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sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Entrevista Professora Natali





Entrevista a Professora Natali realizada no dia 11/10/23 por:  Júlia Gardi

Transcrito por: Ana Sales
Revisado por: Nathaly Yohanna Limberger

As primeiras perguntas serão a respeito da carreira da professora: qual sua formação?

Eu sou formada em Relações Internacionais e Integração pela Universidade Federal de Integração Latino Americana – UNILA. Tenho especialização em Relações Internacionais Contemporâneas e mestrado em Ciência Política, e atualmente faço doutorado também em Ciência Política; mesmo que meu mestrado e meu doutorado seja em Ciência Política, a minha pesquisa sempre se concentra mais no campo das Relações Internacionais.

Como a senhora se tornou professora aqui no Unicuritiba?

Definitivamente foi um longo caminho. Não vou dizer que entrei na graduação querendo ser professora, foi algo que fui descobrindo com o tempo. Até depois que eu me formei, passei um ano sem saber direito o que eu queria fazer, saí da graduação muito perdida, mas comecei a fazer um MBA em gestão de projetos, que é algo super administrativo e eu não tive uma experiência agradável. Quando saí da faculdade, percebi o quanto sentia falta de estar em um ambiente universitário. 

Foi só então que, a partir disso, decidi ser professora. Me preparei para fazer um mestrado na UFPR, fui aprovada, e vim pra Curitiba. Em seguida comecei a pensar em como poderia me tornar professora.

Primeiro, comecei a trabalhar na UNINTER (Centro Universitário Internacional), que é outra instituição que tinha Relações Internacionais aqui em Curitiba. No entanto, sempre quis trabalhar aqui na Unicuritiba. 

Acabei indo num encontro de Relações Internacionais, conheci a professora Patrícia que estava acompanhando outros alunos enquanto eu apresentava um trabalho. Creio que foi dessa forma que ela igualmente soube da minha existência, já que eu estava trabalhando em outra instituição e realizando um mestrado na UFPR.

Um ano e meio depois, abriu uma vaga no Unicuritiba e a professora Patrícia me convidou, perguntando se eu tinha interesse em dar aula em geopolítica. Passei pelo processo seletivo por uma banca e fez com que eu chegasse aqui; então foi meio que um pouco orientada minha carreira para ser professora. 

Ao conhecer a professora Patrícia, pude mostrar pra ela um pouco o tanto que eu gostava de RI, o tanto que eu gostava de dar aula, que eu já tinha alguma experiência e, quando surgiu uma oportunidade, ela lembrou de mim, fazendo com que eu pudesse chegar até aqui.

E quando foi despertado seu interesse de ser uma profissional em Relações Internacionais?

Acho que minha resposta será bem clássica. Temos dois profissionais de RI: aqueles que nasceram em Relações Internacionais e que sempre tiveram interesse e já realizaram até intercâmbio em outras oportunidades, e aqueles que não sabem exatamente o que irão fazer.

Às vezes brinco com carinho dizendo que RI é a administração das humanidades, por abranger de tudo um pouco as coisas que gosto como business, história e direito. No entanto, pra mim a ideia surgiu ao final do ensino médio, onde eu não sabia muito bem o que iria cursar já que estava justamente entre esses três cursos.

No final, acabei escolhendo RI por conta da universidade. Sempre quis estudar na UNILA, pois já tinha lido sobre a existência do projeto de uma universidade internacional. Morei por muito tempo no Paraguai, e como o curso mantinha muito contato com a fronteira, achei que ele atendia o que eu gostava.

É um curso que tem muita história, tem um pouco de Direito, tem geopolítica, e tinha tudo que eu gostava basicamente. E também um pouco por conta da vontade que eu tinha de estudar na UNILA, mas acho que foi meio que na procura de uma área que tivesse mais a minha cara, já que eu sabia que não gostava de exatas e não era muito das biológicas, e engenharias jamais!

Na época eu também quis fazer jornalismo, e isso foi outra coisa que me influenciou a escolher RI. No entanto, quando fui fazer faculdade, na época não era exigido um diploma para seguir a carreira de jornalista, então não vi fundamento em realizar esse curso. Posteriormente, me deparei com RI, que reunia diversos itens que eu era apaixonada por me aprofundar.

Foi meio que a junção de estar procurando encontrar algo que fizesse sentido pra mim e que me levou a Relações Internacionais, mesmo sendo uma área pouco falada na época, já que você não observava isso normalmente nas feiras educacionais.

Agora uma pergunta mais pessoal: o que você diria caso perguntassem se a senhora gosta de ser professora?

Gosto muito de dar aula, e sempre achei muito legal essa questão da sala de aula onde você irá trabalhar com algo que você vai estudar bastante trazendo conteúdo novo aos alunos; e isso é algo muito “autoral”, algo muito seu. Quando você está dando uma aula, há liberdade de preparar tudo isso e simultaneamente você pode estar sempre estudando, e logo após que determinado conteúdo é passado em aula, já vai existir um artigo publicado sobre aquilo gerando material para que outras pessoas façam outras coisas.

