Processo de extradição e de deportação de Cesare
Battisti
Bruno Araldi, Gabriela
Blasi de Andrade e Richard Gomes
Uma das maiores polêmicas diplomáticas a tomar lugar entre as manchetes
brasileiras nos últimos anos, o caso do pedido de extradição do ex-ativista
italiano Cesare Battisti causou grande repercussão não somente pelo receio de que fossem prejudicadas
as relações Brasil-Itália, mas também por causar um grande - e interessante -
tumulto jurídico no país.
Primeiramente, para podermos entender um pouco melhor sobre o contexto
em que se desenrolou toda essa “novela” é imprescindível não nos prendermos
apenas ao que aconteceu aqui no Brasil, mas sim recorrermos a alguns
acontecimentos do passado.
Cesare Battisti, nascido em 1954, era militante da organização
Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo que comandou, entre 1976 a 1979, de
várias ações contra o regime político italiano a fim de derrubá-lo: desde
furtos de carros e roubo a casas de crédito e de armas até a morte de quatro
pessoas, entre elas civis (há dúvidas se as vítimas civis eram ligadas à
extrema direita italiana). A organização foi desmantelada pelo governo italiano
em 1979 e a maior parte de seus antigos membros foram presos. Na época, Cesare
não era sequer suspeito dos assassinatos: fora condenado a uma pena de 12 anos
por delitos políticos - participação em organização de esquerda e participação
em ações subversivas. Esteve preso até 1981, quando conseguiu fugir,
refugiando-se a principio no México e depois indo para a França onde ele
recebeu abrigo político.
No
ano seguinte, porém, Cesare seria acusado a partir de uma delação premiada
pelos quatro homicídios. Como Battisti estava na França, acabou sendo julgado à
revelia (sem presença do réu no tribunal), sendo condenado à pena perpetua pela
justiça italiana em 1993. Ele permaneceu na França mesmo com a sua pena
proferida na Itália, até meados de 2003 quando o governo italiano pediu sua
extradição. O governo francês deferiu e,
antes que fosse preso, Battisti consegue fugir para o Brasil, onde então
residiu até ser preso em 2007 ficando à mercê do governo brasileiro, após a
solicitação da extradição pelo governo italiano.
A
extradição é o ato no qual um Estado entrega a outro Estado um indivíduo
acusado de cometer crime grave ou já condenado na justiça do Estado que faz o
pedido, desde que garantida a preservação dos direitos humanos, com o objetivo
de evitar a impunidade através da cooperação jurídica internacional. O pedido
de extradição deve fundamentar-se em tratado bilateral de extradição ou a
partir de uma promessa de reciprocidade entre os países, sendo importante
considerar que as regras podem variar de acordo com cada país: o Brasil, por
exemplo, não extradita brasileiros natos, indivíduos condenados por crimes
políticos e nem indivíduos condenados por pena perpétua ou de morte, a menos
que essa seja revertida em privação da liberdade por um período de no máximo 30
anos.
No caso, o pedido de extradição de
Battisti por parte do Estado italiano foi formulado com fundamento no tratado
de extradição firmado entre o Brasil e a Itália em 1989. Em se tratando de
extradição passiva, isto é, pedido recebido pelo Brasil, quem o recebe é o
Ministério das Relações Exteriores. Este o encaminha ao Ministério da Justiça,
que procede com uma análise preliminar do pedido e, posteriormente, se entender
preenchidos os requisitos para que seja processado, remete-os ao Supremo
Tribunal Federal. O STF, por sua vez, analisará sua legalidade e procedência,
mas não mérito; isto é: decide se nossa lei permite a extradição no caso concreto
(analisando se é ou não, por exemplo, crime político) – mas não analisa a
decisão proferida pelo tribunal estrangeiro e nem mesmo determina se a extradição
ocorrerá ou não. Tal decisão cabe ao Presidente da República - já que é
considerado um ato político decidir se a extradição será implementada ou não. Sua
decisão é insuscetível de apreciação pelo Judiciário.
A
ordem de prisão preventiva de Battisti foi emitida pelo Supremo Tribunal
Federal, após encaminhamento da questão pelo Ministério da Justiça, e foi
cumprida pela Polícia Federal em março de 2007. Deu-se então a análise do
possível processo de extradição.
