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sábado, 27 de maio de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: Memórias em ruínas - a destruição de construções como meio de eliminar a cultura de um povo


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.



Memórias em ruínas
A destruição de construções como meio de eliminar a cultura de um povo


Maria Vitoria Essenfelder *


Guerra. Uma palavra que imediatamente nos traz à mente imagens de destruição e ruínas. Todos os dias são reportadas noticias sobre as consequências destes eventos, como a perda de inocentes vidas, de pessoas feridas e das quais foi retirado tudo o que tinham. 

Mas quando vemos o resultado da guerra, nos perguntamos: quais os danos para aqueles que ficaram? Qual o impacto naqueles que estão vendo tudo o que um dia foram construções extraordinárias, sendo devastadas num piscar de olhos, em questão de minutos? Aquele lugar, que alguém cresceu vendo, sendo derrubado como se não valesse nada. Quais são os efeitos da devastação tanto de patrimônios históricos quanto de construções que um dia tiveram um significado notável para estas pessoas? Seja por motivos religiosos, políticos, pessoais ou por serem importantes para determinado povo, o que se percebe é que a destruição física de espaços têm um função política simbólica muito forte nos conflitos.

É claro que a perda de uma vida é irreparável, e a de uma construção provavelmente não será tão dolorosa, mas querendo ou não, estes edifícios e monumentos fazem parte da cultura de uma sociedade. Quando são destruídas um pedaço da identidade é eliminada, e é sim um fato marcante, tanto para a cultura, para a história ou para apenas uma única pessoa. 

Através dos anos, inúmeras guerras ocorreram, e como resultado, construções foram destruídas quase tão facilmente quanto a derrubada de uma fileira de dominós. Estes eventos muitas vezes ocorrem como uma consequência inevitável, mas eventualmente, são propositais. Têm como objetivo enfraquecer uma cultura ou ainda causar tensões, seja entre governos, entre grupos sociais ou entre religiões. 

Uma dessas ocasiões ocorreu em julho de 2015, quando a mesquita do profeta Yunus, localizada em Mossul, no Iraque, foi destruída pelo grupo Estado Islâmico (ISIS). A mesquita foi construída no século XIV, sobre ruínas da cidade assíria de Nínive, datadas de ao menos 800 anos antes de Cristo. A mesquita era dedicada à figura bíblica de Jonas, considerado um profeta por muitos mulçumanos. O grupo fundamentalista, porém, defende uma interpretação mais conservadora e extremista do islamismo, que considera a adoração de profetas proibida. A mesquita era reverenciada tanto por cristãos e mulçumanos, e desta forma, o Estado Islâmico atingiu centenas de pessoas, que consideravam o lugar como sagrado. Simplesmente por pensar que a sua interpretação de uma crença é a mais correta, o grupo impediu que pessoas pratiquem sua religião no seu local de preferência. 

A Mesquita de Ferhat Pasha também foi afetada por consequências de conflitos. Exemplo da arquitetura islâmica e otomana, a mesquita foi construída em 1579, na Bósnia e Herzegovina. Devido à guerra que aconteceu no país entre 1992 e 1995, foram destruídas 16 mesquitas no país, dentre as quais a de Ferhat Pasha. No dia 7 de maio de 1993, as forças sérvias da Republika Srpska, ordenaram a demolição da construção, colocando uma grande quantidade de explosivos dentro do local. Alguns detritos foram roubados e usados como aterro, enquanto o resto foi levado para o lixão da cidade. Já o terreno foi usado posteriormente como um estacionamento. Após este acontecimento, em que um lugar sagrado foi completamente arrasado e tratado como se fosse nada, os responsáveis foram presos e condenados a 32 anos de prisão por crimes de guerra. 

A edificação foi reconstruída em 2016, mas mesmo assim não substitui a construção original, que tinha inclusive crenças sobre suas origens. É possível afirmar que algumas coisas nunca serão recuperadas e nem iguais a original. 

Já a Biblioteca Nacional de Bagdá foi outro exemplo de intolerância e desrespeito ao patrimônio cultural em meio a conflitos armados. No ano de 2003, a biblioteca foi incendiada e saqueada por partidários de Saddam Hussein, que tinham a intenção de destruir todos os registros do regime do partido Baath. Os EUA, como força ocupante, tinham a responsabilidade de garantir a segurança e tomar medidas contra eventos como este, mas na época as tropas americanas concentraram suas forças de proteção em apenas dois lugares, o Ministério do Interior e o Ministério do Petróleo. Assim, negligenciaram museus, bibliotecas e locais de alto valor histórico. As consequências do incêndio são incalculáveis, já que se estima que 60% do material de arquivos, 25% de seus livros, jornais, livros raros e a maioria de suas fotografias e mapas históricos foram perdidos, incluindo ainda uma das copias mais antigas do Alcorão de que se tem registro;

Ou seja, devido a interesses políticos e partidários, grande parte de documentos e livros, considerados como patrimônios da humanidade foram arruinados e transformados em cinzas. Eram relíquias insubstituíveis e inestimáveis, que nunca mais serão recuperadas, de grande importância por conterem a historia de povos, culturas e regiões. 

Através destes poucos exemplos de danos causados ao patrimônio cultural por guerras e conflitos, é possível salientar que construções e monumentos tem um peso significativo na cultura de um povo. Tantos foram os patrimônios atingidos por estes conflitos através dos anos que seria impossível mostrar todos em poucos parágrafos. Porém, quando estes locais, edifícios e símbolos são perdidos, não devem ser simplesmente apagados de nossas memórias. 


* Maria Vitoria Essenfelder é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e pesquisadora do Grupo de Pesquisa RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional.


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