No dia 30 de agosto de 2016, foi realizada a Aula Magna do segundo semestre do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, na qual o Embaixador Sérgio Florêncio discorreu sobre "Trinta Anos de Política Externa Brasileira".
Sérgio Florêncio foi embaixador do Brasil no Equador, na Suíça e no México e também atuou em missões diplomáticas no Irã e no Canadá. Participou da delegação brasileira na UNESCO e da missão do Brasil na ONU. Atualmente, é professor no Instituto Rio Branco e no Instituto de Estudos Superiores de Brasília (IESB).
Antes da aula magna, o embaixador concedeu entrevista à Professora Michele Hastreiter, para o Blog Internacionalize-se. Confira.
ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR SERGIO FLORÊNCIO
Blog Internacionalize-se: Sabemos que o senhor teve uma experiência de
muitos anos na diplomacia. De tudo o que o senhor viveu, tem alguma experiência
que foi particularmente marcante?
Sérgio Florêncio: Bom, eu comecei nessa carreira há 44 anos. Na
verdade trabalhei 43 anos como diplomata, me aposentei em agosto do ano passado
e aí me convidaram para dar aula no Instituto Rio Branco – onde estudei quando
ainda não tinha barba branca (risos) – e em uma faculdade particular em
Brasília. Quando eu entrei no Instituto Rio Branco, fiquei dois anos estudando
no Rio de Janeiro e aí fui para Brasília. Quando cheguei em Brasília eu tive um
choque porque eu - que ainda era muito
imaturo – achava que a carreira diplomática exigia muita articulação, muito
jogo político… E aí eu disse “Ih, essa não é a minha praia!” – eu vim do Rio
né, lá a gente usa essa expressão (risos). Aí eu fiz um mestrado em Economia –
que era o primeiro mestrado em Economia no Brasil – na UNB. E aí meu primeiro
posto foi no Canadá, então eu acabei concluindo o mestrado em Economia na
Universidade de Ottawa no Canadá. E até aí eu tinha dúvidas se era isso mesmo
que eu queria na minha vida. Mas de Ottawa (onde fiquei três anos) fomos
removidos para o Teerã, no Irã. Minha mulher ficou desesperada – e eu também
achava que seria um horror, porque era um país muito diferente, tínhamos
crianças pequenas… Mas você perguntou qual foi o posto mais interessante na minha carreira e essa foi a experiência mais fantástica que eu tive: quatro anos no
Irã. Chegamos em 1977, um ano antes da Revolução Iraniana (que foi vitoriosa em
fevereiro de 1979). Então acompanhamos toda a queda do Xá, a vitória da
Revolução e a fase liberal, anti-despótica da Revolução Iraniana, até a fase da
Revolução que come seus próprios filhos e seu lado ditatorial. Foi a experiência mais
fantástica que eu tive e depois disso não tive mais nenhuma dúvida de que era
isso que eu queria para minha vida. Inclusive pensei que depois dessa
experiência todo o trabalho que eu tivesse eu acharia muito monótono. Só que a
vida não é assim, acabei descobrindo outros desafios.
Blog Internacionalize-se: O senhor acompanhou a invasão da
embaixada americana no Irã?
Sérgio Florêncio: Sim. Eu estava lá quando houve a revolução, a
invasão da embaixada… Tem histórias muito marcantes. Uma semana antes da tomada
dos reféns na embaixada americana a minha mulher estava lá. Então, se ela tivesse
ido uma semana depois, ia ficar presa. Quando os guardas revolucionários
tomaram a embaixada, prenderam todos, fossem americanos ou não. Foi só depois
que eles liberaram quem não era americano e os americanos continuariam presos
durante 444 dias, mais de um ano! Alguns meses antes da liberação, nós fomos em
um jantar convidados pelo Embaixador do Canadá – porque como nós moramos no
Canadá ficamos muito amigos do Embaixador. E nós não sabíamos, nem ninguém que estava
lá, mas lá estavam os seis americanos que escaparam da embaixada – como mostra a
história do filme “Argo”.
Blog Internacionalize-se: O senhor também passou por uma situação emocionante
no Equador mais recentemente né? Com o ex-presidente Lúcio Gutierrez...
Sérgio Florêncio: Ah é! (risos). No Equador eu já era embaixador,
bem mais velho né. E o Brasil tinha uma relação muito estreita com o Equador,
tinha a Petrobrás operando no Equador, construtoras brasileiras construindo
estradas, hidrelétricas… A maior hidrelétrica do Equador foi construída pela
Odebrecht. O presidente – que era o Lúcio Gutierrez – gostava muito do Brasil.
Ele era militar, oficial das forças armadas do exército e estudou engenharia.
