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domingo, 28 de julho de 2019

Me indica um filme: O Pianista e sua importância no tempo presente








Por Manuella Paola




“Se nos espetardes, não sangramos?
Se nos fizerdes cócegas, não rimos?
Se nos derdes veneno, não morremos?
E se nos ofenderdes, não devemos vingar-nos?”

            O trecho da obra O Mercador de Veneza, de Shakespeare, citado por Henryk, o irmão do protagonista, relaciona-se com todo o sofrimento pelo qual a família Spilzsman passou na Polônia da Segunda Guerra Mundial. O filme nos mostra que a intolerância para com os judeus começou de forma não tão sutil: primeiro, cada família só poderia possuir 2.000 zlotys, a moeda local; o que sobrasse deveria ser entregue aos alemães. Depois, eles eram obrigados a usar uma faixa ao redor do braço, com a estrela de Davi costurada. Os que a portavam e não comprimentavam oficiais nazistas nas ruas da Varsóvia, eram espancados abertamente - e ninguém movia um dedo para impedir. Em seguida, as violações contra a vida dessas pessoas foram ficando cada vez mais à vista: os judeus foram forçados a se mudarem para uma área delimitada pelos alemães, que logo após construíram um muro ao redor dos apartamentos, dando início aos guetos. Eles podiam sair dali e andar livremente por sua cidade? De forma alguma. Quem saísse sofreria graves consequências.

            Durante todo o filme, Adrien Brody interpreta o pianista Wladyslaw Szpilman com tanta sinceridade e emoção que é impossível não ficar tocado. Sua solitária jornada é angustiante e deixa o espectador com o coração na mão, esperando que a qualquer momento ele seja capturado e enviado para um dos temidos campos de concentração - que eram vendidos como campos de trabalho, onde as pessoas teriam uma vida melhor. A situação do pianista melhora (aliás, não piora, pois é difícil ver alguma positividade num momento como o dele) pois ainda havia boas pessoas em Varsóvia. Alguns amigos o ajudaram a se esconder, em diferentes localizações, para que os nazistas não o encontrassem. Depois de um tempo, Wladyslaw passou a se esconder em prédios destruídos pela guerra.

            Varsóvia já não era a mesma, e nem o pianista era o mesmo homem alegre de antes da guerra. Sozinho e com fome, a força que Wladyslaw deve ter tido para passar por toda aquela provação é inimaginável e nos faz pensar que nenhum ser humano deveria sofrer dessa maneira. Baseado em fatos reais, a mensagem de O Pianista é clara: não devemos nunca nos esquecer das atrocidades que foram cometidas contra um grupo de pessoas apenas pela escolha da sua religião. Sabe-se que ainda há muito preconceito contra diversos grupos - raça, orientação sexual, nacionalidade. Mas o que deve permanecer em nossas mentes é que não foram apenas monstros que permitiram que o Holocausto acontecesse. Foram, também, pessoas normais, que simplesmente escutaram o que um louco disse e não fizeram nada a respeito. Esse erro não pode se repetir.

            O Pianista é baseado na autobiografia homônima de Wladyslaw Spilzman e dirigido por Roman Polanski, que teve os pais mandados para campos de concentração. É um filme que toca nossos corações, através da música e do sofrimento. É um filme que nos faz perceber a força das pessoas que passaram por essa angustiante e triste situação e deixa uma pergunta em aberto: onde elas encontraram essa determinação para viver? Talvez a centelha de esperança em seus corações de que o mundo melhorasse um dia nunca tenha se apagado. E não deve se apagar nos nossos.

            Bom filme!

