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quinta-feira, 24 de março de 2016

Direito Internacional em Foco: Processo de extradição e de deportação de Cesare Battisti

A seção Direito Internacional em foco é produzida por alunos do 3° Período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter e a supervisão do monitor da Disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento dos professores ou da instituição.


Processo de extradição e de deportação de Cesare Battisti


Bruno Araldi, Gabriela Blasi de Andrade e Richard Gomes


  Uma das maiores polêmicas diplomáticas a tomar lugar entre as manchetes brasileiras nos últimos anos, o caso do pedido de extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti causou grande repercussão não somente pelo receio de que fossem prejudicadas as relações Brasil-Itália, mas também por causar um grande - e interessante - tumulto jurídico no país.

  Primeiramente, para podermos entender um pouco melhor sobre o contexto em que se desenrolou toda essa “novela” é imprescindível não nos prendermos apenas ao que aconteceu aqui no Brasil, mas sim recorrermos a alguns acontecimentos do passado.

  Cesare Battisti, nascido em 1954, era militante da organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo que comandou, entre 1976 a 1979, de várias ações contra o regime político italiano a fim de derrubá-lo: desde furtos de carros e roubo a casas de crédito e de armas até a morte de quatro pessoas, entre elas civis (há dúvidas se as vítimas civis eram ligadas à extrema direita italiana). A organização foi desmantelada pelo governo italiano em 1979 e a maior parte de seus antigos membros foram presos. Na época, Cesare não era sequer suspeito dos assassinatos: fora condenado a uma pena de 12 anos por delitos políticos - participação em organização de esquerda e participação em ações subversivas. Esteve preso até 1981, quando conseguiu fugir, refugiando-se a principio no México e depois indo para a França onde ele recebeu abrigo político.
              
  No ano seguinte, porém, Cesare seria acusado a partir de uma delação premiada pelos quatro homicídios. Como Battisti estava na França, acabou sendo julgado à revelia (sem presença do réu no tribunal), sendo condenado à pena perpetua pela justiça italiana em 1993. Ele permaneceu na França mesmo com a sua pena proferida na Itália, até meados de 2003 quando o governo italiano pediu sua extradição. O governo francês deferiu e,  antes que fosse preso, Battisti consegue fugir para o Brasil, onde então residiu até ser preso em 2007 ficando à mercê do governo brasileiro, após a solicitação da extradição pelo governo italiano. 
   
A extradição é o ato no qual um Estado entrega a outro Estado um indivíduo acusado de cometer crime grave ou já condenado na justiça do Estado que faz o pedido, desde que garantida a preservação dos direitos humanos, com o objetivo de evitar a impunidade através da cooperação jurídica internacional. O pedido de extradição deve fundamentar-se em tratado bilateral de extradição ou a partir de uma promessa de reciprocidade entre os países, sendo importante considerar que as regras podem variar de acordo com cada país: o Brasil, por exemplo, não extradita brasileiros natos, indivíduos condenados por crimes políticos e nem indivíduos condenados por pena perpétua ou de morte, a menos que essa seja revertida em privação da liberdade por um período de no máximo 30 anos.

No caso, o pedido de extradição de Battisti por parte do Estado italiano foi formulado com fundamento no tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Itália em 1989. Em se tratando de extradição passiva, isto é, pedido recebido pelo Brasil, quem o recebe é o Ministério das Relações Exteriores. Este o encaminha ao Ministério da Justiça, que procede com uma análise preliminar do pedido e, posteriormente, se entender preenchidos os requisitos para que seja processado, remete-os ao Supremo Tribunal Federal. O STF, por sua vez, analisará sua legalidade e procedência, mas não mérito; isto é: decide se nossa lei permite a extradição no caso concreto (analisando se é ou não, por exemplo, crime político) – mas não analisa a decisão proferida pelo tribunal estrangeiro e nem mesmo determina se a extradição ocorrerá ou não. Tal decisão cabe ao Presidente da República - já que é considerado um ato político decidir se a extradição será implementada ou não. Sua decisão é insuscetível de apreciação pelo Judiciário.

