A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
O Caso de Yerodia (RDC v. Bélgica) e a Imunidade no Direito
Internacional
Francielly S. Costa e Luis
Gabriel D. Brito
Abdoulaye Yerodia Ndombasi foi o Ministro das Relações Exteriores
da República Democrática do Congo (RDC) entre 1999 e 2000. Foi acusado em uma
Corte belga de incitar ódio racial, chegando a supostamente incitar publicamente
a população congolesa a atacar pessoas da etnia tutsi residentes em Ruanda. Seu
caso discute uma importante questão do direito internacional: a imunidade e
inviolabilidade de representantes de Estado.
Em abril de 2000, o Ministro Yerodia, ainda em
exercício de seu cargo, foi
sujeito a um mandado de prisão de um Magistrado Belga, veiculado a todos os Estados, incluindo a RDC, através da
lista da Interpol. O mandado pedia por sua prisão e extradição à Bélgica, onde
seria julgado, e baseava-se na acusação de coautoria de
crimes que infringiam as convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos
adicionais, relativos a crimes de guerra, assim como de crimes contra a
humanidade, por conta de seus atos na RDC.
A atitude belga foi fundamentada no
princípio da jurisdição universal, segundo a qual algumas normas internacionais
são erga omnes, dirigidas a e
intituladas por toda a comunidade mundial, implicando que qualquer Estado possa
reivindicar jurisdição sobre determinado indivíduo independentemente de onde o
crime foi cometido, se este for notório em gravidade. Dessa forma,
reivindicando a Bélgica jurisdição mesmo por crimes cometidos sob jurisdição
territorial do outro Estado.
Este princípio foi reconhecido
fortemente no Caso Pinochet, divisor
de águas no Direito Internacional, em que o ex-presidente chileno foi submetido
a pedido de prisão de Magistrado Espanhol relativamente a crimes cometidos durante
sua ditadura no Chile, especialmente tortura, e preso por conta deste na
Inglaterra. Na questão Yerodia, no entanto, a situação esbarrou em outro
princípio do Direito Internacional: o da imunidade diplomática de oficiais em
exercício de função. Por isso, a RDC instituiu, em novembro de 2000, procedimentos
contra o Reino da Bélgica na Corte Internacional de Justiça.
Inicialmente, o país apresentou duas
questões legais à Corte: o uso de jurisdição universal pela Bélgica e a
violação da inviolabilidade absoluta e imunidade penal de um Ministro das
Relações Exteriores em exercício de função. A primeira questão, no entanto, foi
abandonada durante os procedimentos, não sendo mais contestada pelo país
interpelante.
Na decisão, a Corte condenou a Bélgica por
ter violado o Direito Internacional Costumeiro que
garante absoluta imunidade penal e inviolabilidade pessoal de certos
indivíduos em função, como Yerodia. Segundo a mesma, ao proceder dessa forma, a
Bélgica atentou contra o princípio da igualdade soberana dos Estados, da qual decorre a regra geral de que representantes de um
Estado não podem ser julgados por instâncias de outros Estados. Dessa forma, foi determinado que a Bélgica
anulasse a ordem de prisão, notificando
a ação a todos os Estados.
Foi estabelecido expressamente que a
imunidade garantida a Chefes de Estado, de Governo, Ministros das Relações
Exteriores e agentes diplomáticos não são dadas para seu benefício próprio, mas
sim para assegurar a efetividade do exercício de suas funções em nome do
Estado, o que envolve, por exemplo, viagens a outros países, procedimentos que poderiam
ser impedidos não fosse a imunidade. Assim, declarou-se que as funções de um
Ministro como o em questão, se em exercício, são tais que não estão sujeitas a
qualquer jurisdição nacional além da sua.
A Corte examinou detalhadamente
também a argumentação da Bélgica, segundo a qual imunidades tradicionalmente reconhecidas a tal
grupo de indivíduos não podem em caso algum protegê-los quando estes são suspeitos de
terem cometido crimes internacionais, como de guerra ou contra a humanidade.
O argumento, no entanto, foi
rejeitado. Decidiu-se que não há, no Direito Internacional Costumeiro, exceções
relativas à imunidade em caso de exercício de ofício perante outros Estados. É
de se notar, aqui, que os casos de uso de jurisdição universal frente a pessoas
de alto ofício, como o Caso Pinochet, só são considerados aceitáveis relativamente a ex-presidentes, ex-ministros
etc., posto que a imunidade pessoal se extingue quando não mais
se detém o cargo.
No entanto, a Corte ressaltou que a
imunidade de jurisdição não significa o benefício da impunidade a título de crimes internacionais.
No caso, a Corte expôs quatro situações em que Yerodia poderia ser julgado:
dentro de seu próprio país, segundo o direito doméstico; em qualquer país, em
caso de abdicação da imunidade expressa pela RDC; após o abandono de seu
ofício, com o fim da imunidade; e perante instância internacional, como o
Tribunal Penal Internacional (TPI), em que a imunidade é expressamente
rejeitada.
Muito significativo, relativamente a
esta última ocasião, que inclui indivíduos em ofício e ainda sem a permissão do
Estado em causa, é o caso de Omar al-Bashir, presidente em cargo do Sudão,
atualmente sob mandado de prisão do TPI, que é rejeitado pelo país, posto que
sequer é signatário do Tribunal, tendo a situação sido levada a este pelo
Conselho de Segurança da ONU. O TPI exige que qualquer Estado, tendo a
possibilidade territorial, detenha al Bashir e o envie à Haia, sede do
Tribunal. No ano passado, porém, o presidente do Sudão visitou a África do Sul, Estado membro do
Tribunal, e não foi detido. Neste ano, relevante decisão da Suprema
Corte sul-africana condenou o governo do país por não o ter detido, tendo este
desrespeitado suas obrigações internacionais assumidas perante o TPI.
FONTES CONSULTADAS:
FREIRE E
ALMEIDA, D. A SOBERANIA CLÁSSICA 2008. USA: Lawinter.com, Março, 2008.
Disponível em: www.lawinter.com/112008dfalawinter.htm
http://eleazaralbuquerquedecarvalho.jusbrasil.com.br/artigos/154576588/o-principio-da-igualdade-soberana-dos-estados
FONTE DA
IMAGEM:
http://www.iisd.ca/crs/igmkinshasa/5sep.html
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