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Me indica um filme: Horas de Desespero (“No Escape”): guerra civil, Convenções de Viena e Haia e a ideologia anti-EUA

Figura 1 - Ilustração publicitária em título original "No Escape" (Fonte: Taxicafé[1])

Por Igor Vieira Brandão

Horas de Desespero (2015), tem em seu título uma presunção muito assertiva, porque a cada minuto o telespectador é mantido preso no sofá acompanhando a aflição de uma família americana que se vê em uma situação no mínimo... terrível. Imagine ser estrangeiro em um país asiático onde de repente “estoura” uma guerra civil, a população manifestando-se contra a influência das potências sobre a sua vida rotineira e que, por grande azar, o seu país de origem é a maior potência. Tudo piora pelo fato de estar com suas duas filhas pequenas e quando o consulado/embaixada de seu país foi invadido e destruído.
Owen Wilson interpreta Jack Dwyer, um funcionário da empresa americana Cardiff, especializada em sistemas de água, que está a estabelecer negócios no país. Após ficar claro que os rebeldes estão em busca frenética por estrangeiros selecionados para assassiná-los a sangue frio, Jack tem o desafio de fugir para os mais variados esconderijos, tendo que lidar com o insucesso de sempre ser descoberto. Após encontrarem agentes do governo britânico em uma situação parecida, são informados da única maneira de salvar a vida de sua família, juntamente a esposa, e este caminho retrata muitos assuntos abordados em sala de aula sobre ato de guerra (e a Convenção de Haia) - já sendo essa uma boa justificativa para assistir este grande filme de thriller/ação. Somado a isto, podemos ver claramente uma exemplificação dos descumprimentos das re
soluções da Convenção de Viena sobre a imunidade das repartições consulares e sedes ou escritórios de representação de organismos internacionais, e da visão anti-EUA, cada dia mais presente principalmente em discursos terroristas, fazendo dos assassinatos um verdadeiro genocídio, pelo fato de que o ódio empregado está associado a busca de realizar um ataque sociopolítico para extinguir uma determinada porção de pessoas.
O filme é dirigido pelo americano John Erick Dowdle, ganhador do BloodGuts UK Horror Award, pelo citado filme.
Bibliografia:
1. Taxicafé - http://www.taxicafe.com.br/tag/horas-de-desespero/
- “No Escape (2015 film)” - Wikipédia - https://en.wikipedia.org/wiki/No_Escape_(2015_film)
- “John Erick Dowdle” - Wikipédia - https://en.wikipedia.org/wiki/John_Erick_Dowdle
- “John Erick Dowdle – Awards” - IMDb - https://www.imdb.com/name/nm0235719/awards

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Me indica um livro: Um lugar chamado liberdade


Por Manuela Paola


Mack McAsh pode viver em 1766, mas seu desejo por melhores condições de vida e de um trabalho digno perduram até os dias de hoje. Trabalhando como um escravo nas minas de carvão da fria e chuvosa Escócia, ele é um dos líderes da aldeia de Heugh que conseguiu escrever a um advogado londrino para saber das leis trabalhistas.

 Mack, então, descobriu que não precisava viver como um escravo pelo resto da sua vida: ele podia se livrar das amarras invisíveis que o prendiam à mina de carvão e à família Jamisson, que era dona das terras onde Mack trabalhava. O trabalho degradante que afetava a vida de mulheres, crianças e homens enfurecia o jovem trabalhador, mas não parecia causar sentimento algum aos aristocratas, que açoitavam  sem dó seus trabalhadores que tentavam fugir - literalmente seus, já que eram vistos como propriedades da elite.

 À frente do seu tempo, o trabalhador das minas ansiava por viajar para um lugar onde pudesse ser livre e trabalhar de uma maneira humana. Para tal, ele precisava fugir da aldeia de Heigh e chegar à Londres, onde se tornou influente e conhecido, à ponto de provocar greves que mobilizaram inúmeros trabalhadores que não tinham a força para lutar por si mesmos. No entanto, numa armação provocada por quem o odiava, Mack acaba sendo preso injustamente e condenado à forca. Com a influência de quem se importava com ele, a justiça reverteu a condenação e decidiu por mandá-lo como escravo para a América. Novamente, Mack se encontrou preso e ainda mais longe da tão sonhada liberdade.
            
