Rafael
Pons Reis
No segundo
capítulo do livro “A Política entre as Nações”, Hans Morgenthau constrói uma
linha de pensamento quanto à possibilidade de elaborar uma “ciência da política
internacional”, todavia, não deixa de apresentar certo ceticismo na
possibilidade de fazê-la. A principal dificuldade encontrada por ele está
relacionada com as limitações acerca do entendimento dos processos utilizados
na política internacional devido à ambiguidade do material com a qual o
investigador tem de trabalhar, isto é, ao mesmo tempo que os eventos
internacionais são ocorrências únicas, eles são semelhantes uma vez que são
manifestações de forças sociais. Nesse contexto, questiona-se Morgenthau:
“(...) submetidas a condições similares, essas forças se manifestarão de modo
análogo. Contudo, cabe perguntar: onde devemos traçar a linha que separa o
similar do único?” (p.32). Morgenthau assevera que comparações entre eventos
internacionais podem ajudar o investigador a conhecer os princípios da política
internacional, mas ao mesmo tempo adverte acerca do perigo das “falsas
analogias”:
A primeira
lição a ser aprendida, e jamais esquecida, pelo estudante de política
internacional consiste em entender que as complexidades dos assuntos
internacionais tornam impossíveis quaisquer profecias simples e fidedignas. É a
partir deste ponto que o estudioso se distância do charlatão. O conhecimento
das forças que determinam a política entre as nações, e das maneiras pelas
quais se desenrolam as relações políticas, revela a ambiguidade dos fatos
atinentes à política internacional. Em qualquer situação política, estarão em
jogo tendências contraditórias. Em determinadas condições, algumas dessas
tendências terão maiores probabilidades de predominar mas, dentre essas várias
possibilidades, saber qual delas irá realmente ocorrer constitui área que fica
aberta à capacidade de especulação de cada um. O máximo que o especialista
poderá fazer, nesse caso, é traçar as diferentes tendências que, como potencialidades,
são inerentes a uma determinada situação internacional. Ele poderá também
assinalar as diferentes condições que tornam uma tendência mais suscetível de
prevalecer sobre as demais e, finalmente, avaliar as distintas probabilidades
que as diversas condições e tendências têm de predominar na realidade. (p.
38-9).
Diante
desse contexto, cita como exemplo o modo como a Agência Central de Inteligência
(CIA) foi criticada por não ter prevenido a tempo às autoridades políticas
norte americanas sobre as consequências dos distúrbios que acarretaram na expulsão
do xá Reza Pahlevi, no Irã, em 1979. Nesse contexto, pergunta-se:
A que
devemos atribuir essa falha por parte de pessoas normalmente inteligentes e
responsáveis? A resposta reside na natureza do material empírico com o qual
aquelas pessoas tinham de trabalhar. O observador é confrontado com uma multidão
de fatores que, em sua totalidade, conformam o futuro. Para poder prever o
futuro, o nosso observador teria de conhecer todos esses fatores, todas as suas
dinâmicas, suas ações e reações mútuas e assim por diante. Mas o que ele sabe,
e pode saber, não passa de um pequeno fragmento do quadro total. Ele apenas
pode conjecturar e somente o futuro revelará quem soube, entre as muitas opções
plausíveis, escolher corretamente. (p. 41).
A
despeito da defesa de Morgenthau da perspectiva que a formulação de uma teoria
da política internacional deve necessariamente apresentar um objetivo ético e
prático para contribuir para a paz mundial, o autor menciona que a paz poderá
ser mantida por meio do expediente de dois instrumentos: de um mecanismo auto
regulador das forças sociais sob a forma de um equilíbrio de poder; e o outro consiste nas limitações normativas
referentes à luta em busca de poder no cenário internacional, manifestadas sob
o manto do direito internacional público, da opinião pública e da moralidade
internacional, solução esta que serviu como origem para a formulação do tema da
sociedade internacional da Escola Inglesa, diante da importância da difusão e
socialização das normas estabelecidas entre os Estados nacionais.
Na próxima semana discutiremos a
visão do autor acerca de um dos mais importantes conceitos na literatura
especializada das Relações Internacionais, a questão do poder. Veremos as quatro distinções feitas pelo autor,
respectivamente, entre: i) poder e influência; ii) poder e amor; iii) poder
utilizável e não utilizável; e iv) poder legítimo e poder ilegítimo.
Rafael Pons Reis é
Doutorando em Sociologia Política (UFSC), Mestre em Relações Internacionais
(UFRGS), e professor do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário
Curitiba.