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sexta-feira, 11 de maio de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: Ação e reação - a dinâmica de poder das potências nos ataques químicos de Salisbury e Douma


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.



Ação e reação - a dinâmica de poder das potências nos ataques químicos de Salisbury e Douma 



Bruno Dal Prá Araldi *

É possível afirmar que existe um regime internacional de normas e procedimentos bastante consolidado quanto ao uso e produção de armas químicas, através da Convenção sobre as Armas Químicas, em vigor desde 1997 e contando com a participação quase unânime da comunidade internacional – uma vez que 192 países dos 193 membros da ONU ratificaram o acordo. Ainda assim, os recentes ataques químicos em Salisbury no Reino Unido e na cidade síria de Douma reacenderam o debate acerca do uso desse tipo de armamento. Embora as circunstâncias tenham sido distintas em cada um desses ataques, ambos serviram de importante fator catalisador para o aumento das tensões entre o Ocidente e o Oriente à qual temos assistido nos últimos anos. 

Ambos os ataques, perpetrados em março e abril últimos, têm suas particularidades. O primeiro, microscópico e silencioso, está relacionado à suposta tentativa de assassinato, por parte do serviço secreto russo, do ex-agente duplo a serviço da inteligência britânica Sergei Skripal. Este atentado foi realizado por meio do uso de um agente nervoso enquanto Skripal recebia a visita de sua filha na pequena cidade de Salisbury, no sudoeste da Inglaterra. O segundo, macroscópico e devastador, se refere ao suposto uso de armas químicas pelo Exército Sírio em um ataque militar realizado sobre a cidade de Douma, que teria matado mais de 70 pessoas.

Apesar das diferenças circunstanciais e de escala entre os ataques, ambos apresentaram um fator em comum interessante: foram elementos significativos para a agravação das tensas relações entre as potências do Ocidente – Estados Unidos, Reino Unido e França – e países da Eurásia, sobretudo a Rússia. 

Em ambos os casos, a reação das potências ocidentais foi rápida e assertiva. As violações do direito internacional sobre as armas químicas verificadas nesses ataques serviram de pedra angular para a manutenção de uma retórica de “tolerância zero” ao uso de armamento químico por parte do Ocidente, caracterizando uma espécie de razoamento – ou discurso que justifica uma ação – para legitimar uma reação mais contundente frente à exposição em relação às ameaças percebidas, sejam elas as armas químicas em si ou a influência geopolítica russa. 

No Reino Unido, o “incidente” de Salisbury gerou uma grave crise diplomática com a Rússia, que teve seus diplomatas em Londres prontamente expulsos do país. Essa atitude foi acompanhada de forma similar por 28 outros países, sobretudo da União Europeia, causando retaliação semelhante por parte de Moscou. Apenas alguns dias após o suposto ataque em Douma, uma ação militar conjunta por parte do Reino Unido, dos EUA e da França realizou bombardeios estratégicos sobre diversas instalações do governo sírio que seriam responsáveis pelo desenvolvimento e armazenagem de armas químicas, antes mesmo de haver qualquer investigação sobre o ataque por parte da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), organização encarregada de monitorar e investigar casos relacionados a usos de armamento químico. 

Ainda que em 2012 o governo do então presidente dos Estados Unidos da América Barack Obama já tenha abertamente estabelecido uma “linha vermelha” sobre o uso de armas químicas na Síria como limite para a intervenção direta estadunidense no conflito, foi somente com a administração Trump que a promessa de ação militar punitiva se cumpriu. Ainda em 2017, Trump promoveu o bombardeio norte-americano sobre uma base aérea síria após o ataque com armas químicas pelo governo de Assad sobre a cidade de Khan Shaykhun. 

A renovação da medida em 2018, após Douma, e dessa vez em maior escala (tanto em poder de fogo quanto na quantidade de forças envolvidas), aliada à questão de Salisbury, reforça a postura de tolerância zero ao uso de armamento químico. A ação unilateral ou coordenada por parte das potências ocidentais, quando não recorrendo a dispositivos militares, se mostrou ineficiente para conter as capacidades e predisposição do regime sírio em utilizar esse tipo de arma. Nas palavras da Primeira-Ministra britânica, Theresa May, estes países não podem “permitir que o uso de armas químicas se torne normalizado – seja na Síria, nas ruas do Reino Unido ou em outro lugar.” 

No entanto, uma das grandes dificuldades nos casos do uso de armas químicas está em se atribuir culpados com clareza, devido ao caráter geralmente impessoal desse tipo de armamento. Esse fato é, precisamente, base para o argumento russo frente as acusações em que Moscou encontra-se envolvida sobre esses recentes ataques, tanto na condição de principal suspeita em Salisbury quanto como mais influente aliado do governo de Assad. 

Negando qualquer envolvimento com o caso de Salisbury e contestando a veracidade do ataque em Douma, o governo russo tem sustentado o argumento de que as potências ocidentais, carentes de provas concretas, têm manipulado evidências e encenado um ataque na Síria para justificar uma ação não voltada a supressão do uso de armas químicas, mas sim promover um isolamento da Rússia no sistema internacional. A isto respondeu, em uma recente reunião do Conselho de Segurança, a representante permanente do Reino Unido junto a ONU, Karen Pierce, afirmando que a “a Rússia tem se recusado a assumir sua responsabilidade como membro permanente do Conselho em prevenir o uso de armas de destruição em massa, apoiando o seu uso por parte de seus agentes e aliados”, como em Salisbury e em Douma, juntamente ao argumento de que o governo russo estaria colocando obstáculos para impedir uma investigação transparente por parte da OPAQ na Síria e a prestação de contas em casos de ataques químicos. Assim, a falta de cooperação por parte da Rússia estaria por fazer com que ela “isolasse a si mesma”. 

Apesar das incertezas lançadas sobre ambos os casos, os recentes ataques químicos tornam ainda mais evidente uma crescente polarização no sistema internacional entre as potências ocidentais e países de fora da região, notadamente a Rússia, que se observa ao menos desde a crise ucraniana que levou à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. As sucessivas crises diplomáticas entre ambos os polos e, mais recentemente, a iniciativa do governo Trump em promover de fato ações militares punitivas ou preventivas, aumentam as tensões que antes se limitavam a manutenção de linhas retóricas podem estar escalando para um enfrentamento mais amplo no sistema internacional, podendo talvez vir a assumir contornos mais concretos.


* Bruno Dal Prá Araldi é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e pesquisador do Grupo de Pesquisa RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional.

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