 Do outro lado do espectro, temos Lizzie Hallim, uma aristocrata que não tinha mais um xelim para gastar - culpa de seu falecido pai - e ainda assim, nunca perdeu a compostura. Lizzie era desinibida e não entendia as regras sociais que a forçavam a se comportar como uma respeitável senhora. Ela desejava cavalgar com as uma perna de cada lado do cavalo, gostava de falar sobre política e adorava praguejar. Mas independente de sua classe social, ela foi obrigada a fazer um sacrifício para salvar a si e sua mãe de uma vida que nenhuma delas iria aguentar: uma vida sem luxos. O casamento arranjado com um filho dos Jamisson foi a perfeita solução para os problemas de Lizzie. No entanto, ela ainda não estava satisfeita: seu maior desejo era sair da Escócia e conhecer o mundo. Assim, como presente de casamento, o casal recebeu uma fazenda de tabaco na Virgínia, que se encontrava na distante América.
          
  Por obra do destino ou no quer que você acredite, Mack McAsh foi parar na fazenda de tabaco do casal Jamisson, onde seus laços com Lizzie, criados quando ainda eram pequenos, começaram a se estreitar. Juntos, eles percebem que devem fugir se quiserem ser livres como sempre sonharam.
        
 Ken Follet nos coloca dentro das minas de carvão, narrando com realismo o sofrimento dos trabalhadores, assim como o dos escravos nas fazendas de tabaco na América. É preciso prestar atenção a miséria pela qual essas pessoas passaram - e que algumas continuam passando - para que o futuro possa ser diferente do passado vivido por Mack McAsh. O autor também engloba temas atuais, como greves e direitos trabalhistas, misturando-os com história, quando as colônias inglesas começaram a pensar sobre sua independência da colônia britânica e a conquista do Oeste americano.

Apesar de pecar um pouco quando narra as partes de Lizzie - lágrimas em excesso para o gosto desta autora -, a busca dos personagens por liberdade envolve o leitor e nos deixa pensando se somos realmente livres - seja de costumes sociais, casamentos ou até mesmo de nossas próprias famílias. A história de Mack e Lizzie é inspiradora, como você descobrirá no final do livro, e deixa com um gostinho de quero mais livros como esse! Se você gostar de Um lugar chamado liberdade, esta autora recomenda fortemente outras obras de Follet, como a trilogia O Século e O Buraco da Agulha. Boa leitura!

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Me indica um filme? - Enterrem meu coração na curva do rio, a perspectiva pós colonialista na obra de Dee Brown.






Por Lígia Penia


“Seu Deus nos diz:“crescei e multiplicai-vos” , mas como terei esposa e filhos se não posso sustenta-los nas terras que me me propõe”?
Touro Sentado, chefe indígena

O pós colonialismo faz parte do grande grupo do terceiro debate nas relações internacionais. Esse é o grupo pós positivista que traz à tona perspectivas muito diferentes das clássicas dentro da área, e os estudos relacionados ao tema em questão serão especialmente diferentes por adotarem perspectivas teóricas marginais.

Na perspectiva imperialista há o centro, o colonizador, e os outros sob seu domínio. Do centro vem o domínio material, que se dá a partir da tomada das terras, por exemplo. Pensando a partir da perspectiva pós colonialista, existem vários centros, e se apenas alguns poucos têm poder, a desigualdade se vê nas margens, mas não apenas materialmente, mas também no processo que segue após a descolonização, no qual se percebe que a visão de mundo permanece, o padrão de vida, os comportamentos: a cultura do dominador que incide sobre o dominado, são exemplos o modo pelo qual a história foi contada, as referências e a aplicação do pensamento. A desconstrução pós colonialista questiona essa forma de ver o “outro”, e propõe recontar a história reconhecendo o “eu”, além de propor a partir daqui novas alternativas.