Depois, foi para o Brasil, onde ele estudou um ano no Rio na escola de Educação
Física do exército. Ele adorava o Rio de Janeiro, a escola em que ele estudou ficava
na Urca, que é um lugar belíssimo. Como ele adorava o Rio, eu tinha uma relação
muito boa com ele. Inclusive como ele gostava de correr e eu também a gente se
encontrava as vezes - só que eu corria
sozinho e ele corria com dez guarda-costas (risos). Ele foi eleito presidente,
mas não tinha muita vivência política, tinha um temperamento que não era muito
de negociar com o Congresso – acho que essa experiência a gente conheceu bem no
Brasil recentemente (risos). E aí ele foi perdendo poder político e caiu. E no
dia que ele foi realmente sair do palácio, precisou sair de helicóptero porque
o povo estava todo na rua. Então saiu de helicóptero e foi para o aeroporto, e
entrou num avião pequeno, mas o piloto disse que não podia decolar, porque o povo
soube que ele ia pegar o avião e tomou a pista. Aí ele telefonou para mim e
disse “Por favor embaixador, o senhor tem que me salvar, eu corro risco de ser
linchado, corro risco de vida”. Aí eu disse “Bom, não posso conceder asilo sem
consultar Brasília”. Liguei para Brasília e de lá me perguntaram se tinha sido
golpe - e eu disse “Foi golpe”, porque os militares tiraram o apoio dele. Aí
liguei para o presidente e disse que ele podia ir para a minha casa – porque lá
é que temos proteção e imunidades diplomáticas. E aí fui lá, fiquei no portão
esperando. Aí chega um chevete e o motorista faz um sinal para eu abrir o
portão.. E eu olho e não vejo o presidente. Aí eu penso “como é que vou abrir o
portão se eu não estou vendo o presidente?”. Aí o motorista fez um sinal,
apontando para trás, como quem diz “está no porta-malas”. E aí eu entendi… Quando o motorista entrou, do porta-malas
saiu o presidente, de calça jeans, com uma camisa de time de futebol equatoriano…
Foi um choque, eu não estava acostumado a ver o presidente assim. Aí ele passa
de quarta feira a domingo por lá e todos os dias com manifestações, de pelo
menos mil pessoas. De noite diminuía um pouco, mas tinha sempre gente lá. Então
o meu trabalho diplomático foi obter o salvo conduto. Quando conseguimos o salvo conduto tínhamos
autorização para retirá-lo, mas aí era preciso fazer isso sem que o povo todo
caísse em cima do carro. O problema era a segurança do presidente. Aí
organizamos uma saída às quatro horas da manhã, pela porta de trás da
embaixada, onde não tinha ninguém. Mas quando fomos abrir o portão que não era
aberto há muitos anos fez um barulho enorme e o povo todo gritou “o presidente
tá fugindo pelo lado de trás” (risos). Mas nós conseguimos. Só os carros da
televisão que nos seguiram, mas como tínhamos quatro carros idênticos
conseguimos despistar bem. Fomos para o aeroporto, pegamos um helicóptero e de
lá passamos por uma paisagem linda, com um vulcão e uma lua cheia. Por alguns
segundo eu disse para ele “Deixa eu abstrair tudo isto que está acontecendo
para admirar essa paisagem”...
Blog Internacionalize-se: Mais recentemente o senhor posicionou-se
contra a nomeação de Dani Dayan como embaixador de Israel no Brasil. Como o
senhor avalia este episódio?
Sergio Florêncio: Olha… dos quatro filhos que nós temos, o mais
novo resolveu ser diplomata. E hoje ele é diplomata em Tel Aviv. Então eu acho
que vejo de uma forma mais isenta todo o conflito árabe e israelense. Reconheço
pecados e grandes equívocos, radicalismos nos dois lados. Mas no caso da
indicação deste senhor como embaixador no Brasil, achei que foi um grande
equívoco. O Brasil tem um posicionamento tradicional contra os assentamentos
israelenses na Cisjordânia palestina. Então é uma posição tradicional do Brasil
e de muitos países – e aí Israel indica como embaixador de Israel no Brasil exatamente
o sujeito que foi o grande responsável pelos assentamentos israelenses na
Cisjordânia. Aquilo era uma afronta ao Brasil. Eu fui contrário a isto, dei
razão as pessoas que criticaram.
Blog Internacionalize-se: E como o senhor avalia a posição do
Brasil quanto ao conflito árabe-palestino?
Sergio Florêncio: Ah, eu acho que o Brasil tem tido no conflito
árabe israelense uma posição muito equilibrada, uma posição tradicional, que
graças a Deus não foi mexida no governo Dilma. Esta posição hoje sustenta que o
começo de uma solução para o problema consiste na criação de dois Estados.
Então eu acho que esta é a solução – e é a solução inclusive que muitos
israelenses reconhecem como sendo o caminho. Agora, eu acho que a grande
mudança neste contexto aconteceu em 2006, quando houve eleições na Palestina e
infelizmente a vitória foi do Hamas e não da Autoridade Palestina. A vitória do
Hamas radicalizou a posição palestina. E depois disto, esse Netanyahu (Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de
Israel) em Israel tem uma posição muito radicalizada. E aí com radicalismos
dos dois lados inviabiliza-se essa possibilidade de solução com dois estados.
Acho que este é o problema hoje.
Blog Internacionalize-se: Certo. Já estamos encerrando, mas tenho
uma última pergunta. Qual o conselho o senhor daria para aqueles nossos alunos
que desejam seguir a carreira diplomática?
Sergio Florêncio: Em primeiro lugar, se interessar por política
internacional. Quando abrir o jornal – na verdade ninguém abre mais o jornal né
(risos) – quando abrir o site do jornal, não ler só sobre o impeachment, mas
abrir também a página mundo e ler as duas ou três páginas que os jornais têm sobre
os assuntos internacionais. O ideal é também ler também uma revista em inglês. Eu
acho que o “The Economist” – por exemplo – embora tenha sua linha editorial liberal
e etc – é uma grande revista informativa e eu diria que é importante ler. A
outra recomendação é estudar muito História, do Brasil e do mundo. E a última
recomendação seria escrever bem (risos), o que hoje é cada vez mais difícil.
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