/le-monde/2016/01/04/contra-terrorismo-revogacao-da-cidadania-se-estende-pela-europa-e-pelo-mundo.htm. Acesso em: 29 de agosto de 2016
RTP. França aprova revogação de nacionalidade a terroristas. Disponível em: http://www.rtp.pt/noticias/mundo/franca-aprova-revogacao-de-nacionalidade-a-terroristas_a894870. Acesso em: 29 de agosto de 2016.
BURLAMAQUE, Cíntia. A nacionalidade no Brasil e no mundo. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1446. Acesso em: 29 de agosto de 2016
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