  A ordem de prisão preventiva de Battisti foi emitida pelo Supremo Tribunal Federal, após encaminhamento da questão pelo Ministério da Justiça, e foi cumprida pela Polícia Federal em março de 2007. Deu-se então a análise do possível processo de extradição. 
 Interrogado em 2008, Battisti negou a autoria dos homicídios atribuindo a responsabilidade ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), alegando que ele estava sendo usado como bode expiatório. Nesse meio tempo Battisti solicitou a condição de refugiado junto ao Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, prevista na Lei 9.474/97, indeferido num primeiro momento, mas concedido em fase de recurso pelo Ministro de Estado da Justiça.

   A defesa de Battisti alegou que a extradição não poderia ser efetuada pelo o réu estar sendo na realidade perseguido politicamente na Itália e não sendo sentenciado somente pelos os crimes que ele teria cometido o que invalidaria o pedido de extradição. Porém o STF atribuiu a ilegalidade da condição de refugiado conferida à Battisti pelo o Ministro da Justiça. Interpretou também, que ele estava sendo acusado não por crimes políticos, mas sim pelos os homicídios das quatro pessoas, deferindo assim o pedido de extradição feito pelo o governo Italiano, mas condicionando tal decisão ao posicionamento do Presidente da República.

  No último dia de seu governo, 31/12/2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou o pedido de extradição, sob a alegação de que haveria razões ponderáveis para supor que Battisti poderia sofrer perseguição política na Itália. A decisão foi legal, nos termos do Tratado. Ademais, vale ressaltar que entre os princípios que regem o Brasil em suas relações internacionais encontram-se a independência nacional e a prevalência dos direitos humanos. 

  Todo o processo foi cercado de grande repercussão pela na mídia e intenso interesse das autoridades italianas. Após a decisão do ex-presidente, o governo de Berlusconi caracterizou o ato como injusto e gravemente ofensivo. No Brasil, além disso, teve origem uma delicada situação jurídica quanto à permanência do italiano no país.

  Diante das circunstâncias, Battisti pleiteou perante o Conselho Nacional de Imigração documento que atestasse a legalidade de sua permanência no Brasil. A autorização, no entanto, foi considerada ilegal pela juíza federal Adverci Rates, titular da 20ª Vara do Distrito Federal, em fevereiro de 2015. De acordo com a sentença da magistrada, a concessão teria violado o Art. 7 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), que nega a concessão de visto a estrangeiro processado ou condenado em outro país por crime doloso.

  A juíza, ao decidir como nula a concessão de permanência de Battisti no Brasil, determinou à União que implementasse o processo de deportação aplicável, posto que sua permanência no país é ilegal e sem possibilidade de regularização, em razão de sua condenação por crimes passíveis de extradição. Afirmou que este ato não representa afronta à decisão do Presidente da República, que apenas decidiu pela não extradição. Fundamentou-se, para tanto, no Art. 58 do Estatuto do Estrangeiro, sobre deportação: far-se-á para o país de nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-lo, ou seja, não necessariamente para a Itália.

  Entretanto, em termos práticos, a deportação poderia implicar sim em afronta à decisão presidencial, uma vez que a extradição de Battisti poderia ocorrer por via oblíqua. Ainda que a deportação não seja para a Itália, esta já sinalizou que irá solicitar a extradição do condenado ao Estado que o receber. Fosse Battisti enviado à França, por exemplo, esta poderia entregá-lo imediatamente para a Itália, tendo em vistas que já há decisão francesa autorizando o processo de extradição.

  O processo de deportação encontra-se hoje suspenso, até que haja decisão final do Tribunal Regional Federal. Em junho de 2015, Battisti casou-se em cerimônia religiosa com uma brasileira, com quem mantém um relacionamento de 11 anos. Atualmente reside em São Paulo e possui dois livros publicados.
 


FONTES CONSULTADAS:
GOMES, Eduardo Biacchi; ALMEIDA, Ronald Silka de. Extradição e direitos fundamentais: o caso Cesare Battisti. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 49, n. 195, jul./set. 2012. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496595/000966844.pdf?sequence=1>. Acesso em: 17 mar. 2016.
REZEK, Jose Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Sentença nº 54466-75.2011.4.01.3400 de 26 de fevereiro de 2015.

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