A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
A Crise dos Reféns no Irã
Caroline de Moura, Eron Ferreira e Mateus Nascimento
No
dia 4 de novembro de 1979, um grupo de estudantes iranianos invadiu a embaixada
estadunidense em Teerã, capital do Irã, tomando mais de 60 americanos como
reféns. Ataques também ocorreram nos consulados dos Estados Unidos em Tabriz e Shiraz. Os atos fizeram parte de um
amplo contexto de revolta popular iraniana contra o país, mas podem ser considerados
como reação imediata à decisão do presidente estadunidense Jimmy Carter de permitir
que o deposto Xá do Irã, Reza Pahlavi - autocrata pró ocidente - permanecesse
nos Estados Unidos para suposto tratamento de câncer, negando sua extradição.
Tais fatos foram o cenário e base para a criação e produção do aclamado filme
"Argo".
O
acontecimento de grande proporção, conhecido como Crise dos Reféns, tornou-se
alvo dos holofotes no mundo todo. As raízes da crise remontam a 1951, quando o democraticamente
recém-eleito primeiro ministro iraniano, Muhammad Mossadegh, anunciou um plano
de nacionalização da indústria de petróleo no país, que até então havia sido
explorado por corporações americanas e britânicas.
Em
resposta ao plano, a CIA, estadunidense, e o serviço de inteligência britânico,
preocupados com a ameaça aos seus anseios comerciais, criaram um plano para
remover Mossadegh do poder e substituí-lo por um líder mais receptivo aos
interesses ocidentais. O Projeto TPAJAX, como se denominou o plano, fez com que
Reza Pahlavi, pró ocidente, assumisse o poder autoritariamente e lá
permanecesse até sua própria derrubada, em 1979. Tal derrubada, que funda
a atual República Islâmica do Irã, foi produto de um grande movimento popular.
Neste contexto é que Pahlavi foge aos Estados Unidos, os iranianos exigem sua
extradição para que seja julgado em seu país e o presidente estadunidense nega
o pedido.
Durante
a Crise dos Reféns no Irã, tanto o Governo dos Estados Unidos quanto a Guarda
Revolucionária Iraniana, movimento que toma o poder seguido à derrubada de
Pahlavi, atuaram com pouca consideração com o Direito Internacional ou a praxe
diplomática, cada lado utilizando-se das transgressões do outro para justificar
as suas próprias.
O
ato de os Estados Unidos terem concedido asilo ao deposto Xá e se recusado a
extraditá-lo para fins de julgamento como criminoso, o que ele certamente era,
foi considerado ilegal pela Guarda Revolucionária Iraniana. A concessão do
asilo, embora ato discricionário e soberano, é reservada à perseguição por
crimes ou motivos políticos, e não como escape a julgamento de crimes comuns,
como o exigido pelos iranianos.
O
Irã, em contrapartida, violou o Direito Internacional quando invadiu, ou ao menos
permitiu, a invasão da embaixada e consulados norteamericanos, tomando civis estadunidenses
inocentes como reféns, justificando tal ação como uma retaliação ao golpe
americano de 1953 e à negação do pedido de extradição.
No
dia 29 de novembro de 1979, os Estados Unidos iniciaram um processo contra o
Irã na Corte Internacional de Justiça (CIJ), acusando o país de violar várias
obrigações decorrentes não só do direito internacional consuetudinário como também
de quatro tratados, três sendo acatados como relevantes pela Corte: as
Convenções de Viena de 1961 e 1963, relativas, respectivamente, a relações
diplomáticas e consulares; e o Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos
Consulares entre Estados Unidos e Irã.
Dada
a urgência do caso, poucos dias depois, ainda longe de uma decisão definitiva, a
CIJ determinou por unanimidade a imposição de medidas provisórias exigindo,
entre outras coisas, que o Irã libertasse os reféns, garantisse sua saída
segura do país e restaurasse a embaixada americana, o que não foi feito.
