A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
Impactos da nova LATAM na aviação brasileira e sulamericana
Rafael Veenstra*
A nova bandeira da aviação sul americana, LATAM
Airlines, deve começar a cruzar os ares do planeta ainda neste ano de 2016. A
marca, fruto
da unificação das duas marcas TAM e LAN, foi apresentada ao público em
evento realizado em agosto passado na cidade de São Paulo com a presença do CEO
do grupo, Enrique Cueto, no qual também foi anunciado que as primeiras aeronaves
com a nova identidade devem ser apresentadas já no primeiro semestre desse ano.
Além da pintura das aeronaves, a mudança também estará presente nos aeroportos,
uniformes, websites e programas de fidelidade das empresas, e deverá se
concretizar dentro de 3 anos.
A associação das duas gigantes da aviação sul
americana foi anunciada no ano de 2010 e concluída no ano de 2012, com a
criação da holding chamada LATAM Airlines Group S/A. A distribuição acionária
do grupo se deu de forma que 70,6% estivesse nas mãos do lado chileno e 29,4%
do lado brasileiro. A LATAM teria ainda 100% das ações preferenciais (sem
direito a voto) da TAM, mas apenas 20% das ações ordinárias. Na ocasião, a
movimentação foi vista como uma alternativa criativa para viabilizar o negócio,
uma
vez que a legislação brasileira não permitia um capital volante estrangeiro
superior à 20% nas empresas aéreas – o que impossibilitaria, por exemplo, a
compra da empresa brasileira pela chilena.
O grupo conta atualmente com mais de 53 mil
funcionários, operando para 144 destinos em 26 países e uma frota de 326
aeronaves, além de receitas operacionais que orbitam a casa da dezenas de
bilhão de dólares anuais. São números que posicionam a companhia entre as
maiores do planeta e permitem traçar planos arrojados, como
a meta anunciada de estar entre os três maiores grupos do globo até o ano de
2018. Além de TAM e LAN, a bandeira
da LATAM, também deve ser passar a estampada pelas subsidiárias da LAN no Perú,
Argentina, Colômbia e Equador, além da TAM Mercosur, LAN Cargo e ABSA.
A escolha da identidade visual e do novo logo da
companhia - que tem uma forma nos remete ao mapa da América do Sul, fazem um
apelo à idéia de conexão e valorização de uma só “Latinoamérica”, da integração. Uma noção de integração, porém, que se
restringe aos pontos conectados pela extensa malha ofertada pelo grupo.
Se analisarmos o impacto das operações de uma
mega-empresa no âmbito regional, observa-se justamente o contrário, uma vez que
há um ambiente amplamente desfavorável à competição e ao equilíbrio do mercado.
A família à frente do grupo (e que controla a aérea chilena desde o início da
década de 90) é conhecida por sua gestão de “pulso firme” e orientação fortemente
voltada a números, cortes de gastos e otimização de recursos. Esta visão não
abriria espaço para uma real integração do setor no continente – baseada nas
necessidades regionais de fomento da atividade do transporte aéreo, sendo muito
mais provável que a atuação nesse sentido se dê a partir da/como conseqüência
da consideração de fatores a como a rentabilidade operacional e os interesses próprios
de expansão ou manutenção da companhia.
O processo todo coloca
o Brasil em uma posição de considerável vulnerabilidade uma vez que,
imobilizados, deixamos a cargo da iniciativa privada chilena (ainda que o grupo
conte com representantes brasileiros em posições importantes, a palavra final será
dada pelos chilenos) uma série decisões estratégicas que tem impacto direto e
dizem respeito à circulação de pessoas e acessos, dentro de nosso próprio
território. Ao consolidar a união, o
grupo LATAM abocanhou também um market
share de 75% dos voos internacionais de passageiros do país. Para que
se possa dimensionar o tamanho do encolhimento da participação, na década de 90
- com as operações simultâneas de empresas como VARIG, VASP e Transbrasil, os
voos internacionais realizados por empresas brasileiras correspondiam a cerca
de 60% do total. Estima-se que o número seja inferior a 20%, levando em conta até
então a participação majoritária da TAM.
A fusão entre grandes companhias aéreas não é
novidade, tendo sido realizada inclusive por gigantes da aviação civil mundial
como Air
France e a holandesa KLM, que uniram forças no ano de 2004 criando a terceira
maior empresa do mundo no segmento. Nesse caso, porém, a aliança preservou
as marcas e o funcionamento independente das companhias, e os respectivos
governos mantiveram a participação em cotas significativas das respectivas
empresas. Há um conjunto de elementos inerentes à atividade que eleva as essas
grandes empresas de aviação civil um patamar de “patrimônio nacional”.
Observa-se que até mesmo
nas regiões do planeta onde as experiências de integração regional avançaram de
forma bem sucedida, houve esforços para a preservação das empresas de bandeira
nacional.
O fim anunciado da TAM, a criação de uma marca de
identidade híbrida para ocupar as maiores fatias do mercado doméstico e
internacional e a transferência do centro estratégico da aviação civil sul
americana para a capital chilena, apresentam uma nova realidade à aviação
brasileira. Uma movimentação estratégica que nos colocou, apesar do histórico
de pioneirismo e participação ativa no desenvolvimento da aviação civil
internacional - e das grandes companhias que já operaram em nosso país, do
amplo potencial e das dimensões favoráveis; na incomoda posição de coadjuvantes.
Assistimos a essa transição com um ar de incredulidade, mas a um passo nos
tornarmos, ao menos no que diz respeito à aviação – e pela primeira vez nessa
história, um gigante sem bandeira.
* Rafael Veenstra é graduando do 7º Período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
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