É inegável que a
luta pela erradicação da violência contra a mulher ganha, cada vez mais, palco
no cenário internacional. Representando, as mulheres, 49,5% (2019) da população
mundial, a pauta da igualdade de gênero e seus temas correlatos vêm ocupando espaço
não apenas nos entornos sociais, vindo, igualmente, a conquistar espaços nos
grandes foros internacionais e, também, na estruturação das políticas públicas
nacionais.
Tanto é verdade
que, revisitando a consolidação da proteção internacional dos direitos humanos,
já se faz presente o zelo para que a proteção da mulher se desenrolasse em
solos férteis: a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) fora
concebida com uma neutralidade em sua linguagem e, igualmente, a Carta das
Nações Unidas (1945), logo em seu artigo 1.3, prevê como propósito da própria
Organização, a promoção do respeito aos direitos humanos, sem distinção em
relação ao sexo.
Nas últimas décadas, o plano internacional
debruçou-se sobre a problemática da desigualdade de gênero que, em seu ápice,
pode culminar na violência contra a mulher e no feminicídio. No bojo do sistema
da Organização das Nações Unidas, foi adotada, em 1979, a Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada no Brasil
por meio do Decreto nº 4.377, de setembro de 2002; no coração do sistema
interamericano, está a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, também referida como Convenção de Belém
do Pará (CBP), adotada em 1994 e promulgada no Estado brasileiro através do
Decreto nº 1.973, de agosto de 1996.
Infere-se ser a Convenção de Belém do Pará como normativa idealizadora
da proteção internacional da mulher latino-americana, abrindo a possibilidade
não apenas dos Estados reverterem seus termos legislativos e amplificarem suas
políticas públicas, mas, também, assegurar um foro de reinvindicação e
reversibilidade das violências para além do nacional.
Tanto é verdade que, em termos comprobatórios, fita-se o Caso Maria da
Penha vs. Brasil como um paradigma não apenas de aplicação efetiva da Convenção
de Belém do Pará, mas, outrossim, de aperfeiçoamento legislativo no Estado
brasileiro: fora a partir das recomendações ante ao Caso que emergiu, na órbita
legislativa brasileira, a Lei no 11.340/06, tendente a locupletar os
vazios normativos na violência doméstica e familiar contra a mulher,
contribuindo, igualmente, para o vislumbre de desenvolvimento de políticas
públicas na temática. Ainda, considera-se tal Caso a mola propulsora à inclusão
da qualificadora de feminicídio no Código penal brasileiro, em 2015.
Mesmo sendo inenarrável a importância do Caso paradigma, constata-se
que, em termos práticos, a violência contra a mulher continua assombrando a
realidade brasileira – segundo a própria CIDH, 40% de todos os assassinatos de
mulheres na América Latina e Caribe, sucedem-se em solos brasileiros -, fazendo
com que, novamente, a consolidação da proteção da mulher não passe de um mero
ruído para o governo brasileiro.
Em relação ao Caso González e Outras vs. México, assenta-se o
entendimento, pela primeira vez, que o termo feminicídio estaria apto a
configurar peculiaridades ante o homicídio quando, este, envolver motivo de
gênero. Ainda que não de forma pioneira, tendo em vista a utilização, no Caso,
do método dialógico – fitando-se, aqui, o Caso Opuz vs. Turquia (Corte Europeia
de Direitos Humanos) -, o emprego do vocábulo feminicídio representa um
avanço em termos de capacitação dos agentes públicos nacionais no combate a tal
prática e, não menos importante, na ânsia ainda mais latente por
responsabilização do Estado internacionalmente quando este não garantir as
demandas normativas da CBP.
Por fim, o último caso que despontou no Sistema Interamericano acerca da
violência de gênero fora o Caso Barbosa de Souza vs. Brasil. Cabe ressaltar
que, pela primeira vez na história, a Corte IDH manifestou-se não apenas acerca
das imunidades parlamentares em solos latino-americanos, mas igualmente em
garantir uma implicação efetiva e pedagógica para que os Estados,
definitivamente, entendam que alguns estratos sociais são mais afetados pela
violência de gênero quando certos agentes permeiam-se de garantias
institucionalizadas e possuem, no ideário coletivo, parcelas substanciais de
poder por conta do cargo que ocupam.
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