A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
Grécia e União Européia: Crise,
Soberania e Integração
Bianca Fabbri, Leonardo Sampaio e Mayara
Santos
A crise econômica grega, que aflorou
com surpreendente força de uns anos pra cá, foi decorrente de uma série de fatores
de diversas ordens. Podemos citar descasos governamentais, relativos às
políticas de gastos públicos do país, como os valores despendidos para o
salário de funcionários do governo, e também fatores subjetivos, como corrupção
e sonegação de impostos. A situação é especialmente complexa devido ao
pertencimento do Estado na União Europeia (UE).
Para se entender a proporção do problema, basta
uma breve olhada em certos números. O limite estabelecido pela UE de déficit
público que os Estados-membros podem ter é de 3% do PIB do país. A Grécia chegou
a exceder este limite em espantosos 320 bilhões de euros, somando um déficit equivalente
a mais de 60% de seu PIB. É interessante notar, ainda, que há aproximadamente dez anos, visando entrar na zona do euro, a
Grécia registrou déficits formais menores do que os reais, o que - em partes - ajuda a entender a explosão inesperada no
bloco.
Quando a crise parecia tornar-se
insustentável, os credores da UE em união com o FMI propuseram medidas de
austeridade, tais como cortes extremos em gastos públicos, aumento de impostos
e reformas no sistema previdenciário e no mercado de trabalho. Estas medidas
possibilitariam, do ponto de vista econômico, um eventual reequilíbrio que
permitiria o pagamento das dívidas gregas com seus credores no exterior e a
reconquista da confiança de investidores estrangeiros. Por outro lado, as
medidas afetam principalmente os trabalhadores comuns, em situação já bastante
precária, reduzindo sua capacidade de consumo, possivelmente aumentando o
desemprego e representando, inclusive, um regresso de direitos sociais, como a
previdência.
Com
base nisso, Alexis Tsipras, Primeiro Ministro grego eleito sob a bandeira
política de esquerda que prometia o confronto com a UE e suas medidas de
austeridade, convocou um plebiscito. Este dava à população o poder de decidir
se Sim, a Grécia deveria aceitar as
medidas propostas por seus credores e manter-se na zona do euro; ou Não, não deveria aceitar tais
imposições. Esta opção foi colocada como a defesa da soberania grega, tida como
o direito da nação de determinar seu caminho econômico, social e político de
forma autônoma. A decisão poderia acarretar na saída da Grécia do bloco econômico,
resultando na volta de sua antiga moeda, o Dracma.
Por um lado, a saída do país do bloco tornaria mais
fácil para a Alemanha dar suporte ao bloco financeiramente, considerando que
uma economia em decadência não seria mais membro e, até então, muito do seu
suporte era rejeitado pelo povo alemão, que achava injusta a participação de
seu governo para ajudar um Estado que, segundo eles, criou seus próprios
problemas. Por outro lado, a saída poderia implicar no enfraquecimento da UE como
bloco econômico, um feroz ataque ao sonho de integração europeia de alguns. Ademais,
havia o medo de que outros países em crise, como Itália, Portugal e Irlanda,
seguissem o mesmo caminho de afirmação da soberania nacional em nome da defesa
de suas populações. A integração, nesse sentido, foi vista como o fortalecimento
do bloco como uma grande potencia mundial, ainda que implicando na redução de
soberania de seus membros.
Com
mais de 60% dos votos, o Não saiu
vencedor, de certa forma indicando o desejo da democracia grega pela soberania
nacional. Não obstante, nas negociações ocorridas nos meses subsequentes, algumas
que se arrastam até hoje, muitas medidas de austeridade acabaram sendo
adotadas, em um relativo abandono da pauta inicialmente defendida pelo Syriza,
partido de Tsipras, deixando a Grécia em posição similar à anterior.
É interessante notar que a soberania, construção
histórica de derrubada da submissão dos Estados a autoridades superiores a
eles, concretizada em Vestfália, pode ser vista de diversas maneiras. A
interna, como capacidade de reger-se sem poder maior; a externa, como a
igualdade entre os Estados. Em sua forma política, o poder do povo; jurídica, o
poder originário de se declarar a positividade do Direito. Para o assunto que
nos ocupa, podemos resumi-la como a impossibilidade de se ter o poder estatal
limitado por qualquer outro. E é aí que o conceito esbarra com a normativa do
bloco: no caso, a imposição de medidas de austeridade em detrimento da escolha
da população.
A
União Europeia é um bloco marcado pela supranacionalidade, que consiste na
decisão dos Estados-membros de confiar a órgãos comuns os poderes necessários
ao desempenho de tarefas de forma mais satisfatória do ponto de vista da
integração, dando mais coordenação e ordem a um sistema superior aos Estados. Sendo
assim, a abdicação de parte da soberania de um país para a participação de um
ente comunitário não deve ser considerado uma eliminação desta.
Ademais,
é possível se arguir que a própria decisão grega de adesão ao bloco foi, em
última instância, soberana, o que implicaria em sua subsequente obrigação de
cumprir com a normativa do mesmo. Por outro lado, a liberdade real, e não
formal, de escolha do país de aderir ao bloco, no contexto europeu, é bastante
questionável.
Com
relação ao plebiscito, citamos Rosemiro Pereira Leal: “A soberania, como
instituição jurídica, por seus fundamentos, pressupõe necessariamente a
intervenção direta do povo de uma nação no regramento da conduta do Estado na
elaboração e aplicação de suas políticas básicas e de seu comprometimento com
os direitos fundamentais.” É dizer, o destino do país deve ser decidido pelo
seu povo. Ora, se adesão ao bloco é decisão soberana, a saída certamente também
é, ainda que vá contra a visão dos demais países.
Sobre
essa base, algumas questões muito complexas que se levantam são: Até que ponto
a UE pode aguentar a dívida grega sem sacrificar outros países membros,
igualmente soberanos, e com os quais a Grécia havia se comprometido mediante
acordo? Ou, até que ponto é certo que um país que optou pela soberania para
proteger seu povo permaneça dentro do bloco, mas não aceite se submeter à
normativa deste, como tem ocorrido?
Torna-se
visível que, democraticamente, visando manter a soberania do Estado grego, as decisões
do governo necessitam se fundar no seu povo, já que, independentemente de suas
escolhas, será este que sofrerá as consequências. Apesar de a integração
econômica não significar a abdicação da soberania, as resoluções da Alemanha
para a crise visivelmente objetivam a proteção do euro e do bloco, e não uma preocupação
com os cidadãos gregos ou a soberania do país.
De
toda forma, tanto optando pela saída da União Européia quanto pela aceitação
das medidas de austeridade, certo é que o povo grego deverá lidar com a
diminuição de certos benefícios para que, mesmo em um futuro distante, o país
volte a ter saldos positivos e aprenda a lidar com seus gastos.
FONTES CONSULTADAS:
LEAL, Rosemiro
Pereira. Soberania e Mercado Mundial. Editora de Direito, 1999.
http://economia.estadao.com.br/blogs/fernando-dantas/grecia-soberania-x-integracao/
FONTE DA IMAGEM:
http://economia.uol.com.br/album/2015/06/29/impasse-entre-grecia-e-credores-afeta-populacao.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário