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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: Os conflitos internacionais, a violência e as Relações Internacionais



A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

Os conflitos internacionais, a violência e as Relações Internacionais

Gustavo Glodes Blum *


Durante o ano de 2017, o Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional” – RPSI se dedicou ao estudo dos conflitos internacionais. Dentro deste projeto, denominado “As redes da guerra e a guerra em rede”, buscamos, tanto coletiva como individualmente, trazer para a discussão das Relações Internacionais questões relevantes para a compreensão destes mesmos conflitos. E, a partir deste momento, os membros do RPSI passarão a trazer, para este espaço no Blog Internacionalize-se, alguns dos resultados de suas pesquisas - e tive a honra de poder começar a debater alguns dos elementos importantes que debatemos até agora.

Um primeiro elemento a se considerar quando analisamos os conflitos internacionais é a sua composição. Não há como analisar os conflitos internacionais sem tentar entender quais são as partes envolvidas, e nem a forma como elas se relacionam com processos socioespaciais relevantes para a evolução daquela questão, e o uso da violência no Sistema Internacional. Isso decorre do fato de que, como afirma Hew Strachan (2013), “A guerra é (...) não a aplicação unilateral de políticas, mas o produto de trocas recíprocas entre propostas políticas diversas” (p. 13). Se consideramos que a guerra é marcada pela multilateralidade, então torna-se necessário compreender o envolvimento destas partes, sendo que elas podem tanto ser beligerantes no conflito como partes envolvidas no processo de forma indireta.

Como, porém, compreender a intencionalidade destes atores? Por serem processos sociais, as guerras envolvem, necessariamente, estes agentes socioespaciais. E, se eles agem – mesmo em direção ao uso da violência como um todo – isso significa que o desenvolvimento das práticas de uso da violência direcionado à eliminação ou neutralização do inimigo traz, consigo, intenções e motivações. 

Poderíamos afirmar que as intenções são aquilo que alguém ou algum grupo pretende realizar, o objetivo de qualquer ação, uma vez que a realização de algum ato nunca é desinteressada, nem não-intencional (SANTOS, 2012; FOUCAULT, 2014). Ao utilizar a violência ou aplicar práticas de guerra, os grupos organizados em torno dos conflitos internacionais buscam atingir seus objetivos, sejam eles bem específicos e materialmente delimitados (como no caso das guerrilhas), sejam delineados em grandes temas de caráter quase transcendental (como é o caso do terrorismo nacionalista ou religioso). O uso da violência aparece como a forma necessária para atingir esse objetivo, e por isso compreender as intenções das partes é algo tão importante.

Por sua vez, as motivações podem ser consideradas as causas de desenvolvimento das ações, o que significa dizer que são as causas conforme interpretadas pelos atores beligerantes, que levam à tomada de ações com o cunho de participar, envolver-se ou inclusive se sobrepor ao conflito. Essas causas, porém, não podem ser consideradas causas individuais, já que seria simplificar os diversos processos sociais e históricos pelos quais passam esses grupos beligerantes. Assim, as guerras sempre devem ser compreendidas a partir de uma perspectiva longa duração, seja através da ideia de forças profundas de Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle, seja através da ideia de longas curvas de Ferdinand Braudel. 

Assim, analisar o jogo de forças de todas essas naturezas se apresenta como um método interessante para compreender a forma como os agentes beligerantes formularam suas motivações para agir através do uso da violência. Da mesma forma como os discursos justificadores da ação, e as cosmovisões dos beligerantes, as forças profundas nos permitem uma leitura contextual muito importante para que os conflitos possam ser encarados não como uma questão superficial, mas sim como “sintomas” de processos muito mais profundos e mais relevantes para a sua compreensão e, em última instância, sua resolução.

Fazer a relação entre os conflitos, o uso da violência e as Relações Internacionais, porém, exige debater com profundidade alguns elementos que permitem nos compreender a forma como esses elementos interagem entre si. Um aspecto relevante, por exemplo, é compreender a forma como estes conflitos interagem com outras regiões mundiais, ou se ele permanece circunscrito ou não à região onde se originou. Aí, dois conceitos geográficos podem auxiliar: a ideia de mobilização dos agentes socioespaciais e a amplitude do fenômeno – a escala (CASTRO, 1995) – e a forma como as ocorrências da violência afetam outras áreas do Sistema Internacional – as verticalidades e horizontalidades dos conflitos (SANTOS, 2012).

Por fim, uma última discussão que se faz necessária é a percepção a respeito da relação entre as partes envolvidas em sua dinâmica de conflito. Ao longa da pesquisa, nos pareceu interessante perceber que as definições tradicionais sobre a guerra surgiram apenas neste local, uma vez que percebem a guerra como combate, o que são questões diferentes e que estabelecem resultados diferentes dentro das suas análises. As categorias que utilizamos foram a de simetria jurídica, de capacidade e de números entre as partes; os meios utilizados para alcançar os objetivos da guerra; o tipo de armamento utilizado; e, os métodos de destruição utilizados durante o conflito. Ao longo deste semestre, os pesquisadores do RPSI apresentarão os resultados de suas pesquisas também a partir desta metodologia.

O que buscamos, ao longo deste projeto, é apresentar algumas discussões que devem ser aprofundadas sobre os conflitos internacionais. Nos parece que, embora tenham sido alvo de diversas discussões ao longo da história, os conflitos internacionais não têm recebido a devida atenção dos analistas das Relações Internacionais enquanto fenômeno social, e não enquanto problema a resolver. Desta maneira, esperamos que os debates aqui apresentados permitam discutir melhor a questão, assim como apresentar algumas possibilidades de análise.

Assim, as pesquisadoras e os pesquisadores do RPSI divulgarão dois tipos de textos ao longo deste semestre. Em uma primeira rodada, apresentarão a discussão que realizaram a respeito de seis tipos específicos de conflitos internacionais: as Guerras Tradicionais, as Guerrilhas, os Extermínios, a Guerra Contra o Terrorismo e o caso da Tecnologia aplicada à Guerra. Em um segundo momento, apresentarão, nesse espaço, os resultados das pesquisas individuais que estão desenvolvendo. Assim, convidamos a todos da comunidade acadêmica e interessados no tema a debaterem, em conjunto conosco, estes temas tão relevantes na atualidade.


REFERÊNCIAS
CASTRO, Iná E. de. O problema da escala. In: CASTRO, Iná E. de; GOMES, Paulo C. da C.; CORRÊA, Roberto L. Geografia : Conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1 : A vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço : Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

STRACHAN, Hew. The direction of war : Contemporary strategy in historical perspective. Cambridge, Reino Unido: Cambridge Univesity Press, 2013.


* Gustavo Glodes Blum é Internacionalista e Mestre em Geografia, especializado em Geografia Política e Política Internacional Contemporânea. É professor do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA e orientador do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".

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