Para chegarmos aí, a proposta é analisar novamente o que conhecemos como correto, óbvio, porque a partir daí podem-se compreender outras verdades, e sociedades completas, inclusive, que sob esse véu foram violentadas material e ideologicamente.
Sociedade relevante à essa análise é a sociedade indígena na América do Norte, das tribos Dakota, Ute, Soiux e Cheyenne retratadas por Dee Brown em seu livro “Enterrem meu Coração na Curva do Rio”. O autor e historiador dedica seus estudos à história americana: no título original “Bury My Heart at Wounded Knee”. Wounded Knee foi o massacre da população indígena na reserva de Pine Ridge, que seria pertencente ao povo Dakota. O filme, de 2007, é uma interpretação muito bela da obra.

Holywood é representação, como seu próprio nome diz, de uma terra ‘sagrada’, mas os seus filmes de faroeste mostraram a morte de uma população que não teve a oportunidade de mostrar o seu modo de compreender seu sagrado ali. “Enterrem meu coração à margem do rio”, portanto, é oportunidade nova de compreender a história a partir da perspectiva indígena, esquecida até então.

O filme conta a história dos acordos entre o senado e os indígenas sobre demarcação de território. Num primeiro contato, muitos índios foram mortos com a vinda dos europeus à região, agora o senado compreendia estar numa nova fase de articulação pacífica. É uma obra cheia de significados do começo ao fim, mas dois momentos chamam especial atenção.

No início do filme, um menino é escolhido para ter formação como médico, ele é retirado da comunidade indígena que vivia para viver num padrão europeu. Ohiyesa, na formação primária, está sentado na sala de aula quando a professora faz uma pergunta e ele levanta sua mão para respondê-la. Ela o diz que apenas poderá ouvi-lo quando tiver escolhido seu nome cristão. A partir daí Ohiyesa passa a se chamar Charles. Charles realmente existiu.

O nome tem grande importância na vida de uma pessoa, já que nele estão as raízes sociais. Seu nome era característico de outra cultura, e como ela não era permitida ali, só poderia começar a falar ao se enquadrar no padrão cristão europeu enquanto Charles. Foi um ato de racismo e humilhação, não apenas da professora, mas de toda aquela sociedade. Mais tarde, quando Charles já é adulto, tem dificuldades em compreender algo diferente do que viu na sua formação, por isso apoia os projetos dos “homens brancos”. Ao voltar à sua família indígena, começa a compreender tudo o que viveu e a realidade e sofrimento daquele povo. Passa então de apoiador para crítico, por isso de médico oficial para desempregado e atordoado. Depois de meses com dificuldades lhe é oferecido um trabalho para que se sustente: o de escolher nomes cristãos para pilhas de índices com nomes de indígenas, tudo para facilitar a identificação dessas pessoas pelo governo.

O segundo momento é quando um grupo de homens do governo vai até as terras indígenas para fazer uma proposta: demarcariam terras individuais para cada família, onde poderiam plantar e morar. As terras remanescentes da reserva seriam vendidas, por preço ínfimo, e o dinheiro lhes seria pago. Parece uma proposta muito boa, segundo a lógica dos novos americanos, e aos seus olhos irrecusável - porém não faz sentido algum perante a lógica indígena por diversos motivos:  os índios não plantavam e apenas comiam de vegetais e frutas o que já havia naturalmente nascido, índios caçavam, o que não pode ser feito na propriedade privada, já que a caça exige vastos terrenos e, por último, como Charles mesmo pontua no filme, na lógica indígena não existe a ideia de propriedade privada, não se poderia nem compreender isso na linguagem já que nunca existiu para eles. Aceitar a proposta significaria submergir na lógica do outro, por isso não o fizeram, já que nada daquilo fazia sentido. Algum tempo depois definitivamente deixou de existir, porque o massacre eliminou todos.

O autor, Dee Brown, faleceu em 2002, tido como referência enquanto historiador especialista da história indígena americana, e, enquanto escritor, deixou uma vasta biblioteca com diversos títulos sobre o assunto.