A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
O Caso da Fábrica de Chorzow e o Princípio da
Reparação de Danos
Kemilly Elisama Alvim de
Oliveira, Beatriz Marins Correa de Sa, Franciele dos Anjos Silva
O caso da Fábrica de Chorzow, julgado pela Corte Permanente de Justiça
Internacional, órgão da Liga das Nações tem inestimável importância no Direito Internacional
Público, por ter reconhecido, pela
primeira vez em âmbito internacional, o princípio da reparação de danos,
corolário do que se tornaria o princípio da responsabilidade internacional,
aplicado hoje em todos os ramos do direito internacional.
Em 1915, o governo alemão do segundo Reich assinou um contrato com a
empresa Bayrische Stickstoffwerk para construir uma fábrica de nitratos na
cidade de Chorzow, Alta Silésia, então parte da Alemanha. As terras onde a
Fábrica foi construída foram adquiridas de entes privados em nome do império e
assim foram registradas, de acordo com as formalidades da época.
Caberia à empresa gerenciar o empreendimento até 1941; não obstante a
propriedade pertencesse ao império, a empresa detinha a propriedade das
patentes, licenças e outros bens intangíveis decorrentes do
empreendimento. O governo da Alemanha, por sua vez, participava dos
lucros e supervisionava sua apuração e distribuição. O mesmo
ainda poderia descontinuar o contrato de gestão da fábrica dentro de condições
pré-estabelecidas, dentre as quais constava a quantia de lucros a ser transferido
ao governo alemão ficar abaixo de um determinado patamar.
Em 1919, por meio de novo contrato, as terras, a propriedade da fábrica,
as matérias primas e os demais bens tangíveis foram vendidos, passando da
propriedade do império para a posse de outra empresa, a Oberschlesische Stickstoffwerk.
Já a responsabilidade pelo gerenciamento da fábrica, a gestão de sua força
de trabalho, as patentes e os demais bens intangíveis seguiram pertencendo à
Bayrische Stickstoffwerk.
Por conta de sua derrota na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha, de
acordo com o Tratado de Versalhes, viu-se alvo de diversas sanções
estabelecidas pelos Estados Aliados. Neste contexto, perdeu cerca de 10% de seu território. Dentre as terras
perdidas estava parte da região da Alta Silésia, em que se situa a cidade de Chorzow,
que passou a integrar o território da Polônia.
Assim, em 1920, a empresa Oberschlesische Stickstoffwerk passou a
figurar como proprietária nos órgãos de registro que tinham a nova jurisdição
sobre a região. Em 1922, no entanto, uma decisão da corte local polonesa
anulou o registro em nome da Oberschlesische e passou a registrar que a fábrica
e as terras pertenciam ao tesouro polonês.
Dessa forma, o governo polonês expropriou as empresas alemãs e tomou
posse da fábrica naquele ano. A empresa, inconformada com a situação,
demandou que se restaurasse a situação anterior ou que se pagasse uma
indenização tanto sob o Tribunal Arbitral Misto Germano-Polonês de Paris quanto
sob a justiça polonesa, o que foi rejeitado pela Polônia. Em 1925, com a causa
não resolvida em nenhum dos tribunais, a Alemanha ingressou com um caso na
Corte Permanente de Justiça Internacional.
A Alemanha formulou à Corte dois
pedidos: que o réu, a Polônia, fosse condenado à indenização à Companhia
Oberschlesische e tivesse de cumpri-lo com o prazo de um mês após o julgamento;
e que o réu fosse proibido de exportação de nitratos para a Alemanha, Estados
Unidos, Itália e França, visando impedir o uso polonês da expertise adquirida dos alemães como fator de concorrência. A
Alemanha ainda exigia uma indenização provisória até que o caso fosse julgado.
O governo polonês se defendeu alegando que a CIJ não tinha competência
para julgar tal fato; e que, ainda que tivesse, os pedidos não poderiam ser
julgados até que a questão fosse decidida no Tribunal Arbitral Germano-Polonês.
A importância do caso reside na decisão com relação ao primeiro pedido
alemão, de reparações, que foi aceito pela Corte. O segundo, de impedimento
polonês de comercialização de nitratos, foi julgado improcedente, visto que
danos advindos da concorrência já estavam considerados na indenização
decorrente do primeiro. Já os argumentos poloneses foram ambos negados: a Corte
se declarou competente no caso baseando-se em uma convenção relativa à
transição dos territórios pós-Versalhes, a Convenção de Genebra de 1922, que
lhe conferia jurisdição sobre questões não resolvidas; e concluiu sob o mesmo
tratado que a pendência de julgamento no Tribunal Arbitral Misto não impedia
sua atuação.
No ponto que nos diz respeito, a Corte Permanente de Justiça
Internacional decidiu que o Governo Polonês devia reparar o dano que causou,
fundamentando-se em argumentos que teriam grande impacto ao Direito Internacional.
As quantias de indenização foram fixadas em 59.400.000 Reichmarks para a
Companhia Oberschlesische e 16.775.200 Reichsmarks para a Companhia Bayerische Stickstoffwerke.
Decidiu a Corte, na decisão de mérito de 1928: “É um princípio do
direito internacional, e mesmo uma concepção geral de direito, que qualquer
violação de compromisso implica na obrigação de se fazer uma reparação [...] A
reparação é o complemento indispensável à falha em se aplicar uma convenção, e
sequer há a necessidade de que isso seja declarado na própria convenção”
(tradução nossa). Em outras palavras, a obrigação de reparação de danos é um
princípio geral do Direito, que, portanto, não precisa estar positivado para que seja
aplicado.
A aplicação de tal princípio pela Corte Permanente de Justiça
Internacional trouxe importante jurisprudência, tornando-o aplicável em todos
os casos seguintes e nos mais diversos ramos do Direito Internacional, sendo
corolário da responsabilidade internacional.
É interessante notar, por exemplo, seu uso
pelo Direito Internacional Humanitário. A Regra 150 da Cruz Vermelha, parte do
documento que estabelece as regras provindas do direito internacional consuetudinário,
citando o caso de Chorzow em seus fundamentos, estabelece: “Um Estado
responsável por violações de Direito Internacional Humanitário é obrigado a
fazer reparação total pela perda ou dano causado.”
Por fim, como afirmam Accioly et. al. sobre o
caso: “teve importância fundamental – porquanto determina que segundo o direito
internacional caberá determinar o fato internacionalmente ilícito [...]
Constitui a doutrina fundamental em matéria de reparação internacional de
danos; formula o princípio fundamental da proteção dos direitos adquiridos;
afirma a primazia do direito internacional sobre os atos internos; e será
precedente invocado em numerosos casos posteriores.”
Trata-se, portanto, de um importante caso,
que precisa ser conhecido pelos estudiosos de Direito Internacional Público.
FONTES CONSULTADAS:
http://opil.ouplaw.com/view/10.1093/law:icgj/247pcij27.case.1/law-icgj-247pcij27
FONTE
DA IMAGEM:
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/principal.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12308
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