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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Persona non grata: os entraves políticos e o “juridiquês” internacional envolvendo a permanência do corpo diplomático da Venezuela


       Em meio a situação de risco que se instaurou no país por conta da pandemia de COVID-19- e a falta de atuação governamental efetiva-, dá-se continuidade a condução de uma política externa de riscos por parte do Itamaraty.
       No início deste mês, o Ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, por meio de uma liminar, o ofício de expulsão do corpo diplomático da Venezuela. A expulsão, decorrente de uma ordem emitida pelo Ministério das Relações Exteriores, tinha prazo para acontecer até o dia 2 de maio, dia da decisão do Ministro Barroso. O não cumprimento da ordem do Itamaraty incidiria na classificação dos diplomatas como “persona non grata”. O Ministro emitiu uma nova decisão alguns dias depois, afirmando que apesar de considerar a decisão presidencial válida, seus efeitos deveriam ser suspensos até o fim da pandemia
      É importante destacar que, fossem considerados “Persona non grata”, os diplomatas teriam sua missão no Brasil encerrada, já que não seriam mais considerados bem-vindos no país. 
        O pedido pela suspensão da decisão do Itamaraty veio na forma de um Habeas corpus, um remédio constitucional impetrado para proteção da liberdade de locomoção, sempre que houver ilegalidade, abuso de poder, coação ou ameaça. Na ação impetrada, alega-se que a retirada compulsória do corpo diplomático venezuelano figuraria como uma violação a normas constitucionais brasileiras; a tratados internacionais de Direitos Humanos e às Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares. Além disso, haveria a violação de princípios humanitários, em decorrência da exigência de retirada em meio a pandemia de COVID-19. 
        Sob estas alegações, o impetrante do habeas corpussolicitou a suspensão da decisão do Itamaraty, até o término do estado de pandemia mundial, para uma posterior discussão das questões diplomáticas entre Brasil e Venezuela. Isto porque, a decisão do Ministério das Relações Exteriores teve por motivo o não reconhecimento do governo de Nicolás Maduro por parte do governo brasileiro atual, e sim, do governo do autoproclamado Juan Guaidó. Em outras palavras, o governo brasileiro reconheceria apenas os diplomatas apontados por Juan Guaidó como representantes dos interesses venezuelanos. 
      O reconhecimento de governo pode ocorrer de forma tácita ou expressa e  significa a capacidade do governo em questão de representar seu Estado frente a comunidade internacional. Hildebrando Accioly destaca que o Brasil faz uso dos seguintes critérios para o reconhecimento de um governo: a existência real de governo aceito e obedecido pelo povo; estabilidade do governo; e a aceitação da responsabilidade por obrigações internacionais. Enquanto a questão envolvendo a real legitimidade de reconhecimento do governo de Guaidó figura em outra ala de debate, o uso da justificativa de  não reconhecimento de governo acarreta outros problemas, como a violação de normas internacionais de Direito Diplomático. Em especial, às disposições da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. 
       A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas prevê, entre outras coisas, as imunidades e privilégios inerentes a pessoa do diplomata. A Convenção estipula em seu Art. 39, inciso 2, que as imunidades de um diplomata só cessam mediante a saída do território, ou quando findo prazo razoável para tal fim. No caso em questão, os diplomatas venezuelanos ainda estariam incumbidos de sua imunidade, até que ocorresse a saída do território brasileiro. 
      Outro problema destacado no Habeas corpusimpetrado foi a falta de embasamento legal no ofício de expulsão do Itamaraty. A ação referenciou o ato ministerial como sendo uma afronta ao Direito à Saúde tanto dos diplomatas, quanto de suas famílias. Novamente, aqui constituir-se-ia, segundo o impetrante da ação, uma violação à normas internacionais dispostas na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, da qual o Brasil é signatário, e a qual foi tipificada no regimento jurídico brasileiro com valor supralegal. 
       O voto do Ministro Barroso incluiu o pronunciamento do Procurador- Geral da República, Dr. Antônio Augusto Brandao de Aras, como o que ele considerou uma forma de evidenciar “as razoes de direito constitucional e internacional que justificam a presente medida de urgência”. O Procurador se manifestou no mesmo sentido do Habeas corpus em questão, alegando que se deve considerar a proteção à vida, legitimada no Art.5 caput da Constituição Federal, e o direito à saúde, previsto nos Art. 6 e 196 da Constituição. No mais, ele destaca os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, mundial e regionalmente, na América Latina, como elementos que reforçam o erro na ordem de expulsão dos diplomatas. 
     Aras também destacou normas nacionais que regulam a condição do migrante no Brasil, desta vez se afastando do cenário de consideração somente dos direitos diplomáticos. Em todo argumento, houve uma ênfase ao momento de crise sanitária internacional que vivenciamos, com reforços aos problemas e riscos de contágio durante a pandemia e aos efeitos que o vírus teria na saúde dos diplomatas. Por fim, o Ministro Barroso concedeu um prazo de 10 dias para que o Ministério das Relações Exteriores se manifestasse acerca do caso. 
       Seja do ofício que sustenta a posição governamental de minimização dos efeitos do COVID-19 ou da vista grossa a compromissos jurídicos internacionais do Brasil, o que se nota na ação do Itamaraty é uma ação permeada de inconsistências. Inconsistências jurídicas, pela não aplicação de leis brasileiras da forma com as quais elas foram objetivadas; e inconsistências diplomáticas, por conta do não seguimento das regras vigentes no ambiente político diplomático. De certo, o desgoverno alcança o Brasil agora no âmbito externo e prolifera a ideia de um país que age em desacordo com seus compromissos perante a comunidade internacional. 


REFERÊNCIAS:
ACCIOLY, Hildebrando; E SILVA, G.E. do Nascimento; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
BARROSO confirma decisão que impede expulsão de venezuelanos enquanto durar estado de calamidade. Migalhas. 17 de maio de 2020. Disponível em:<https://www.migalhas.com.br/quentes/326963/barroso-confirma-decisao-que-impede-expulsao-de-diplomatas-venezuelanos-enquanto-durar-estado-de-calamidade>
BARROSO suspende expulsão de diplomatas venezuelanos por dez dias. Veja. 2 de maio de 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/barrroso-suspende-expulsao-de-diplomatas-venezuelanos/
BRASIL. Decreto n°56.435, de 8 de junho de 1965. Promulga a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D56435.htm>
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Medida cautelar no Habeas Corpus n°184.828/DF. Pacientes: Alberto Efrain Castellar Padilla e outros. Impetrante: Paulo Roberto Severo Pimenta. Impetrado: Presidente da República e Ministro de Estado das Relações Exteriores. Relator: Min. Luís Roberto Barroso. Julgamento: 02 maio 2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 5FF3-2684-8546-ED53 e senha 84B2-BA4E-5799-B788>
DIPLOMATAS venezuelanos não podem ser expulsos enquanto durar pandemia, reafirma Barroso. G1. 16 de maio de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/16/barroso-confirma-que-diplomatas-venezuelanos-nao-podem-ser-expulsos-do-brasil-enquanto-durar-estado-de-calamidade.ghtml
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
MINISTRO do STF suspende expulsão de 34 diplomatas venezuelanos do Brasil. 02 de maio de 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/02/ministro-do-stf-suspende-expulsao-de-34-diplomatas-venezuelanos-do-brasil.ghtml>

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