Ilustração
do filme “O Destino do Changri-lá” (2015) do cineasta Flávio Cândido, premiado
pelo Festival de Cinema de História Militar – Militum, por melhor direção e
pelo caráter “historiador”.
Por Caroline
Gawlak da Costa,Graziele
Nagy Godoi, Igor
Vieira Pinto Brandão, Lucas
Gottuzo Queiroz,Vitor
Gabriel Barbosa e Willian
Lucio Marquesini Vaz**
Na manhã de domingo de 4 de
julho de 1943, na região de Cabo Frio no litoral fluminense, o navio pesqueiro
brasileiro Changri-lá- da Colônia de Pesca Z-5, era interceptado e destruído
por tiros de canhão, deixando seus 10 tripulantes mortos. Na época, ocorria a
Segunda Guerra Mundial e, o submarino (ou u-boot, da palavra alemã unterseeboot) da então Alemanha Nazista
de Hitler, o U-199- um dos mais modernos e poderosos da marinha alemã,
percorria a costa brasileira. Não estavam aqui a passeio, mas sim, por um ato
de combate já que em agosto de 1942, o presidente brasileiro Getúlio Vargas,
havia declarado guerra à Hitler.
-
Onde: No município de Arraial do Cabo (largo do Cabo Frio), 118
km de distância da capital, Rio de Janeiro (RJ).
-
Informações técnicas sobre o pesqueiro Changri-lá: Construído
em casco de madeira, tinha 9,5 metros de comprimento; 2,85 metros de largura;
1,10 metro de pontal, e 20 toneladas de arqueação bruta, velocidade máxima de 7
nós (equivalente a 12,964 km/h). Tinha equipagem de seis pessoas, um bote para
oito pessoas e 22 coletes salva-vidas.
-
Vítimas a bordo do pequeno navio brasileiro:
-
José da Costa Marques, mestre (mais de 30
anos de experiência)
- Deocleciano Pereira da
Costa, condutor motorista
- Ildenfonso Alves da Silva,
cozinheiro
- Manoel Francisco dos Santos
Júnior, pescador
- Otávio Vicente Martins,
pescador
- Manoel Gonçalves Marques,
pescador
- Apúlio Vieira de Aguiar,
pescador
- Joaquim Mata de Navarra,
pescador
- Zacarias da Costa Marques,
pescador
- Otávio Dancata, pescador
Na época, o primeiro processo foi
encaminhado ao então Tribunal Marítimo Administrativo (presidido pelo almirante
Mário de Oliveira), o qual prontamente foi arquivado (em 1945) pela
impossibilidade de obtenção de qualquer tipo de prova, que levasse a considerar
o afundamento, qualquer coisa que não fosse um naufrágio acidental.
A aliança entre Brasil e
Estados Unidos resultou no afundamento do submarino alemão que espreitava a
costa brasileira, alguns dias após o desaparecimento do Changri-lá. Apenas 12
homens sobreviveram (49 mortos), entre eles o Comandante Hans Werner Krauss. Em
depoimento, formalizado em relatório por agentes da inteligência americana,
estes confessaram o abatimento de "uma embarcação pequena e de carga”: “Eram
homens ávidos por fazerem o maior número de vítimas. Não havia nenhuma
necessidade de ataque de um barco pesqueiro”[1], explica o
historiador Elísio Gomes Filho: "Eles assassinaram, foi um crime”.[1]
De acordo com o testemunho de
Paulo Silva, filho de uma das viúvas do caso, foram rajadas de metralhadoras e
cinco tiros de canhões que afundaram o pesqueiro. “Pescaram lado a lado com os
submarinos a vista”.[1]
Os 10 mortos no pesqueiro, dentre
eles, um trabalhador de 16 anos, nunca foram encontrados. Paulo também cita
que, a mãe deste jovem, “ficou louca após saber do que tinha acontecido”.[1]
Trecho do mesmo relatório, os
prisioneiros detalham que, em torno de 22 de julho, o U-199 estava patrulhando
na superfície à noite quando observou uma sombra a bordo. Prisioneiros disseram
que subsequentemente provou-se ser um veleiro ou uma embarcação com uma vela
atrás. Kraus decidiu afundar a embarcação por canhoneio e disparou um número de
tiros pelo seu [canhão de calibre] 37 mm até que o 105 mm pudesse ser
guarnecido. Nenhum dos tiros do 37 mm achou o alvo. O 105 mm então disparou
sete tiros, dos quais os dois últimos acertaram e afundaram-na". Afundavam
qualquer coisa que encontrassem em seu caminho, para evitar que suas posições
fossem descobertas.
Segundo um oficial americano, o
pequeno tamanho do navio atacado, justifica a falta destroços, a única coisa
que restou foi um pedaço do barco chegou à orla, menos de 15 dias depois do
ataque.