Nesse
meio tempo, os Estados Unidos organizaram uma operação militar, chamada Eagle Claw, com o objetivo de colocar fim
à crise. A operação foi um fracasso, oito soldados americanos e um civil
iraniano morreram. A atitude foi considerada uma agressão pelo Irã; e violação
de Direito Internacional certamente houve com a invasão do território aéreo
iraniano no curso dos eventos.
Além
da operação, algumas ações foram tomadas por parte dos Estados Unidos como medidas
de represália, ou contramedidas, ao Irã. Entre elas, um embargos de bens contra
a nova República Islâmica, no valor de 8 bilhões de dólares, assim como e a
expulsão de dezenas de iranianos do país, entre eles estudantes.
Somente
após a morte de Reza Pahlavi, em 1980 nos Estados Unidos, o Irã retomou as negociações com os EUA. Então, no dia 19 de
janeiro de 1981, depois de 444 dias, os reféns foram libertados como parte do
Acordo de Argel. Este Acordo foi constituído na cidade de mesmo nome, tendo a
Argélia como agente intermediário, com o objetivo de por fim ao conflito.
Entre
as exigências do Acordo, constava que os EUA deveriam revogar todas as sanções
comerciais que foram dirigidas contra o Irã no período de novembro de 1979 a
janeiro de 1981. Uma das cláusulas mais importantes levava os Estados Unidos a
comprometer-se em não intervir nos assuntos iranianos, indireta ou diretamente,
por ações políticas ou militares. Além disso, os Estados Unidos teriam de
retirar todas as acusações apresentadas contra o Irã na Corte Internacional de
Justiça.
Apesar
de o acordo de Argel ter sido decisivo para o fim do conflito entre as duas
nações, é importante notar que, no ano anterior, por decisão do processo
iniciado em 1979, o Irã havia sido condenado pela CIJ por violar as Convenções
de Viena de 1961 e 1963.
Ao
permitir a invasão da embaixada por parte dos estudantes iranianos, violou a Convenção
de 1961 no que diz respeito à inviolabilidade diplomática dos agentes bem como da
embaixada em si, infringindo, dentre vários dispositivos, o Art. 29 que afirma
que “a pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de
nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado deve tratá-lo com o
devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer
ofensa a sua pessoa, liberdade e dignidade”. Relevante é a decisão da
Corte, que nesse aspecto afirma que, embora a invasão não possa ser atribuída
ao Estado do Irã, “O Estado [...] estava sob a obrigação de tomar medidas
apropriadas para proteger a embaixada [...] e não fez nada para prevenir ou
parar o ataque [...]”
A
Convenção de 1963 foi violada em similar sentido, por estabelecer como
prerrogativa a inviolabilidade também das instalações consulares, cabendo
destaque ao Art. 31, parágrafo 2, o qual afirma que “[...] o Estado receptor
está sob dever especial de tomar todas as medidas apropriadas para proteger as
premissas consulares contra a intrusão ou o dano e prevenir qualquer distúrbio
à paz do posto consular ou violação à sua dignidade.”.
Assim
sendo, a sentença expedida pela Corte Internacional de Justiça decidiu que o
Irã havia violado as obrigações que tinha com os EUA, sendo estas de inteira
responsabilidade do governo do Irã. Reforçava ainda, devido ao não cumprimento
da medida provisória, que o Irã deveria libertar imediatamente os cidadãos dos
Estados Unidos detidos como reféns e que nenhum membro do pessoal diplomático poderia
ser mantido no país ou ser submetido a qualquer processo judicial. Embora o Irã
tenha levantado como argumento a operação militar comandada pelos Estados
Unidos na tentativa de resgate, a CIJ decidiu que tal fato, independente da
legalidade, não poderia ter sido levado em consideração pelo Irã em qualquer
decisão relativa aos reféns.
Por
fim, a sentença afirmava que o Irã deveria reparar os prejuízos causados aos
EUA e que a quantidade de tal reparação seria decidida pela Corte.
Uma
curiosidade é que o filme “Argo”, lançado em 2012, que conta a historia de seis
funcionários estadunidenses que conseguiram escapar do país se passando por uma
equipe de filmagem canadense, ganhou o Oscar de melhor filme em 2013.
FONTES CONSULTADAS
FONTE DA IMAGEM:
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