A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
As Guerras Tradicionais como conceito fundamental das Relações Internacionais
Lucas Andrade Quental
Nemésio Neto
Luiz G. G. Schinzel
As bases teóricas fundamentais da “Guerra”
Primeiramente, é importante ter em vista quais são os principais teóricos que discorrem sobre a “guerra”, e, assim, tal conceito talvez tenha o general prussiano Carl von Clausewitz como seu principal teórico. Porém, na época em que Clausewitz escreveu sua obra “Da Guerra”, a realidade dos conflitos era consideravelmente diferente do que aqueles que vemos no mundo contemporâneo. Melhor do que dizer que Clausewitz é o principal teórico da guerra, é dizer que ele é um teórico clássico. Os pensadores realistas, talvez, são os teóricos contemporâneos que melhor se encaixam no âmbito das teorias de RI.
Com tais parâmetros iniciais sobre o assunto, durante suas pesquisas ao longo do ano, os membros do subgrupo de “Guerra Tradicionais” definiram este objeto de estudo como as forças violentas organizadas e promovidas pelas unidades políticas entre si, ou seja, o uso da violência para maximização teleológica de seus objetivos. A definição da Guerra Tradicional está totalmente ligada a um conceito; ele não acontece por acaso como define Gérard Fourez sobre o viés do conceito (FOUREZ, 1995), onde a noção do conceito está ligado a um significado (o seu conceito cru) e a uma significante (tudo que está por trás deste conceito, seja histórico, político, econômico e etc). Basicamente, a Guerra não é simplesmente um fator que é visto pelos olhares da história que ficou marcado na trajetória da humanidade desde a imposição do modelo Westfaliano e nem muito menos estar atrelada a questão de táticas de defesas.
A Guerra Tradicional deve ser visualizada também no papel dela e da violência por ela desenvolvida atreladas as discussões de segurança e desenvoltura de estratégias políticas no cenário e Sistema Internacional. As definições de poder por (CHOMSKY e FOUCAULT, 2014) e as teorias das Relações Internacionais: realistas, neorrealistas, behavioristas, construtivistas e alguns debates sobre Segurança Internacional podem usados para definir melhor o conceito de Guerra Tradicional. Usando a teoria Clausewitziana que pressupõe que a guerra possui um início e um fim, mas isso é por conta de que se trata de guerra entre dois Estados, pois a guerra dos povos não possui um fim.
Para Clausewitz (2010), “a guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, assim, vemos a guerra entendida na sua própria realidade, isto é, entre Estados, portanto é aquilo que chamamos de simétrica. O Estado passou a ter o monopólio da guerra e a guerra dos povos tornou-se ilegítima, isto é, o Estado atua de acordo com regras que definem a legitimidade de um conflito; o conflito é visto como civilizado.
Portanto, a guerra tradicional se difere das demais pelo amparo jurídico que possui. O oposto disso é uso de grupos não-civilizados – a guerra dos povos – por parte dos Estados para promover aquilo que eles estavam impedidos pelo Direito Internacional de fazer.
Afinal, qual a relação conceitual-material que a Guerra mantém conosco?
O historiador John Keegan, no livro “Uma História da Guerra”, afirma que o homem é um animal que faz guerra, portanto a guerra precede a existência do Estado. Em outras palavras, a guerra é uma condição natural do ser humano. O filósofo Thomas Hobbes expõe essa ideia em sua teoria política ao afirmar que em um momento anterior a sociedade civil, o homem vivia em um estado de natureza em que venceria aquele que fosse o mais forte. O pacto social hobbesiano diz respeito à repressão dessa violência existente no estado de natureza; nele o homem abriria mão de parte de sua liberdade para que a autoridade civil possa protegê-lo. Hobbes fala de um Leviatã cujas dimensões e presença seriam suficientes para impedir que outros peixes comessem uns aos outros.
Em relação ao Estado, no Realismo Clássico é possível colocar a fundamentação de Tucídides ligado aos elementos modernos das RI como as guerras, a importância do comércio, as negociações e as alianças. Edmund Carr, Morgenthau e Kissinger com o conceito de Realpolitik – já que este último avalia a política exterior baseada em avaliações de poder e interesse nacional –, irão pautar essas ideias focados na anarquia internacional, no sentido que os Estados vivem sem uma força hierárquica maior capaz de impedir e regrar a suas ações. Assim, cada um é responsável pela sua própria sobrevivência assim transformando o sistema em um caos, em uma desordem, o que leva os Estados a viver nas sombras da Guerra. Vale lembrar que os indivíduos para o Realismo são somente os Estados e que qualquer outra instituição não tem um peso tão relevante no Sistema Internacional.
REFERÊNCIAS
CHOMSKY, Noam e FOUCAULT, Michel. Natureza Humana – Justiça vs. Poder. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. 3ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. Tradução de Luiz Paulo Rouaner. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.
KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
MORGENTHAU, Hans. A Política entre as Nações. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 2003.