As testemunhas ouvidas à
época, que conheciam muito bem o barco sinistrado, foram enfáticas em afirmar
que o pesqueiro não teria naufragado com facilidade, por ser uma embarcação bem
aparelhada para o que se propunha, inclusive dotada de bastante solidez.
Foi Elísio Gomes Filho - que
também é especialista em naufrágios, e já citado anteriormente - quem
fundamentou em 1999, com base no conhecimento destes arquivos, a reabertura do
processo no Tribunal Marítimo, que concluiu em 2001 que o pesqueiro havia sido,
de fato, alvo de ação de um submarino alemão, o U-199, por ser o único alvo
dentro da coordenada na qual, dias depois, o submarino foi afundado por aviões
da Marinha dos EUA e da FAB (Força Aérea Brasileira).
Segundo o mesmo historiador, como
era uma embarcação pequena, faltou um pouco de interesse do tribunal da Marinha
na época, mas foi feito um inquérito e existiam provas que poderiam ter dado
continuidade. Além disso houveram mais mortes do que outros navios maiores que
foram atacados.
Em 2004, em cerimônia no
Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro, finalmente
os tripulantes da embarcação tiveram seus nomes inscritos no Panteão dos Heróis
de Guerra.
Apesar da homenagem, os
descendentes dos pescadores ajuizaram diversas ações na Justiça Federal do Rio
de Janeiro, contra a União Federal e também contra a República Federal da
Alemanha, pleiteando indenizações por danos morais e materiais.
O comandante do U-199 não
considerou todas as regras da guerra, contrariando a proibição de evitar
sofrimentos desnecessários e danos inúteis pois, além de tratar-se de um alvo
civil, seu afundamento não traria nenhum benefício para os alemães, no desenrolar
da guerra.
Em 2016, O ministro Luiz Fux,
do Supremo Tribunal Federal (STF), negou provimento a recurso por meio do qual
se buscava trazer à Corte a análise sobre pedido de indenização à República
Federal da Alemanha pelo naufrágio de um navio pesqueiro na costa brasileira em
1943. A decisão do relator foi tomada no Recurso Extraordinário com Agravo
(ARE) 953656, interposto nos autos de ação movida por uma descendente de
tripulantes da embarcação. Além de citar óbices de natureza processual para
desprover o recurso, o ministro destacou a imunidade de jurisdição, uma vez que
a hipótese compreende ato de guerra, não cabendo à Justiça brasileira apreciar
pedido de indenização contra o Estado estrangeiro.
O ministro menciona ainda
entendimento proferido pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), em 2012, na
qual foi acolhido pedido da República Federal da Alemanha contra decisão
proferida por autoridades italianas. No caso, foi reconhecido o desrespeito à
imunidade de jurisdição exatamente por se permitirem pedidos judiciais de
reparação por danos causados por militares alemães durante a Segunda Guerra
Mundial.
Por outro lado, na época dos
fatos já se encontrava vigente a Convenção de Haia, de 1907, violando assim os
princípios gerais do direito internacional humanitário e a proteção aos não
combatentes. Entretanto, a imunidade de jurisdição (acta jure imperii ou ato de império), mostrou pender como
“justificativa pétrea” e, casos como o da embarcação brasileira, só confirmam o
quão danoso pode ser o efeito da guerra e tamanha a necessidade de buscar evitá-la,
instituindo normas internacionais que coloquem a vida de inocentes em primeiro
lugar.
BIBLIOGRAFIA
E REFERÊNCIAS
1. INTER TV – afiliada a TV
Globo, na Região dos Lagos - http://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2015/02/o-destino-de-changri-la-resgatando-uma-historia-da-segunda-guerra.html
- Folha de São Paulo
(05/08/2001) - https://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u23152.shtml
- Wikipédia – “Shangri-lá
(barco)” - https://pt.wikipedia.org/wiki/Shangri-l%C3%A1_(barco)
- Supremo Tribunal Federal
(STF) – online – Imprensa (Notícias STF) (30/08/2016)
- Filme “O Destino do Changri-lá”
(2015) do cineasta Flávio Cândido, premiado pelo Festival de Cinema de História
Militar – Militum, por melhor direção e pelo caráter “historiador”.
- Supremo Tribunal Federal
(STF) – Jusbrasil -https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/1110904/alemanha-deve-se-manifestar-sobre-barco-brasileiro-afundado-na-segunda-guerra-mundial
- Jota (site) -https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/dados/rui/brasil-julgar-alemanha-ato-guerra-stf-05102018
- Jota (site) - https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/justica/fachin-defende-repercussao-geral-no-caso-changri-la-24042017
**A seção "Direito Internacional em Foco" é
produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais
do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As
opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.
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