Gosto muito da sala de aula, de ter esse contato com os alunos,onde estamos sempre em processo de aprendizagem. Na minha concepção, a coisa mais fantástica de ser professor é a convivência, onde você pode ver os alunos e as alunas utilizando as coisas que você dá em aula para começar a formar já sua própria cabeça e começar a voar já bem mais longe do que nós.

Além de questões mais simples, de personalidade, eu gosto da liberdade de dar aula,  de ter o controle da sala de aula, de estar sempre estudando. Meus professores foram muito importantes na minha trajetória, me incentivando a viajar - já que eu morava muito no interior; então acho muito divertido essa possibilidade de que os professores possam ajudar os alunos que ainda estão se encontrando.

Há quanto anos você atua como professora?

Comecei a trabalhar como professora há cinco anos atrás, em 2018. Minha primeira sala de aula era composta por cerca de 90 alunos, e foi algo extremamente desafiador por conta da quantidade de estudantes.

Na época, eu tinha apenas 25 anos! Ainda estava em processo de aprendizagem como professora, sem contar que algumas vezes eu tinha até alunos mais velhos do que eu. Apesar de tudo, acredito que consegui me sair bem.

Existe algum momento em sala de aula que faça você pensar como é gratificante ensinar alunos?

Sim, definitivamente existe - principalmente quando você vê seus alunos curiosos ou trazendo reflexões que você sequer tinha pensado ainda, ou até mesmo quando fazem perguntas que eu não sei responder. Isso mostra o grau de abstração de como vocês também vêem coisas que eu não vejo. Também amo quando estamos em uma discussão muito interessante e os alunos trazem perguntas muito difíceis de serem debatidas, mas sem deixarem de fornecer opiniões. Creio que são esses os principais pontos que mais sinto prazer em lidar e presenciar.

Há algum momento ou experiência na faculdade que te marcou de alguma forma?

É evidente de que eu realmente tive alguns momentos bem importantes como, por exemplo, a greve no período que estudei na UNILA e também a dificuldade no processo de adaptação na instituição tendo em vista a mistura entre alunos brasileiros, paraguaias, argentinos e chilenos - principalmente para mim, que vim do interior. Foi difícil, mas também foi muito importante para a minha formação profissional aprender a confrontar determinadas coisas que você tinha conhecimento de que eram verdade, mas após observá-las por um outro ponto de vista, não eram tanto assim.

Querendo ou não foi uma coisa que me fez ficar angustiada por estar ali, pelo menos no começo ao longo do primeiro semestre; então creio que posso dizer que isso realmente me marcou, não no sentido de me fazer querer desistir. A UNILA me trouxe essa amplitude de experiência sem viajar e sem ir pra muito longe.

E mesmo sem ir pra muito longe, eu continuava a 200 quilômetros de casa, aos 18 anos, vendo situações novas todos os dias, convivendo com muitas pessoas diferentes de diversas classes sociais e países que se comunicavam em outro idioma. Ter passado por essa experiência ajudou bastante a abrir minha cabeça e me tornar uma pessoa muito mais tolerante, e creio que foi uma das mais marcantes que eu tive ao longo dos meus estudos na faculdade.

Agora uma pergunta mais sobre seu dia a dia: quais são as principais responsabilidades e tarefas na ocupação de ser professora?

Acho que a primeira delas é preparar aula, tendo em vista que eu tenho um apreço muito grande pelo processo de esquematização. Gosto bastante de me atualizar e selecionar boas bibliografias para  compartilhar com os alunos.

Também tenho as orientações de TCC, então orientar, corrigir os trabalhos dos alunos. Eu também coordeno as atividades da Cátedra, então atualmente lido com cerca de 40 voluntários promovendo eventos uma vez ou outra. 

Além disso, sempre vai surgir uma ou outra responsabilidade variada como organizar visitas, responder perguntas e sanar dúvidas dos alunos fora de aula.

A senhora já teve alguma outra experiência desafiadora?

Complementando o que mencionei anteriormente sobre ser professora de uma turma com mais de 90 alunos em 2018, passamos por uma situação bem polêmica na época que foi a eleição do presidente Bolsonaro na época. A turma era bastante polarizada, e houveram momentos bem complicados onde foi necessário lidar com alunos posicionados de maneira extrema. Definitivamente foi algo muito desafiador na minha formação como professora, mas definitivamente foi um aprendizado importante pra mim.

Também posso falar que a pandemia foi outra experiência complicada, apesar de já estar trabalhando dando aulas a distância em outra instituição, isso evidentemente não deixa de ser muito diferente do ensino remoto com as aulas síncronas.