Interrogado em 2008, Battisti negou a autoria
dos homicídios atribuindo a responsabilidade ao grupo Proletários Armados pelo
Comunismo (PAC), alegando que ele estava sendo usado como bode expiatório.
Nesse meio tempo Battisti solicitou a condição de refugiado junto ao Comitê
Nacional para os Refugiados – CONARE, prevista na Lei 9.474/97, indeferido num
primeiro momento, mas concedido em fase de recurso pelo Ministro de Estado da
Justiça.
A defesa de Battisti alegou que a extradição não poderia ser efetuada
pelo o réu estar sendo na realidade perseguido politicamente na Itália e não
sendo sentenciado somente pelos os crimes que ele teria cometido o que
invalidaria o pedido de extradição. Porém o STF atribuiu a ilegalidade da
condição de refugiado conferida à Battisti pelo o Ministro da Justiça.
Interpretou também, que ele estava sendo acusado não por crimes políticos, mas
sim pelos os homicídios das quatro pessoas, deferindo assim o pedido de
extradição feito pelo o governo Italiano, mas condicionando tal decisão ao
posicionamento do Presidente da República.
No último dia de seu governo, 31/12/2010, o então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva negou o pedido de extradição, sob a alegação de que haveria
razões ponderáveis para supor que Battisti poderia sofrer perseguição política
na Itália. A decisão foi legal, nos termos do Tratado. Ademais, vale ressaltar
que entre os princípios que regem o Brasil em suas relações internacionais
encontram-se a independência nacional e a prevalência dos direitos
humanos.
Todo o processo foi
cercado de grande repercussão pela na mídia e intenso
interesse das autoridades italianas. Após a decisão do ex-presidente, o governo de
Berlusconi caracterizou o ato como “injusto e gravemente ofensivo”.
No Brasil, além disso, teve origem uma delicada situação jurídica
quanto à permanência do italiano no país.
Diante das circunstâncias,
Battisti pleiteou perante o Conselho Nacional de Imigração documento
que atestasse a legalidade de sua permanência no Brasil. A autorização,
no entanto, foi considerada ilegal pela juíza federal Adverci Rates, titular da 20ª
Vara do Distrito Federal, em fevereiro de 2015. De acordo com a sentença
da magistrada, a concessão teria violado o Art. 7 do Estatuto do
Estrangeiro (Lei 6.815/80), que nega a concessão de visto a estrangeiro processado ou
condenado em outro país por crime doloso.
A juíza,
ao decidir como nula a concessão de permanência de
Battisti no Brasil, determinou à União que implementasse o processo de
deportação aplicável, posto que sua permanência
no país é ilegal e sem possibilidade de
regularização, em razão de sua condenação por crimes
passíveis de extradição. Afirmou que este ato não
representa afronta à decisão do Presidente da República,
que apenas decidiu pela não extradição. Fundamentou-se, para tanto, no Art.
58 do Estatuto do Estrangeiro, sobre deportação: “far-se-á para o país de nacionalidade ou de procedência
do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo”,
ou seja, não necessariamente para a Itália.
Entretanto, em
termos práticos, a deportação poderia implicar sim em afronta à
decisão presidencial, uma vez que a extradição de Battisti
poderia ocorrer por via oblíqua. Ainda que a deportação
não
seja para a Itália, esta já sinalizou que irá solicitar a
extradição do condenado ao Estado que o receber. Fosse Battisti
enviado à França, por exemplo, esta poderia entregá-lo
imediatamente para a Itália, tendo em vistas que já
há
decisão francesa autorizando o processo de extradição.
O processo de
deportação encontra-se hoje suspenso, até que haja decisão final do
Tribunal Regional Federal. Em junho de 2015, Battisti casou-se em cerimônia
religiosa com uma brasileira, com quem mantém um relacionamento de 11 anos.
Atualmente reside em São Paulo e possui dois livros publicados.
FONTES CONSULTADAS:
GOMES, Eduardo Biacchi; ALMEIDA, Ronald Silka
de. Extradição e direitos fundamentais: o caso Cesare Battisti. Revista de Informação Legislativa, Brasília,
a. 49, n. 195, jul./set. 2012. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496595/000966844.pdf?sequence=1>. Acesso em: 17 mar. 2016.
REZEK, Jose Francisco. Direito internacional
público: curso elementar. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Sentença nº 54466-75.2011.4.01.3400
de 26 de fevereiro de 2015.
FONTE DA IMAGEM:
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