Comecei a minha carreira no Unicuritiba no meio da pandemia, dando aula pra uma turma que eu não sabia nem quem eram os alunos, que eu não tinha sequer visto os rostos deles. Tinha colegas professores que eu nunca havia encontrado pessoalmente ou conversado, e isso foi muito dificultoso no início do trabalho em uma instituição nova. Sem contar que, pela tela de um computador ou de um celular, não tinha nunca como saber o que as pessoas estavam passando do outro lado, suas reais expressões e opiniões - fui obrigada a preparar um disciplina fora daquilo que estava acostumada a incentivar e ensinar aos alunos dentro de sala de aula.

Como foi a experiência sendo mulher dentro do ambiente acadêmico? Houve alguma dificuldade ou questão a ser comentada?

Não irei dizer que já sofri ou fui prejudicada de alguma maneira nessa questão, mas sim, já houveram momentos em que tive que me impor pois senti que não estava sendo respeitada intelectualmente por alguns colegas em determinadas situações.

Fiz mestrado e doutorado na Universidade Federal num programa de pós-graduação com professores excelentes. Na época, só haviam professores homens, e isso foi bem controverso para mim pois estava acostumada com a diversidade docente da UNILA.

Não tinha noção de que iria chegar lá e não teria aula com uma única professora, então pra mim esse acontecimento foi um choque bem grande; sem contar no corpo discente que percentualmente era muito mais composto por homens do que mulheres.

Nesse sentido, é evidente de certas ações e comentários negativos em relação ao respeito às mulheres vai ficando cada vez mais normalizado, chegando a um ponto onde ações do tipo nem sempre são feitas por maldade; as pessoas acabam tendo ali um certo coleguismo e corporativismo somente masculino.

Por conta dessas situações, houveram momentos em que foi necessário me impor, no sentido de mostrar que eu era capaz tanto quanto qualquer outra pessoa ali presente. Estando em um ambiente assim, precisamos ocupar os espaços de maneira adequada e sempre demonstrar que ali existe alguma falta de respeito, tendo em vista que as vezes pode ser apenas um descuido em certas falas.

Portanto, digo que essa experiência foi também um aprendizado que melhorou bastante desde 2018, mas que, infelizmente, ainda faz parte da realidade brasileira - quiçá mundial! -, onde nos encontramos em um processo de constante mudança em relação a isso.

Qual conselho a senhora gostaria de deixar aos alunos que estão atualmente cursando RI?

Considerando o caráter do curso de Relações Internacionais, que é tão diverso e compreende tantas possibilidades e o fato de que não há um manual aos internacionalistas determinando a eles o que fazer, sugiro que é essencial experimentar coisas e possibilidades dentro da área. Fazendo isso, vocês irão perceber o que vocês realmente gostam, tendo a possibilidade de investir nisso posteriormente.

O curso de Relações Internacionais, na minha concepção, é uma base muito boa para atuar no mercado profissional. No entanto, é sempre necessário prestar atenção em todos os detalhes presentes e experimentar diferentes coisas ao decorrer do curso. A partir do momento que você acha algo que gosta, você vai ter mais liberdade de começar a investir em pensamentos relacionados a quais especializações você vai poder fazer no futuro, estágios que vocês podem se aplicar, e pensar em diversos outros assuntos para que quando vocês finalmente saiam do curso possam começar a visualizar com outros olhos o que vocês querem seguir, levando em conta seus gostos individuais e no que acreditam que possuem mais aptidão de realizar; e, obviamente, o que vai empregar vocês. 

Você tem alguma recomendação de livros que te marcaram durante a faculdade ou na sua atuação como professora?

Tem um livro que eu gosto muito que é Inside Outside International Relations as Political Theory, do R. B. J. Walker, que é um livro básico pós-estruturalismo das Relações Internacionais, onde é apresentado uma crítica ao realismo e a construção das Relações Internacionais, a partir dessa ideia de anarquia. 

Também vale a pena citar em o livro do autor argentino Walter Mignolo, The Darker Side of Wertern Modernity: Global Futures, Decolonial Options - que é um livro que discute como falamos de modernidade, sobre como o lugar de progresso não discute o que foi o colonialismo, que é encontrado no trabalho de Anibal Quijano. Temos também um artigo falando e se aprofundando sobre colonialidade chamado Colonialid y Modernidad Racionalidad.

Vale a pena pesquisar sobre os livros de duas autoras nigerianas que sou apaixonada pela literatura e escrita: Chimamanda Ngozi Adichie e o livro é Meio sol amarelo, que conta a história da guerra de Biafra que é a guerra civil nigeriana; e a Ayòbámi Adébáyò com o livro Fique comigo que possui uma história fantástica e sensacional.

Finalizando essa parte de literatura, gostaria de indicar um livro que todos deveriam ler pelo menos uma vez na vida: Desonra, que fala sobre a África do Sul pós Apartheid. Foi escrito por J.M. Coetzee, que recebeu o prêmio Nobel por sua publicação, realizando um excelente trabalho.

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